O artista plástico Sérgio Langa defende que, embora o público seja leigo, tem razão de se insurgir contra a estátua de Eduardo Mondlane, pois ela apresenta erros que precisam ser corrigidos. Inaugurada na manhã do dia 25 de Setembro, a nova estátua de Eduardo Chivambo Mondlane está erguida no início da avenida com o mesmo nome, no bairro do Alto-Maé, na cidade de Maputo.
Entretanto, após a inauguração, a obra começou a ser motivo de chacota nas redes sociais. Entre as várias opiniões expressas nas diferentes plataformas digitais, os cidadãos exigem que a estátua seja removida daquele local, alegando que ela não reflecte a real imagem de Eduardo Mondlane e, por essa via, pedem o retorno da antiga, que, segundo eles, possuía mais semelhança.
Diante de tantas críticas, "Carta" entrou em contacto com Sérgio Langa para obter o seu ponto de vista, como artista, sobre a pertinência ou não das críticas populares ou se havia má-fé por parte do público. Na perspectiva do artista, de uma forma geral, é preciso reconhecer que, de facto, há problemas na estátua. "Há erros que foram cometidos e é importante apontá-los", afirmou.
Langa apontou erros de proporção, explicando que, em desenho ou ilustração, um indivíduo alto ou de estatura média, a sua cabeça deve no mínimo estar representada de forma que caiba três vezes no tronco.
Para um indivíduo de estatura média, a cabeça pode entrar duas vezes e meia no tronco e para um indivíduo baixo, uma a uma vez e meia. No caso vertente, Eduardo Mondlane não é uma pessoa de estatura baixa, mas a sua cabeça está representada de forma que entra apenas uma vez e meia no tronco, o que faz com que pareça desproporcional, com a cabeça grande e o tronco curto.
O segundo aspecto técnico destacado por Langa diz respeito a problemas anatómicos, especialmente no braço e no punho da estátua de Eduardo Mondlane, que precisam ser corrigidos. Há também questões no tratamento anatómico do rosto, visto de baixo para cima. A fonte explica que, normalmente, ao observar uma estátua de perto, as bochechas de uma pessoa, independentemente da idade, não são lisas; elas apresentam ondulações, o que não está reflectido na estátua. Esses são aspectos técnicos que o público leigo pode não conseguir verbalizar, mas que percebe intuitivamente como algo errado.
Para o artista, o público, embora leigo, tem razão em criticar a estátua, pois, mesmo sem saber desenhar, pintar ou esculpir, o olhar humano constrói sentidos. "Se os nossos olhos vêem e a percepção não é satisfeita, devemos respeitar isso", argumenta.
Outro detalhe técnico apontado pelo artista plástico é o tamanho da estátua. Segundo ele, a estátua de Eduardo Mondlane tem praticamente o mesmo tamanho que a de Mandela Square. “É preciso considerar que o plano de captação fotográfica dessas estátuas será diferente de estátuas menores. Isso significa que, ao tirar uma fotografia de uma estátua alta, mesmo que se tente ampliar a imagem, a posição de quem fotografa é muito inferior, captando tudo de baixo. Dessa forma, mesmo que alguns pontos estejam correctos, a fotografia pode não revelar adequadamente partes conhecidas do corpo ou do rosto”, explica o artista plástico.
Ele avança que esta é a primeira vez que, em Moçambique, temos uma estátua desse tamanho sendo fotografada nesses ângulos, detalhando que se “sobrevoamos a estátua com um drone para filmá-la de igual para igual, teríamos uma visão diferente do rosto, sem negar ou negligenciar os erros que, de facto, existem e precisam ser corrigidos”.
Além disso, Langa explica que a estátua foi produzida em bronze, um material que permite correcções, sendo possível remover a cabeça e fabricar outra, ou alongar o tronco para ajustar as proporções, de modo que a cabeça caiba correctamente e não pareça desproporcional.
Entretanto, critica o facto de que algumas das observações vêm de artistas que, apesar de terem certa notoriedade, não possuem comprovado conhecimento de anatomia. "Artista plástico qualquer um pode ser, mas fazer desenhos com princípios anatómicos, saber desenhar e esculpir são habilidades que poucos têm", afirmou.
Segundo a fonte, não se pode simplesmente desqualificar um artista talentoso apenas porque outro, com fama, decidiu iniciar uma campanha para desacreditá-lo. ‘’A pessoa que esculpiu a estátua de Eduardo Mondlane (Pompílio Gemuce) é um artista com créditos firmados, não apenas pela formação em arte, mas também por suas obras. Quem entende de arte conhece este artista. Gemuce foi o responsável pela estátua de Filipe Samuel Magaia, localizada na Junta, e nunca houve controvérsias sobre essa obra", afirmou Langa. Gemuce, segundo ele, é um indivíduo com vasto conhecimento e capacidade.
Por outro lado, o nosso entrevistado ressalta que, ao criticar o trabalho de um artista moçambicano dessa forma, corre-se o risco de desvalorizar o próprio artista nacional, reforçando a ideia de que os artistas moçambicanos são incapazes.
Ele lembra que, por muito tempo, Moçambique foi criticado por importar mão-de-obra estrangeira, em vez de promover os artistas locais. "O Estado pode retrair-se e, temendo novas críticas, preferir contratar um artista estrangeiro", alertou. Por isso, é importante reflectir sobre o impacto dessas críticas.
Langa concluiu afirmando que o erro na estátua não se deve à incapacidade do artista que a fez, mas que correções são necessárias. "Pompílio Gemusse é um artista capaz e já mostrou isso em várias obras. É possível, sim, fazer as coisas acontecerem com a mão-de-obra moçambicana", reiterou.
Ele também criticou alguns artistas que, por não participarem de certos processos, tendem a lançar campanhas para prejudicar aqueles que estão envolvidos. "Entendo o povo e o público que não vive de arte e não entende os aspectos técnicos, mas é importante que se compreendam os dados empíricos que nos ajudam a perceber o fenómeno e as razões das críticas", finalizou.
Governo furta-se ao debate
“Carta” contactou o Ministério da Cultura e Turismo para obter a sua reação em torno do debate em curso e saber as razões que levaram o Governo a substituir a antiga estátua. No entanto, no lugar de obter respostas, a nossa reportagem recebeu questionamentos sobre a real motivação da produção da matéria, encabeçados por Felicidade Zunguza, Assessora de Imprensa Eldevina Materula, Ministra da Cultura e Turismo.
Até ao fecho da reportagem, “Carta” não havia recebido qualquer resposta do Ministério da Cultura e Turismo, apesar das promessas de colaboração feitas pela Assessora de Imprensa. (M. Afonso)