Quando faltam pouco mais de 26 meses para a realização das VII Eleições Gerais (tomando em conta que os escrutínios se realizam na primeira quinzena do mês de Outubro), o país continua expectante quanto à realização das I Eleições Distritais, no âmbito dos consensos alcançados entre o Governo e a Renamo.
A expectativa deriva do debate lançado pelo Chefe de Estado no fim de Maio último e reafirmado há dias pelo próprio Presidente da República sobre a viabilidade da organização das eleições distritais em 2024. Lembre-se, Filipe Jacinto Nyusi convidou a sociedade civil e os partidos políticos a “reflectir sobre a viabilidade de realizarmos eleições distritais”, que terão o condão de eleger, pela primeira vez, os Administradores dos distritos e instituir as primeiras Assembleias Distritais.
E como que a “acatar” a “orientação” do Presidente da República, o Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil que defende a transparência na gestão do erário, já emitiu o seu parecer sobre as eleições distritais. Em análise publicada esta segunda-feira, a organização aponta três factores que concorrem para a inviabilização do escrutínio: jurídicos, políticos e económicos.
No plano jurídico, o CIP elenca o facto de ainda não existir uma lei que possa gerir a eleição dos órgãos de governação descentralizada distrital e muito menos uma equipa de trabalho (parlamentar ou governamental) para elaborar a referida lei. Refira-se que o número 3 do artigo 281 estabelece que a composição, organização, funcionamento e demais competências dos órgãos do distrito (Administrador do distrito, Assembleia distrital e Conselho Executivo distrital) são definidos por lei e a mesma ainda não existe.
“Por isso, sem a fixação de um quadro normativo para a eleição de assembleias distritais, composição e funcionamento de conselhos executivos distritais, tornam-se inviáveis e bloqueiam-se os progressos no âmbito das reformas da descentralização iniciados em 2018, assim como se torna mais complexo o funcionamento e a articulação entre os órgãos de governação descentralizada distrital previstos”, defende o CIP.
Já no campo político, a organização aponta a ausência de consensos entre os partidos políticos e até académicos sobre a viabilidade da realização daquele processo eleitoral. É que os partidos da oposição insistem na realização das eleições, em observância ao instituído na Constituição da República.
No entanto, o CIP defende que, para além do plasmado na Constituição da República, não existe um debate político profundo sobre os argumentos da viabilidade de realização de eleição dos órgãos de governação descentralizada distrital.
Aliás, para o CIP, os descensos resultantes do entendimento sobre a realização e a viabilidade das eleições distritais já revelam fragilidades no âmbito do Acordo de Paz de Maputo, assinado em Agosto de 2019, assim como revelam fragilidades no âmbito do quadro normativo que gere as reformas do Estado e da descentralização, iniciadas no ano de 2018. Sublinha ainda que a situação resulta das tendências sistemáticas de monopólio e bipolarização do campo político nacional, fortemente controlados e influenciados pela Frelimo e pela Renamo.
Por sua vez, no plano económico, a organização defende que a realização das eleições distritais em 2024, bem como o funcionamento dos órgãos delas resultantes, poderá implicar custos orçamentais acrescidos para o Estado, destacando-se o aumento de despesas correntes (salários, subsídios) e a redução de despesas de investimento (bens e serviços públicos).
Baseando-se na experiência da institucionalização dos 11 órgãos de representação do Estado na província (Secretarias de Estado), o CIP revela que os mapas da execução orçamental da Conta Geral do Estado de 2017 a 2021 mostram que, com o novo figurino da descentralização, as despesas de investimento reduziram, enquanto as de funcionamento continuam a crescer.
“Por isso, com base no figurino estabelecido na província, prevemos a continuidade de prioridades na alocação de despesas de funcionamento em detrimento das despesas de investimento e a consequente redução de bens e serviços prestados pelo Estado, a nível local, nos sectores essenciais como educação, segurança, saúde e infra-estruturas”, alerta.
O CIP entende igualmente haver necessidade de se compreender como funcionará o novo figurino de governação nos distritos onde existem e funcionam assembleias municipais. “Fará sentido a existência de duas assembleias, uma distrital e outra municipal, no mesmo território?”, questiona.
Por essa razão, recomenda que as reformas da descentralização devem ser tomadas como um projecto nacional e de interesse do Estado e “não como um pacote de acomodação dos interesses dos partidos políticos”. (Carta)