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quarta-feira, 14 outubro 2020 06:21

Proposta de modelo do Fundo Soberano de Moçambique: “acumular poupança” e “contribuir para estabilização fiscal”

Pouco mais de ano e meio veio a púbico, finalmente, a Proposta de modelo do Fundo Soberano (FS) a ser adoptado pelo país. A elaboração do draft esteve a cargo do Banco de Moçambique (BM), que, esta terça-feira, anunciou o início do processo de auscultação pública, cujo objectivo é a recolha de contribuições para o enriquecimento da proposta técnica.

 

Compulsados vários modelos, tomando em consideração realidade de países que já institucionalizaram este modelo de gestão de receitas, o regulador do sistema financeiro nacional defende a criação do Fundo Soberano assente no “acumular” da “poupança” e na contribuição para a “estabilização fiscal”.

 

O acumular da poupança funda-se, explica o BM, na “maximização do valor do fundo com vista a assegurar que as receitas dos recursos naturais não renováveis sejam repartidas entre várias gerações”. Aqui, a ideia, diz a proposta, é a conciliação das necessidades actuais com as das gerações futuras. A estabilização fiscal tem em “vista isolar o Orçamento e a economia dos impactos nefastos resultantes de flutuações dos preços das commodities nos mercados internacionais”.

 

“Em geral, há experiências de Fundos que explicitam o objectivo de desenvolvimento ou promoção de infra-estruturas. No caso vertente, propõe-se que a componente do financiamento a infra-estruturas esteja integrada no Orçamento do Estado, cabendo ao Ministério da Economia e Finanças, no processo normal de execução do Orçamento, decidir sobre a alocação dos recursos, não intervindo o Fundo no processo de tomada dessa decisão. Assim, os recursos financeiros transferidos para o Estado, decorrentes da exploração dos recursos naturais não renováveis, deverão estar integrados no Orçamento do Estado, cabendo a Assembleia da República a definição da utilização, incluindo para despesas de investimento prioritárias”, refere a proposta técnica do Banco de Moçambique.

 

A criação de um Fundo Soberano surge numa altura em que se estima que o país venha arrecadar cerca de 96 biliões de USD durante a vida útil dos projectos de Gás Natural Liquefeito (LNG), realidade que poderá impor desafios no que a gestão macroeconómica e financeira diz respeito. 

 

Estrutura do Fundo Soberano

 

De acordo com a proposta do BM, a estrutura governativa do Fundo Soberano congrega três entidades. A Assembleia da República (AR), o Ministério da Economia e Finanças (MEF) e o Banco de Moçambique.

 

À AR é reservado o papel da autoridade máxima e a quem cabe a aprovação da lei que estabelece e regula o funcionamento do Fundo Soberano. A AR deverá apreciar o relatório e as demonstrações financeiras do Fundo Soberano, que serão submetidas, anualmente, pelo Ministério da Economia e Finanças. Já o MEF, a par de representante do Governo, é responsável pela gestão global e pelo estabelecimento da política de investimento do Fundo Soberano. A proposta sugere que “dentro do Ministério da Economia e Finanças seja criada uma Unidade Técnica de Gestão Estratégica de Activos, com a função de prestar assessoria ao Ministro das Finanças em todas as matérias técnicas, assessoria esta que constituirá o alicerce principal das decisões a serem tomadas pela instituição”.

 

Por seu turno, o BM é descrito, na proposta, como o gestor operacional do Fundo Soberano, cabendo a responsabilidade da implementação da política de investimento. O BM poderá fazer gestão directa de parte dos activos do FS e alocar outra parte a gestores internos e externos a serem por si contratados.

 

De acordo com a retromencionada proposta, as contas, registos e outros documentos relativos ao Fundo Soberano deverão ser auditados semestralmente “pelos serviços com competências em matéria de auditoria interna”. A proposta diz ainda que as contas e operações do FS estão, igualmente, sujeitas à auditoria a ser feita por um auditor externo independente e certificado. A auditoria deverá ser feita, anualmente, por um auditor a ser contratado pelo MEF. A AR delegará ao Tribunal Administrativo (TA) ou outra entidade para auditar, anualmente, o MEF sobre todos os registos, operações e transacções relacionadas com o FS.

 

O documento, que temos vindo a citar, destaca que a relação entre o Ministério da Economia e Finanças e Banco de Moçambique deverá ser regido por um acordo de gestão a ser celebrado pelas partes, no qual virão vertidos os termos e condições da delegação da responsabilidade de gestão operacional a esta última entidade. Pela gestão operacional, refere o documento, o BM receberá uma taxa anual fixa, definida no acordo, que deverá ser paga pelo MEF.

