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terça-feira, 22 outubro 2024 06:57

Tumultos em Maputo: “Isto é mais uma prova de que estamos num Estado tirano” – manifestantes

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O sol nasceu tímido e as nuvens decidiriam cobrir o céu, fazendo antever uma segunda-feira cinzenta, na capital moçambicana. Assim começava o dia 21 de Outubro de 2024, data em que estava agendada, em todo o país, uma marcha de repúdio ao assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe, mandatários do candidato presidencial Venâncio Mondlane e PODEMOS, respectivamente, ocorrido na noite da última sexta-feira, em Maputo.

 

De uma marcha pacífica, convocada na passada quarta-feira pelo candidato a Presidente da República, Venâncio António Bila Mondlane, e reafirmada no sábado, muito cedo se revelou num verdadeiro foco para tumultos, tendo a Polícia da República de Moçambique (PRM), através da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), como protagonista.

 

Logo nas primeiras horas do dia, a PRM destacou seu batalhão antimotim para o local, junto com os seus blindados (mais de três viaturas), gás lacrimogéneo, helicóptero e cães-polícia, no lugar de enviar uma equipa de protecção, tal como recomenda a legislação para este tipo de eventos.

 

Anacleto Armando, residente no bairro da Munhuana, nos subúrbios de Maputo, conta que chegou ao local da concentração (o mesmo lugar onde foram brutal e covardemente assassinados Elvino Dias e Paulo Guambe) por volta das 08h00 e, logo à chegada, deparou-se com um contingente policial “preparado para guerra”.

 

“Quando começamos a nos juntar em grupo, a Polícia começou a atirar gás lacrimogéneo e nem nos deu espaço de nos organizarmos. Ninguém provocou a Polícia, ela é que começou a dispersar-nos com gás lacrimogéneo”, narra Armando, em conversa com “Carta”.

 

Empunhando uma bandeira da República de Moçambique, Anacleto Armando defende não ter entendido a atitude da Polícia que, aliás, chegou a atirar gás lacrimogéneo para o local onde o candidato presidencial estava a conceder uma entrevista aos jornalistas. Pelo menos três jornalistas ficaram feridos no incidente, filmado em directo pela estação portuguesa RTP.

 

“Era suposto realizarmos uma marcha pacífica, sem nenhum vandalismo, em protesto contra os resultados eleitorais e em repúdio ao assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe. Mas, estranhamente, a Polícia já estava aqui armada até aos dentes”, afirma Anacleto Armando.

 

Por isso, o jovem, de 25 anos de idade, não tem dúvidas de que se trata de um atentado ao Estado de Direito Democrático. “Isto é um atentado ao Estado de Direito Democrático, nós estamos aqui para exercer um direito que nos é dado pela Constituição da República. Isto é uma prova de que estamos num Estado tirano, que não quer preservar os direitos de todos os cidadãos. Estávamos para marchar, mas fomos reprimidos com gás lacrimogéneo, o mesmo que podia ser usado para outros fins”, defendeu a fonte, sublinhando que o aparato policial podia estar a salvar vidas em Cabo Delgado, onde os terroristas semeiam luto há sete anos.

 

No entanto, garante que não irá recuar. “Não vamos recuar, vamos até ao fim. A Polícia não tem armamento suficiente para nos manter aqui até anoitecer. Vamos continuar aqui até anoitecer”, atirou.

 

Entretanto, contrariamente as suas promessas de não recuar, Anacleto Armando e mais uma dezena de jovens fugiram do local da entrevista (Avenida Joaquim Chissano, esquina com Acordos de Lusaka), segundos depois, ao ver um carro blindado aproximar-se do local, lançando gás lacrimogéneo de forma indiscriminada.

 

Quem também aponta a Polícia como responsável pelos tumultos desta segunda-feira, na Cidade de Maputo, é Alberto José, um jovem residente no bairro do Boquisso, uma zona de expansão do Município da Matola, província de Maputo.

 

Alberto José afirma ter encontrado a UIR já posicionada na Praça da OMM, local escolhido para concentração dos manifestantes. “Saí de casa para me juntar à marcha, uma vez que se disse que seria uma manifestação pacífica contra a má governação no nosso país. Mas, a minha chegada, por volta das 8h00, a Polícia já estava a disparar para as pessoas sem nenhum motivo”, conta a fonte, limpando o rosto com um pano molhado para reduzir os impactos do gás lacrimogéneo.

 

“Ao invés de persuadir a população para não aderir à marcha, a polícia está a disparar e isso é um dos motivos que leva as pessoas a destruir bens públicos”, acrescenta, garantindo que saiu de Boquisso por entender que tinha de demonstrar a sua indignação perante o rumo que o país está a tomar.

 

“Sou moçambicano e, nessa qualidade, tenho o direito de me manifestar, como também o dever de proteger este país e contribuir para o bem do meu país e este é um dos contributos que estou a dar para o bem do meu país. A Polícia tinha de estar aqui para garantir que a marcha ocorresse de forma ordeira, mas não é o que aconteceu”, sublinha.

 

A marcha foi impedida antes mesmo de iniciar e o caos tomou conta da Cidade de Maputo. Diversas avenidas da capital do país (com destaque para Milagre Mabote, da Malhangalene, Joaquim Chissano, Acordos de Lusaka, Vladimir Lenine e Rua da Resistência) foram bloqueadas pelos manifestantes, que queimaram pneus e derrubaram contentores de lixo, postes de iluminação e painéis publicitários para impedir o avanço da Polícia.

 

Igualmente, foram lançadas pedras e garrafas em retaliação ao gás lacrimogéneo, que era lançado de forma indiscriminada pela Polícia. Parte dos casos de maior tensão foi registada nos populosos bairros da Maxaquene, Mafalala, Urbanização, Mavalane, Ferroviário e Polana Caniço, onde os manifestantes literalmente impediram a circulação de pessoas e viaturas. Aliás, há vídeos amadores retratando a vandalização de viaturas particulares em algumas avenidas, com recurso a catanas.

 

Dados avançados na noite de ontem pelo Hospital Central de Maputo indicam que pelo menos 16 pessoas ficaram feridas na sequência dos tumultos. Entre os feridos, refira-se, há três jornalistas. (A. Maolela)

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