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quarta-feira, 28 novembro 2018 03:08

Escândalo: empresa marcadora de combustíveis foi contratada de forma fraudulenta

O escândalo à volta da marcação de combustíveis tem contornos mais chocantes. A empresa fornecedora do serviço, a  SICPA, SA (uma sociedade alegadamente associada a uma alta patente da luta armada), foi contratada de forma fraudulenta. É mais uma daquelas adjudicações que acaba penalizando o bolso do contribuinte. No caso vertente, o MIREME (Ministério dos Recursos Minerais e Energia) contratou a SICPA a um preço anual de 12 milhões de USD. E um concorrente que apresentara credenciais técnicas de competência, a americana Authentix, foi descartada. Seu preço anual (um custo para os contribuintes) era de 7,5 milhões de USD, substancialmente menor.

 Em dois anos de contrato para a marcação de combustíveis (mecanismo que usa um componente químico para determinar que certo combustível importado para consumo local seja considerado moçambicano; uma espécie de marca para efeitos de controle da sua circulação), o Governo vai pagar à SICPA perto de 26 milhões de USD, contra os 15 milhões que pagaria se a opção tivesse recaído sobre a Authentix (que concorrera em consórcio com a Intertek, a firma que fornece o polémico serviço de inspecção pré-embarque). Mas atenção: o dinheiro não sai diretamente das contas do Tesouro. Sai do bolso dos consumidores. Sempre que um moçambicano se abastece, também está alimentando uma firma que ganhou fraudulentamente um concurso e cuja ineficiência acaba de vir ao de cima com o recente escândalo de combustíveis adulterado. Esta é outra vertente do assunto, designadamente produto derivado de um processo de procurement alegadamente manipulado, com detalhes suficientes para fazerem brilhar o Gabinete Central de Combate a Corrupção.

O caso remonta a 2014. Sob a batuta do Ministro Salvador Namburete, o MIREME lançou o primeiro concurso para contratação de uma empresa provedora de marcação de combustíveis. Concorreram a Authentix, a SICPA e a Global Fuels International. A Authentix foi uma das pré-selecionadas. Na altura, a proposta técnica, de acordo com os termos de referência, tinha peso de 70%. Americana e operando à escala global, a Authentix estava à espera de derrotar também seus concorrentes, fornecendo uma proposta financeira competitiva. Uma fonte próxima do processo disse que um poderoso “lobby” político estava igualmente interessado e eventualmente a adjudicação seria manipulada.

 Pedro Couto foi o escolhido do Presidente Nyusi para a pasta do MIREME em 2015. Ele terá sido alertado para essa possibilidade de manipulação, e cancelou o concurso. O assunto foi retomado em 2017, já no consulado de Letícia Klemens, através de um anúncio datado de 13 de Junho. A Authentix (com a Intertek) voltou a concorrer. Tinha novamente como oponentes a SICPA em consórcio com a Global Fuels e a SGS/TC. Em 28 de Julho de 2017, a SGS/TC e a Authentix/Intertek receberam uma informação segundo a qual tinham sido desqualificadas por não terem atingido a pontuação requerida para a aprovação das suas propostas técnicas. Mas, espanto, sua condição de desqualificados for comunicada oralmente, sem fundamentação. E a SICPA foi logo considerada a vencedora.

 Há mais de um ano que a Authentix vem esgrimindo argumentos junto do Tribunal Administrativo para que o  concurso seja revisto. Não tanto por causa da desqualificaçāo em si mas sobretudo porque a proposta técnica aceite pelo MIREME era completamente contrária ao estabelecido nos termos de referência, nomeadamente as especificações técnicas dos Serviços, de resto uma prática cada vez mais recorrente nos concursos publicos em Moçambique: um desfasamento completo entre proposta técnica vencedora e contrato final com os Termos de Referência. As especificações requeriam marcadores que cumpriam com determinados requisitos ambientais. Mas, de acordo com um parecer técnico colhido pela “Carta”, a SICPA apresentou marcadores que continham outros elementos que não obdecem aos padrões exigidos pelas empresas gasolineiras e governos. Um exemplo é o marcador XRF, que exige o uso de elementos como halogéneos e metais, que colocam-no tecnicamente em violação das leis e políticas nacionais ambientais bem como da  Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos e Persistentes. Concretamente, o marcador vencedor era um “halogenated scavenger”, que contém “bromine”, considerado como extremamente nocivo para pessoas e animais.

 Uma exposição na posse da “Carta” estabelece que “o uso de halogéneos e metais nos marcadores, para além de  banidos nos combustíveis desde 1992, são facilmente adquiridos por traficantes com vista a legalização da marcação”. O pior de tudo, disse uma fonte, é o facto de o MIREME ter aceite a proposta de uma empresa que fornecia apenas um marcador para cinco itens, quando a Authentix apresentara 5 marcadores para os diferentes usos (5 itens, nomeadamente a marcaçao do diesel, da gasolina, do combustível em trânsito e do que entra em armazéns alfandegados), de acordo com os termos de referência. O facto de a comunicação sobre a desqualificação ter sido feita de forma oral, sem qualquer fundamentação como manda o direito administrativo, causou muita estranheza nos meios familiares com o processo.

 O caso está no Tribunal Administrativo, que há mais de um ano não responde aos queixosos. Com a actual crise na marcação de combustíveis, é provável que o MIREME não fique de braços cruzado, mantendo o a actual provedora, altamente lesivo ao Estado e ao consumidor. A desqualificação dos concorrentes da SICPA, comunicada de forma oral, parece ter sido uma artimanha que os responsáveis da entidade contratante, o Departamento de Aquisições do MIREME, chefiado pelo seu Secretário Permanente, encontraram para afastar concorrentes que haviam apresentado um preço mais baixo. Consumidores de combustíveis em Moçambique estão agora a subsidiar uma empresa que cobra ao Estado quase o dobro do que um concorrente seu se oferecera a cobrar. (M.M)

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