Está quase declarada a guerra entre Eduardo da Silva Nihia, membro sénior do partido Frelimo, e a população da província de Nampula, na sequência dos últimos pronunciamentos públicos proferidos pelo veterano da luta de libertação nacional, em que acusa o povo da província mais populosa do país de ser “falso”.
Os pronunciamentos foram feitos na passada sexta-feira durante a XI Conferência Distrital da Frelimo em Nampula, que visava a eleição dos delegados distritais do partido ao XII Congresso, a ter lugar entre os dias 23 e 28 de Setembro de 2022, na cidade da Matola.
Segundo Nihia, a cidade de Nampula e outros quatro municípios da província de Nampula (Angoche, Malema, Ilha de Moçambique e Nacala-Porto) estão nas mãos da oposição (Renamo) devido à falsidade do povo macua.
“Porque é que Inhambane não fica com a Renamo? Perguntam, vocês próprios sabem. Porque é que Manica, Chimoio, não fica com a Renamo? Porque é que Tete não fica com a Renamo? Porque é que Pemba não fica com a Renamo? A resposta, quero vos dar: os macuas são falsos. A resposta é esta: os macuas são falsos. Os macuas não têm direcção. Não tenho como, não posso esconder isso. Quando eu digo que tenho vergonha, é porque sou do grupo macua”, afirmou.
Em resposta a estas palavras, mais de uma dezena de cidadãos naturais da província de Nampula, entre anónimos e até figuras públicas, expressaram a sua indignação e revolta em relação ao discurso proferido pelo deputado mais velho da Assembleia da República.
Agostinho Miguel, jornalista do semanário Ngani, editado na cidade de Nampula, é um dos que reagiram às acusações feitas pelo general na reserva. Para o jornalista, os pronunciamentos de Nihia teriam enquadramento se singularizasse o seu discurso.
“Na minha óptica, ele diria que os membros do partido Frelimo, em Nampula, são traidores e falsos. Pelo menos teria lógica porque temos pessoas de outras formações partidárias que vivem nesta parcela do país, nomeadamente, da Renamo, MDM [Movimento Democrático de Moçambique], AMUSI [Acção do Movimento Unido para Salvação Integral], ND [Nova Democracia] e PAHUMO [Partido Humanitário de Moçambique]”, defendeu.
Por seu turno, a activista social Milda Quaria entende que Eduardo Nihia “ofendeu bastante” a etnia macua, simplesmente pelo facto de as pessoas terem tomado uma escolha em relação aos destinos da sua província.
“Ele devia saber que o povo macua é justo, sabe o que quer e como quer. Os discursos desse senhor fazem-me pensar em algumas situações de transtornos bipolares. Um certo ano, [Eduardo Nihia] prometeu, em Mutuali, sapatos para quem votasse no seu partido (Frelimo) e até agora não vi nem um chinelo”, afirma Quaria.
Para a activista, no lugar de diabolizar o povo macua, Eduardo Nihia devia procurar estratégias para convencê-lo a mudar o seu sentido de voto, pois, “cada um tem o livre arbítrio de escolher” a sua preferência política.
“Continue a comer e fique calado e não insulte esta raça humilde que cansou de ser manipulada. Aliás, estamos num país democrático ou não? Se perdeu nas eleições passadas, esforça-te para vencer nas próximas”, rematou.
Já o conceituado músico Momade Ali Faque defende que “os macuas não são cobardes”, tal como refere Eduardo Nihia. “Macuas são pessoas que percebem a mudança, isto é democracia. Os falsos são aqueles que, quando zangam, se limitam a queimar pneus nas estradas e, na hora do voto, votam nas mesmas pessoas que lhes causaram revolta. Os macuas são pessoas que sabem decidir, não precisam de queimar pneus nas estradas”, rematou o músico, num vídeo partilhado nas redes sociais.
Abudo Gafuro, um cidadão residente na cidade de Nampula, também entrou no debate e, através de um vídeo publicado na sua conta do facebook, questionou ao veterano da luta de libertação nacional quem seria falso entre o povo macua e o Governo da Frelimo.
“Afinal, quem é falso? Falsos não vocês que estão aí a nos governar feito cabritos, desde que o colono foi embora? Falsos não são vocês que vêm aqui [em Nampula] cobrar impostos e levam para Maputo? Falsos não são vocês que herdaram a ponte da Ilha de Moçambique e até hoje não conseguiram ampliá-la? Falsos, neste momento, são governantes corruptos da Frelimo. Esperavam que o macua continuasse a vos votar? Ainda é cedo”, defendeu.
Refira-se que os pronunciamentos de Nihia não tiveram total acolhimento por parte dos membros da Frelimo que compunham a sala onde decorria a conferência distrital. (Carta)