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terça-feira, 19 março 2019 06:21

Revisão da Lei do Trabalho: juristas questionam aplicabilidade do Regime de Pluri-emprego

Juristas ouvidos pela “Carta” sobre a proposta de revisão da Lei nº 23/2007, de 01 de Agosto, conhecida como Lei de Trabalho, recentemente aprovada pelo Conselho de Ministros na sua sétima sessão ordinária, questionam a aplicabilidade do Regime de Pluri-emprego (a possibilidade de um indivíduo ter mais de um contrato de trabalho com diversos empregadores) previsto no documento a ser submetido à Assembleia da República para a devida apreciação e aprovação.

 

O primeiro a colocar em causa o artigo 39 da proposta de revisão da Lei de Trabalho foi o advogado Rodrigo Rocha, que disse ter sido “infeliz” o legislador ao trazer um artigo que nada vem regular. No entender de Rocha, ao querer estabelecer tal regime o legislador “devia descriminar mais alguma coisa (clarificar o âmbito de aplicação do artigo), mas apenas veio dizer que considera pluri-emprego esta situação”.

 

Para Rocha, o que a proposta devia dizer é que para algumas actividades o pluri-emprego pode ser restringido pela cláusula contratual (regime de exclusividade). “Imagine uma situação em que o meu principal emprego requer muito esforço físico, o pluri-emprego não pode permitir que eu tenha outro emprego”, considera.

 

Rodrigo Rocha advoga que o pluri-emprego não pode chocar um emprego com outro, sobretudo na questão de exclusividade no contrato de trabalho. Cita o exemplo de algumas áreas profissionais como Contabilidade, onde o profissional não pode ter dois empregos.“Um contabilista não pode ter dois empregos porque a ciência que tem de uma empresa está a levar para a outra. Estaria a promover concorrência entre empresas, e o pluri-emprego não pode ser visto nesse sentido. Ele deve funcionar naquelas áreas onde seja possível ter vários empregos”, explicou. Segundo Rocha, o artigo em causa não vem resolver nada em relação ao problema do desemprego no país, que não seja levantar uma possibilidade que pode ou não ser optada.

 

No geral, Rodrigo Rocha diz tratar-se de uma proposta que veio clarificar algumas questões, como o facto de não haver discriminação dos trabalhadores, tanto pela raça, cor, religião ou mesmo origem étnica. O advogado salienta que a Lei passará a respeitar os direitos do trabalhador, sobretudo no que tange à sua liberdade de expressão (não pode ser sancionado por exprimir sua opinião), proibição de revista aos pertences dos trabalhadores (excepto em situações cuja natureza de trabalho obrigue), e permissão para realizar exames médicos aos candidatos como forma de conhecer a sua situação de saúde.

 

“Proposta anti-social”, Domingos Marques

 

Quem também não encontra enquadramento no país do Regime proposto na Lei de Trabalho é o advogado Domingos Marques, que considera o diploma “anti-social” por alegadamente ser feito num país cujo nível de desemprego é “assustador”. Acrescenta que a ser introduzida, esta disposição deverá especificar as situações em que o indivíduo pode ter vários empregos, sob pena de “acumularmos o pouco num único indivíduo” e deixarmos os outros “sem nada”. E prossegue: “Para mim faz mais sentido abrir-se este espaço para situações de especializações cuja mão-de-obra qualificada seja escassa, pois além desta não encontro razões para tal”.

 

Questionado sobre os caminhos que deverão ser seguidos para a penalização do assédio moral e sexual no trabalho, que tem sido o principal “instrumento” usado na admissão de novos trabalhadores (sobretudo do sexo feminino) e promoções, Domingos Marques disse ser necessário as vítimas começarem a denunciar estes casos porque em poucas situações pode-se provar que “fulana ou fulano foram admitidos ou promovidos nesta ou naquela condição”.

 

Na sua intervenção durante o briefing do Conselho de Ministros, que deu ‘luz verde’ à lei em questão, a ministra do Trabalho, Emprego e Segurança Social, Vitória Diogo, disse que a proposta de revisão da Lei do Trabalho, que vigora há mais de 10 anos, visa ajustá-la ao actual estágio de desenvolvimento económico-social do país, face ao surgimento de novos sectores laborais, assim como novas formas individuais de trabalho. Segundo Diogo, havia necessidade de se alinhar o ordenamento jurídico-laboral nacional com as convecções internacionais como a do Trabalho Forçado.

 

Outras inovações

 

Para além da introdução do regime de pluri-emprego, constam ainda da proposta de lei em causa a extensão do período da licença de parto de 60 para 90 dias. Neste ponto, a Lei prevê o não despedimento da beneficiária por um período de um ano após a concessão da referida licança. Os pais passam também a ter uma licença de parto de sete dias em cada dois anos, devendo o gozo dos outros sete dias (dois anos depois) efectivar-se em caso de um novo nascimento.

 

Outra inovação da mesma proposta de lei é a proibição do trabalho infantil (permitido a indivíduos com 18 anos de idade ou com 15 anos, mas mediante a autorização do encarregado de educação) e a necessidade de realização dos exames médicos para avaliação da aptidão física do menor a ser contratado.A proposta prevê ainda a introdução de dois novos tipos de contrato de trabalho (trabalho intermitente teletrabalho e o regime de alternância), abertura dos restaurantes nos dias festivos, desde que os trabalhadores sejam pagos num regime excepcional, decisão, por despacho, do ministro do Trabalho na contratação da mão-de-obra estrangeira, ouvido o seu colega da área, bem como a penalização do assédio moral e sexual no trabalho.

 

Estas alterações, segundo Vitória Diogo, visam dar um salto qualitativo para uma “Lei de Trabalho moderna e virada para o desenvolvimento”.

 

O processo de revisão da Lei de Trabalho iniciou em 2017 com envolvimento do Governo e seus parceiros sociais (empregadores e trabalhadores). (Abílio Maolela)

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