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quarta-feira, 29 maio 2019 06:00

Pacheco e Chang pontapearam parecer desfavorável da PGR e fecharam negócio com Semlex

Afinal o contrato com a Empresa Semlex Europe, SA nunca deveria ter sido celebrado! Entretanto, o negócio só avançou graças a entrega abnegada dos titulares das pastas do Interior e Finanças, à data, chefiadas por José Pacheco e Manuel Chang, respectivamente, isto no segundo e último mandato de Armando Guebuza.

 

É que, de acordo com o parecer técnico da Procuradoria-Geral de República, em posse da “Carta”, datado de 4 de Março de 2009, o Governo nunca devia ter celebrado qualquer vínculo contratual com Semlex Eurupe, SA, de Concessão para a Concepção, Produção e Entrega de Documentos de Identificação Civil e de Viagem, bem como o Registo e Controlo do Movimento Migratório.

 

O parecer técnico da PGR foi solicitado pelo então ministro do Interior, José Pacheco, por via do ofício no 48/MOD.4/SIC/GMI/09, datado 4 de Fevereiro de 2009.

 

A razão para o posicionamento não abonatório à celebração do contrato, argumentou o Ministério Público, tinha que ver com o facto de o mesmo (contrato) chocar com à Constituição da República (CR), pois, se predispunha a privatizar uma actividade exclusiva de soberania.

 

“A concepção, emissão e entrega de documentos de identificação civil e de viagem, bem como, o registo e controlo do movimento migratório são actividades de soberania insusceptíveis de privatização”, deliberou o conselho técnico da PGR, a 4 Março de 2009.

 

As actividades, explicava a PGR, enquadram-se na função governativa de manutenção da ordem pública e de fiscalização das fronteiras, previstas da CR (número 2, do artigo 139), havendo, portanto, limite, para o Governo as privatizar, por ser de prestação obrigatória e exclusiva aos órgãos centrais.

 

Entretanto, a PGR apontou, no parecer, que o Governo só poderia celebrar um contrato de Concepção, Produção e Entrega de Documentos de Identificação Civil e de Viagem, bem como, o Registo e Controlo do Movimento Migratório se à entidade privada “coubesse a prática de actos materiais ou actividades técnicas consistentes na idealização dos formatos dos documentos”, excluindo por completo as actividades reservadas aos órgãos centrais, como é o caso do controlo do movimento migratório, por serem funções típicas de soberania.

 

Ao Governo, anota, competiria a prática de actos jurídicos administrativos consistentes na emissão e entrega dos documentos, bem como no registo e controlo do movimento migratório.

 

Apesar deste parecer desfavorável, no mesmo ano, o Governo rubricou com a Semlex Europe, SA um contrato baseado no modelo BOT (Built, Operate and Transfer), modalidade contratual que não implica a utilização de fundos do Orçamento do Estado, isto porque a empresa concessionária realiza o investimento na globalidade, opera o sistema durante tempo suficiente para a recuperação do capital investido e transfere o empreendimento em condições operacionais ao Estado moçambicano. 

 

O contrato foi rubricado pelo antigo ministro das Finanças e actual deputado da bancada da Frelimo, Manuel Chang, em representação do Governo de Moçambique e Albert Karaziwan, director geral da Semlex Europe, SA.

 

Para a operacionalização do contrato com Semlex, o Conselho de Ministros (CM), por via do decreto 58/2008, de 30 de Dezembro, delegou ao ministro do Interior a coordenação geral das negociações, a implementação do contrato de concessão e a materialização do projecto de concepção, produção e distribuição de documentos de identificação civil e de viagem e do sistema de registo e controlo do movimento migratório.

 

Ainda com base no mesmo decreto, autorizou o ministro das Finanças a celebrar o contrato com a Semelex e atribuiu, igualmente, a competência de fazer a supervisão da componente técnico-científica do projecto ao ministro da Ciência e Tecnologia.

 

Entretanto, a ligação contratual entre o Governo e Semlex veio ser quebrada, em Agosto de 2017, devido a uma série de irregularidades, incumprimentos e insatisfação generalizada do público, uma vez os documentos não eram entregues dentro dos prazos estabelecidos e não com a qualidade exigida pelas autoridades moçambicanas.

 

Para ocupar a vactura deixada pela Semlex Europe, SA, o Governo, por via de um concurso internacional, modalidade, entretanto, não observada aquando a selecção da empresa Belga, contratou a Muhlbauer Mozambique, Lda numa operação que custou aos cofres do Estado cerca de 5,7 biliões de meticais.

 

Contrato de “imprecisões”, “obscuro” e de “contradições”

 

Sobre o contrato com a Semlex, em concreto, o Conselho Técnico da PGR foi simplesmente arrasador. Disse, o órgão, que mesmo, para além de conter “imprecisões”, omitir alguns aspectos e estar prenhe de “inconformidades”, apresentava problemas de “obscuridade, deficiência e contradição”.

 

Na apreciação da proposta do contrato na especialidade, o órgão disse, à data, que constatou, dentre várias irregularidades, no primeiro parágrafo da nota preambular, contradição no que respeita aos objectivos, isto porque a proposta faz “menção à necessidade da segurança nacional”, enquanto o Governo avança para “celebração de um contrato de concessão para a concepção, produção e entrega de documento de identificação civil e de viagem, bem como registo e controlo do movimento migratório, com salvaguarda da soberania do Estado moçambicano”. Frisa ainda que “meterias referentes a recolha de dados biométricos e ao controlo fronteiriço ficarão reservados aos órgãos centrais”.

 

Outro aspecto está relacionado com as garantias que a proposta de contrato não oferece a autoridade concedente, o Governo. A cláusula décima oitava (representação e garantias do Estado) determina que o Estado será representado pelo Ministro das Finanças com plenos poderes institucionais e autoridade bastante para obrigar o Estado, ficando, de acordo com o parecer que temos vindo a citar, por serem esclarecidos aspectos como são as da “garantia do Estado, do acompanhamento, da fiscalização adequada de execução do contrato e do atendimento efectivo do interesse público”.

 

Prossegue o órgão que a cláusula em alusão “enferma de obscuridade, deficiência ou contradição” porque a forma como foi redigida, não se percebe se a representação e plenos poderes institucionais e autoridade bastante para obrigar o Estado abrangem ou são equivalentes à fiscalização ou supervisão técnica, entre outros aspectos necessários à execução do contrato de concessão. 

 

Ainda no rol de aspectos “não claros”, o parecer do Conselho técnico da PGR olha para a utilização do pessoal da Administração Pública ao serviço do concessionário. Refere o documento que “a doutrina entende que que as funções públicas que implicam o exercício do poder de autoridade não devem ser privatizadas. Julgamos não ser pacífico o acolhimento do destacamento dos funcionários públicos para o privado”.  

 

Por estes e outros factos, o Conselho Técnico, na sua conclusão, recomendou, na altura, que o texto da proposta do contrato deveria ser redigido tomando com particular preocupação o “o rigor jurídico, clareza, objetividade, percepção e equilíbrio, quer do ponto de vista da repartição de benefícios, quer do ponto de vista de assunção do risco”. (Ilódio Bata)

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