Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
sexta-feira, 10 janeiro 2020 06:09

De como a corrupção corrói a receita dos serviços de Migração...

...e os esforços para colocar um travão na delapidação da instituição. A 3 de Dezembro do ano passado, pouco mais de um mês, a Direcção do SENAMI (Serviço Nacional de Migração), na cidade de Maputo, devia ter enviado para a Conta Única do SENAMI central a quantia de 13 milhões de Meticais, referentes à sua receita de Novembro. Não fez, violando mais uma vez uma directiva que a instituição estabelecera em 2015, sob a batuta da Directora-Geral, Arsénia Massingue, num esforço para evitar que dinheiro cobrado na emissão de passaportes e vistos fosse parar em contas alheias. A directiva estabelece que todas as delegações provinciais devem enviar sua receita para a conta centralizada até o dia 3 do mês seguinte ao da cobrança.

 

Até ontem, 9 de Janeiro, o SENAMI da capital ainda não tinha apresentado as contas de Novembro. E não é a primeira vez que isso acontece. Desde Agosto do ano passado, com a entrada em vigor de um novo dispositivo de gestão financeira (um sistema que permite visualizar quantos passaportes foram emitidos por cada delegação), coincidindo com início das operações da Muhlbauer Mozambique Lda, o novo provedor de serviços da instituição, contratada, num concurso polémico, para produzir Bilhetes de Identidade, Passaportes e afins.  

 

A direcção do SENAMI na capital é encabeçada por Manuel Mussunda, que assumiu funções em 2017, substituíndo o antigo director Filipe Cumbi. Segundo uma fonte da direcção do SENAMI, Massunda tem sido reincidente na falta de apresentação de receitas, de acordo com a directiva, que estabelece o dia 3 de cada mês como dia limite para que todas as delegações provinciais apresentem a receita do mês anterior.  Entre Agosto e Outubro de 2019, ele retivera em contas alheias receita de três meses. Só depois de muita insistência por parte do SENAMI central é que ele apresentou os milhões à Conta Única.

 

É provável que boa parte dos milhões que não são reflectidos no sistema todos os meses (a facturação mensal de todo o SENAMI ascende os 80 milhões de Mts/mês) acabe em operações financeiras alheias, nomeadamente contas bancárias particulares (rendendo juros) e serviços de agiotagem (ilegal em Moçambique). Em relação à falta de Dezembro, Massunda já foi “intimado” a cumprir as regras. Ele já sofreu um processo disciplinar por falhas anteriores. Se continuar a reincidir, é provável que seu caso seja encaminhado ao SERNIC, disse uma fonte.

 

O SENAMI de Maputo é o único com falhas daquela natureza. Todas as restantes delegações cumprem a regra de canalização da receita a 3 de cada mês. Este procedimento foi uma exigência da DG Arsénia Massingue. Antes da Muhlbauer começar a funcionar, sua direcção exigiu que um novo mecanismo de controlo financeiro fosse aplicado. A partir de Agosto, o sistema interno permite verificar em tempo real a quantidade de passaportes emitidos numa delegação do SENAMI e, consequentemente, estabelecer a valor da receita cobrada. Os 13 milhões de Mts em falta na capital correspondem a uma quantidade objectiva de passaportes e vistos emitidos em Maputo.

 

O caso dos 17 milhões desaparecidos

 

O sistema de controlo de receita em vigor desde Agosto foi uma tentativa de impor ordem numa organização onde sempre imperou o desvio de fundos impune e outras formas de corrupção. A directiva para a centralização da receita foi estabelecida a 28 de Agosto de 2015, já no consulado de Arsénia Massingue. Ela, com o apoio do Chefe do Departamento de Finanças, Dário Maculuve (agora acusado num caso de corrupção a correr no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo) repararam que havia muitos “buracos” no controlo interno da receita. Milhões de meticais não entravam nas contas da instituição.

 

Mesmo com a directiva em vigor, a falta de envio da receita para a Conta Única central continuou a verificar-se. E mais uma vez, a cidade de Maputo era a campeã da improbidade. Desde que a centralização foi estabelecida, e durante largos meses, o SENAMI de Maputo, então dirigido por Filipe Cumbi, esteve em falha, não apresentando qualquer receita. Na altura, para além dessa directiva, o SENAMI estabelecera mecanismos para evitar pagamentos em numerário na instituição (funcionários da casa deixaram de receber dinheiro vivo nas repartições). Estabeleceu-se uma parceria com o Moza Banco. Foram montados POS e Quiosques de depósito de numerário nos principais centros de serviços em Maputo. Mas nem com isso se registaram melhorias substanciais.

 

Em conluio com gestores do Moza Banco, vários milhões de Meticais continuaram a desaparecer. Para já, há um caso em Tribunal envolvendo 17 milhões de Meticais, com 20 arguidos, incluindo Filipe Cumbi (que já esteve detido duas vezes) e dois gestores do Moza Banco, para além de diversos funcionários do SENAMI. Quase todos beneficiaram recentemente de liberdade sob caução, em vésperas do início do ano judicial. “Carta” sabe que as cauções foram arbitradas por um juiz de instrução (sob “intermediação” de um cidadão de fora do sistema de justiça), que nem sequer ouviu os arguidos, a maioria dos quais é acusada de peculato, associação criminosa e falsificação de documentos.

 

Alguns dos arguidos pagaram cauções chorudas de 400 mil Meticais, incluindo Dário Maculuve, que é, dentre os visados, o acusado de crimes menos graves: violação de regras de gestão. A acusação contra Maculuve, e ao contrário do que escrevemos numa recente edição, é estranha. Documentos na posse da “Carta” mostram o seu empenho, como Chefe do Departamento de Finanças central, em exigir que o SENAMI de Maputo cumprisse a directiva de centralização da receita. Ele assinou várias notas internas nesse sentido, sem nunca obter uma resposta satisfatória por parte do SENAMI de Maputo.

 

Foi na sequência desse silêncio que a DG Arsérnia Massingue mandou instaurar, em 2017, uma auditoria interna, que não encontrou evidências de falhas por parte do SENAMI de Maputo. Não satisfeita, Massingue meteu o caso no GCCC (Gabinete Central de Combate à Corrupção) e na Inspecção Geral de Finanças (para além de ter enviado uma missiva detalhada ao então Ministro do Interior, Basílio Monteiro).  Da queixa ao GCCC resultou o processo crime agora em Tribunal. E, finalmente, o relatório da IGF acaba de ser partilhado entre algumas instituições relevantes. Curioso: uma auditoria da IGF de 2017 só é apresentada às partes interessadas cerca de dois anos depois. O documento comprova as suspeitas de desvio de fundos e falhas no cumprimento de procedimentos por parte dalguns funcionários. Não aponta nomes, mas tem detalhes que poderão ajudar a clarificar quem foi o “mastermind” do sumiço dos 17 milhões de Meticais e quem deles se beneficiou.

 

O SENAMI é considerado ainda um antro de corrupção. “Carta” recebeu outras denúncias de corrupção envolvendo gestores da instituição, as quais ainda carecem de apuração e contraditório. (Marcelo Mosse)

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