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sexta-feira, 13 janeiro 2023 07:35

Porosidade das fronteiras e actividade pesqueira impulsionaram a insurgência em Cabo Delgado – revela pesquisa

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Uma pesquisa levada a cabo pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) defende que o avanço da insurgência, na província de Cabo Delgado, foi impulsionado pelas dinâmicas de migração externa e interna, que alimentaram uma vasta rede de recrutamento por parte do grupo terrorista. Tais dinâmicas, revela o relatório, foram facilitadas pela porosidade da fronteira com a Tanzânia e pela actividade pesqueira nas ilhas ao largo de Cabo Delgado.

 

Intitulado “Dinâmicas da Migração e o Desenvolvimento da Insurgência Jihadista no Norte de Moçambique”, o estudo consta da 13ª edição da série “Desafios para Moçambique”, desta vez referente a 2022, publicada no passado dia 31 de Dezembro. A pesquisa é da autoria dos investigadores Salvador Forquilha (IESE) e João Pereira (Fundação MASC).

 

De acordo com a pesquisa, a porosidade da fronteira com a Tanzânia está na origem de um forte movimento migratório associado ao garimpo ilegal. Esse movimento, refere o estudo, trouxe para o território nacional, por um lado, indivíduos ligados a círculos salafistas (um movimento ortodoxo, internacionalista e ultraconservador do islamismo sunita) provenientes particularmente da Tanzânia, Quénia e Somália e, por outro, indivíduos provenientes de zonas de guerra (particularmente da República Democrática do Congo), com experiência militar e envolvidos em redes de crime organizado.

 

O estudo revela que alguns dos garimpeiros ilegais expulsos em Namanhumbir, distrito de Montepuez, sudoeste da província de Cabo Delgado, refugiaram-se em alguns distritos daquela província, com destaque para Mocímboa da Praia. “É importante referir que evidências no terreno sugerem que havia garimpeiros ilegais estrangeiros que tinham estado em contacto com círculos radicais na Tanzânia, antes da sua entrada ilegal em Moçambique e que os locais de garimpo se tinham tornado também espaços de disseminação de ideias salafistas”, refere a pesquisa.

 

O estudo sublinha que Moçambique e Tanzânia partilham uma fronteira comum de 756 Km de extensão, através do rio Rovuma, na qual existem cinco postos fronteiriços (separados por uma média de 151,2 Km), caracterizados pelo fluxo de alimentos de Moçambique para Tanzânia (milho, arroz em casca, gergelim) e bens de consumo de Tanzânia para Moçambique (artigos domésticos, roupas, bicicletas, rádios, motas).

 

“A porosidade da fronteira e a falta de meios por parte dos oficiais fronteiriços, do lado de Moçambique, tornaram a linha da fronteira extremamente vulnerável às investidas de migrantes clandestinos, muitos deles associados ao crime organizado de contrabando e tráfico de todo o tipo e, nos últimos anos, ao desenvolvimento da insurgência jihadista no Norte de Moçambique”.

 

Insurgência explora dinâmicas da actividade pesqueira

 

Para além da porosidade da fronteira moçambicana com a Tanzânia, o estudo aponta as dinâmicas da actividade pesqueira como outro factor que impulsionou o terrorismo em Cabo Delgado. Defende que o movimento migratório interno de pescadores artesanais do litoral da província de Nampula para Cabo Delgado ganhou um novo impulso no contexto da insurgência, transformando-se num elemento importante no processo de recrutamento para as fileiras dos chamados Al-Shabaab.

 

Os pesquisadores explicam que vários pescadores da zona litoral de Nampula têm migrado para a província de Cabo Delgado em busca de melhores rendimentos, visto que, em Nampula, a média dos meses de maior rendimento da pesca e aquacultura é de quatro meses, enquanto em Cabo Delgado é de cinco meses. “Nesse período, a receita mensal por agregado familiar era de cerca de 15 mil meticais, em Nampula, e 21 mil meticais, em Cabo Delgado”, revela.

 

Assim, argumenta a pesquisa, ao longo dos anos desenvolveu-se localmente um mecanismo informal extremamente eficiente, que permite a migração de pescadores artesanais para a costa de Cabo Delgado. Trata-se de um mecanismo que envolve dois actores: os proprietários dos barcos, que estabelecem a sua própria rede de recrutamento de mão-de-obra, que possibilita a ida de pescadores individuais para a costa de Cabo Delgado; e os pescadores individuais, constituídos maioritariamente por jovens, que migram para a costa de Cabo Delgado em busca de oportunidades de emprego.

 

Os referidos mecanismos de recrutamento de mão-de-obra para o sector de pesca, detalha a pesquisa, criaram condições para o recrutamento de elementos do grupo terrorista. Com base em depoimentos de pescadores, a pesquisa mostra que alguns dos proprietários dos barcos eram membros do grupo terrorista, tendo aliciado alguns dos seus trabalhadores a ingressarem nas fileiras dos insurgentes.

 

“Eu fui a Cabo Delgado trabalhar para um patrão [proprietário de barcos] de Mocímboa da Praia. Quando a guerra começou, eu não sabia que aquele meu patrão estava ao serviço dos Al-Shabaab. Um dia, ele veio ter connosco e disse assim: «hoje vamos ter uma visita… e aproveitem porque vão ter muito dinheiro.» Afinal, a visita eram elementos dos Al-Shabaab, que vieram ter connosco para nos aliciar com dinheiro para entrarmos no grupo deles [Al-Shabaab]”, afirma um pescador, em declarações feitas aos pesquisadores.

 

Em termos metodológicos, refira-se, a pesquisa baseou-se em entrevistas semi-estruturadas, observação e discussões em grupos focais. As entrevistas abrangeram as autoridades administrativas dos distritos cobertos pela pesquisa; oficiais moçambicanos de migração em três postos fronteiriços, nomeadamente Chiuledze (distrito de Mecula), Matchedje (distrito de Sanga) e Cobué (distrito do Lago); pescadores migrantes internos, particularmente da zona litoral de Nampula; e deslocados internos de guerra.

 

O trabalho de campo decorreu entre os meses de Julho de 2020 e Julho de 2021 – antes da entrada das tropas estrangeiras em Cabo Delgado – tendo abrangido alguns distritos de Nampula, Niassa e Cabo Delgado. (A. Maolela)

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