 

Entrada e Saída de Fundos

 

A entrada e saída de fundos é outro ponto de que versa a proposta do BM. Para já, refere a proposta, o Fundo Soberano terá uma única conta e estará domiciliada no Banco de Moçambique. Designada “Conta Única do Fundo Soberano de Moçambique–CUF”, aberta em dólar norte-americano, é onde deverão ser depositadas todas as receitas do FS.

 

A distribuição das receitas provenientes da exploração dos recursos naturais não renováveis está assente em dois pilares. Até ao vigésimo ano, diz a proposta, 50% deve ser canalizado ao Orçamento do Estado (OE) e outros 50% depositados na conta do Fundo Soberano. Já a partir do vigésimo primeiro ano, apenas 20% é que serão destinados ao OE e os restantes 80% depositados na conta do FS.

 

O MEF deverá, anota a proposta, desenhar uma estratégia de médio prazo para a utilização dos fundos que forem canalizados para o OE, “onde estará salvaguardada a criação de uma provisão para fazer face à ocorrência de eventos extraordinários”.

 

No capítulo da saída dos fundos, a proposta aponta, entre outros, para o pagamento da taxa anual ao BM pela gestão do FS; sempre que se registar num exercício fiscal um choque externo não antecipado que leve à queda das receitas provenientes de exploração de recursos naturais em pelo menos 10% comparativamente às receitas previstas destes recursos, mas isto, nos primeiros vinte anos.

 

“Sempre que houver lugar, a realização de transferências de recursos do Fundo para o OE decorrente da ocorrência de choques extremos, estes recursos devem ser consignados para as seguintes finalidades: i. Reforço da dotação orçamental para a área de Acção Social; ii. Reforço da dotação orçamental para a área de Saúde Pública; iii. Reforço da dotação orçamental para o sector da Agricultura; iv. Reforço da dotação orçamental para o sector da Educação”.

 

Receitas brutas do Fundo Soberano

 

“A receita bruta, incluindo a Receita Tributária, de Moçambique, derivada de operações de exploração de recursos naturais não renováveis, incluindo prospecção, pesquisa, desenvolvimento, exploração, transporte, venda e exportação, mais-valias e outras actividades com estas relacionadas; qualquer montante recebido por Moçambique, a título de retorno de investimentos de Receitas do Fundo; qualquer montante recebido por via de participação directa ou indirecta de Moçambique em operações de exploração de recursos naturais não renováveis; qualquer montante recebido por Moçambique relacionado directamente com recursos naturais não renováveis, e não abrangido pelos pontos anteriores; no caso de participação indirecta de Moçambique em operações de exploração de recursos naturais não renováveis, através de uma companhia nacional, as Receitas do Fundo devem incluir também; (i) qualquer montante a pagar pela companhia nacional a título de imposto, royalities ou qualquer outra taxa, nos termos da lei de Moçambique; e (ii) o montante pago pela companhia nacional a título de dividendo”, anota.

 

Investimentos

 

“Na composição da carteira de activos, o Fundo deverá privilegiar investimentos em instrumentos financeiros que não tenham origem ou que não estejam ancorados aos sectores ligados aos mesmos tipos de recursos que alimentam o Fundo. A política de investimentos deve definir claramente as classes de activos aceitáveis e a tolerância de risco. Fica vedado o uso dos recursos do Fundo para garantias na contratação de empréstimos pelo Estado ou por outras entidades, para o pagamento de dívidas e serviço de dívida contratadas pelo Estado ou outras entidades. Qualquer contrato, acordo ou ajuste, na medida em que tenha por objectivo onerar ou impor um encargo aos activos do Fundo, quer seja por meio de garantia, caução, hipoteca ou qualquer outro tipo de ónus, é nulo e não produz quaisquer efeitos”.

 

Transparência e Prestação de Contas

 

A proposta aponta que os relatórios trimestrais bem como anuais sobre as actividades do fundo devem ser disponibilizados ao público, devendo-se garantir a preservação de informação confidencial.

 

“Os relatórios trimestrais serão publicados na página de internet do BM e os relatórios anuais serão publicados na página do MEF. Estas instituições poderão igualmente colocar à disposição do público outra documentação que se mostre relevante para informar o público sobre o processo de gestão do Fundo”, sentencia a proposta. (Ilódio Bata)

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