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BCI
quinta-feira, 02 abril 2020 07:16

Dia 1 do Estado de Emergência: Das trapalhadas governamentais à bandalheira total

Desde a hora zero de ontem, o país está em Estado de Emergência decretado pelo Presidente da República (PR) no contexto do combate à pandemia da Covid-19, cujo formalismo legal (Ratificação pela Assembleia da República, promulgação e publicação no Boletim da República-BR) foi feito em cima do joelho.

 

E porque foi feito tudo às pressas e de forma atabalhoada, a emenda saiu mesmo pior que o soneto. Logo nas primeiras horas, os inúmeros Boletins da República (onde vinham publicados o Decreto Presidencial no 11/2020/ de 30 de Março) foram postos a circular, sendo o destaque as datas trocadas e ainda o facto de apresentarem menos artigos que a proposta saída da AR. A ideia da circulação madrugadora dos BR’s em vários grupos de WhatsApp tinha um único objectivo: passar a ideia de que o Estado de Emergência já estava a vigorar e que os formalismos legais haviam sido tempestivamente observados, tal como demanda a Constituição da República.

 

Mas a ginástica não conseguiu evitar o fracasso há muito anunciado, tomando em consideração a data da declaração do Estado de Emergência pelo PR, a ratificação do decreto presidencial pela AR (quase às 23:00h), a promulgação e publicação no BR pelo chefe de Estado e ainda a entrada em vigor. A desarticulação foi de níveis assombrosos, que até a Polícia da República Moçambique (PRM) outorgou-se a si o direito de encerrar restaurantes, cafés e lojas, sob alegação de estarem cobertos pelo decreto sobre o Estado de Emergência.      

 

Quando eram sensivelmente 12:43 horas, do Gabinete de Imprensa do Presidente da República, chegava a informação oficial da promulgação e publicação do decreto presidencial sobre o Estado de Emergência no BR. A nota de imprensa vincava que, depois de verificar que não contrariava a lei fundamental, o chefe de Estado promulgou e mandou publicar no jornal oficial, depois de ter sido aprovado pela AR a 31 de Março último (que ainda no mesmo dia submeteu ao gabinete do PR). Importa realçar que a Assembleia da República ratificou o Decreto Presidencial poucos minutos antes das 23:00 horas, depois de sucessivos adiamentos e momentos de tensão entre os deputados.

 

Mas o facto é mesmo que o dia de 1 de Abril começou não de forma diferente do último dia de Março findo, na cidade de Maputo. Apesar do agravamento das medidas restritivas assistiu-se a um total e completo relaxamento, seja dos que deviam seguir à risca as novas instruções bem como dos que deviam garantir o cumprimento escrupuloso das mesmas.  

 

“Carta” efectuou, na tarde e princípio da noite de ontem, uma ronda por alguns bairros e artérias da capital do país, Maputo, (bairros do Aeroporto, Mafalala, Alto-Maé, Jardim e Inhagoia “A”) e ainda a mal-afamada “baixa da cidade”. “Normalidade” é palavra que fielmente descreve o cenário, fora os sinais referidos de repressão policial contra o comércio.

 

Longe do habitual frenesim, mas muito mais distante da acalmia que se pretendia ou que normalmente caracteriza a vigência de um regime extraordinário, tal é o caso do Estado de Emergência, no contexto de uma pandemia que põe em causa a soberania de vários Estados, não sendo o nosso país uma excepção.

 

No bairro do Aeroporto “A”, crianças, jovens e adultos circulavam esbanjando um total à-vontade. O pequeno comércio (contentores de venda de géneros alimentícios, peças de viaturas e barracas de venda de bebidas alcoólicas) não só estava aberto como seus clientes, em número considerável, deleitavam-se à moda fim-de-semana. À entrada de cada barraca era possível ver um balde contendo água e, do lado, sabão, para higienizar as mãos. A distância mínima recomendada pelas autoridades de saúde perdeu lugar para as tradicionais rodas de copos.  

 

Similar situação foi possível observar durante uma ronda rápida ao Bairro da Mafalala. O clima assemelhava-se ao de férias colectivas. Os petizes corriam de um lado para outro e as barracas ao longo da Av. Acordos de Lusaka funcionavam na maior normalidade. Até por volta das 18:00 horas, altura em que terminamos com a ronda pela capital do país, as barracas funcionavam em pleno. No bairro de Inhagoia “A”, sobretudo no mercado e na rua que nele dá acesso não havia uma nesga de espaço. Havia água e sabão, sim, isto à entrada de cada barraca, mas também cidadãos que impunham a sua própria lei com as suas altamente potentes aparelhagens.

 

Na zona cimento de Maputo, pelo menos ao longo da Av. Eduardo Mondlane, boa parte das lojas encontrava-se aberta, mas o movimento assemelhava-se ao dos domingos. Nas poucas (lojas) em que conseguimos vislumbrar alguns clientes era possível contar a dedo.

 

O mercado informal do Estrela espelhava uma outra face da moeda. Num rápido golpe de vista, constatamos que estavam concentrados naquele que é um dos mais afamados epicentro comercial da capital (muito pela disponibilidade e diversidade da oferta e a todo o tipo de preço) muito acima de 50 pessoas. Estavam os vendedores das bancas, da roupa dos passeios, dos concertos rápidos e das bebidas alcoólicas. Só não registou a habitual enchente, precisamente porque uma e outra barraca ou loja não abriu.

 

A baixa da cidade de Maputo continuava sombra de si mesma. Longe de acolher o tradicional aglomerado desde a guerra que a edilidade está a travar com os vendedores informais. A Polícia Municipal, para além de frustrar toda e qualquer tentativa da ocupação dos passeios, ontem deu-se ao luxo de mandar encerrar algumas lojas. Aliás, é de salientar que as paragens ao cair da tarde de ontem não estiveram longe das tradicionais enchentes. Apesar do álcool para desinfectar as mãos, os autocarros continuavam a levar passageiros acima do recomendado, condição essencial para rápida propagação desta doença conhecida pelo seu elevado grau de contágio. (I. Bata)            

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