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BCI
terça-feira, 24 julho 2018 13:51

Os contornos dos 800 mil USD da Embraer

O despacho de pronúncia do caso Embraer apresenta uma incorrecção gravosa sob a qual assenta toda a acusação do Ministério Público, conforme escrevi ontem. O argumento central é o de que os três arguidos (José Viegas, Paulo Zucula e Mateus Zimba) se uniram na solicitação de um suborno à Embraer, que originou o agravamento da oferta inicial de 30.850.000 para 31.100.000 USD para cada uma das duas aeronaves. De acordo com a pronúncia, os arguidos exigiram um “gesto” de 400 mil USD à Embraer para cada unidade.

Os 31.100.000 resultariam da soma da oferta inicial mais os tais 400 mil USD mais 118.873 mil USD referentes à certificação. A pronúncia apoia-se nestes cálculos para concluir que houve uma sobrefacturação na ordem de 800 mil USD, significando uma imputação de custos ilegais ao Estado moçambicano, accionista maioritário da LAM. E só isso justifica a acusação que recai sobre os três. Viegas é acusado de branqueamento de capitais, Zucula de participação económica em negócios e Zimba de participação económica em negócios e branqueamento de capitais.


Mas se os 800 mil USD pagos pela Embraer à Xihevele, uma empresa criada por Mateus Zimba com domicilio em São Tomé não são fruto dessa alegada sobrefacturação, então o que justificou esse pagamento? Esta questão, nomeadamente o racional da relação entre Mateus Zimba e a Embraer, vai certamente ser esmiuçada no julgamento. Para já, é interessante notar que os 800 mil USD já estavam previstos no relevante TAS-b (Transaction Aproval Sheet) que a Embraer enviou à LAM a dado momento das negociações iniciadas em 2006 quando a companhia nacional se decidiu, sob o comando de Viegas, pela opção Embraer por sugestão de uma consultoria realizada pela Ernst and Young Etiópia.


O TAS é uma folha de cálculo onde, por regra, a Embraer coloca os custos a que incorre num dado processo de venda de seus serviços. No caso vertente, o TAS já estabelecia, antes da proposta final de vendas de 22 de Maio de 2008, dois custos que não seriam imputados ao comprador (costs not perceived by the customer): o custo de 400 mil USD referente a uma comissão de vendas por cada aeronave e o custo de cerificação de 118.873 mil USD. Ou seja, foi a Embraer quem pagou a totalidade dos 800 mil USD que foram parar à conta de Zimba em São Tomé. Por outras palavras, os 800 mil USD não tiveram origem nas transferências que o BCI fazia à Embraer no quadro do contrato entre a LAM e a fabricande brasileira, rubricado em Setembro de 2008.


Um dos enigmas do caso tem a ver com a aparição de Mateus Zimba neste negócio. Ontem, num breve contacto, ele declinou falar sobre o assunto. O antigo gestor da Sasol Moçambique formou uma sociedade por cotas em São Tomé, denominada Xihivele Consultoria e Serviços Lda, beneficiária de pagamentos da Embraer por alegados serviços no quadro operação. Uma fonte ligada ao processo sugeriu que Zimba entrou na operação com funções de agente comercial, mais propriamente um “broker”, tendo rubricado, para o efeito, com a Embraer um contrato distinto do da LAM. Os pagamentos recebidos por Zimba foram todos efectuados à luz desse contrato.


Os trabalhos que ele terá realizado para a Embraer não são claros. Ha quem diga que ele foi contratado pela Embraer como "lobista" para futuras vendas da marca em Moçambique. Zimba começou a interagir com a Embraer em Agosto de 2008 depois de a LAM ter concordado, embora tardiamente, com a oferta inicial da brasileira, nomeadamente aquela que fixava o preço por unidade em 30.850.000. Nessa altura, a LAM já estava ciente de que esse preço seria agravado de acordo com uma cláusula revelante constante na proposta inicial. O contrato assinado em Setembro de 2008 reflecte esse agravamento e não a alegada incorporação de 800 mil USD de sobrefacturação.


Uma investigação americana de 2016 sobre o comportamento da Embraer denunciava sua prática, disruptiva para a concorrência, de pagar comissões a agentes nos países onde ela tinha clientes. No Processo No. 16 -60294-CR-COHN (United States of America vs EMBRAER, S.A.) julgado pelo Tribunal de Comarca da Florida (24 de Outubro de 2016), pode-se ler a dado passo o seguinte: (...) In an email the same day to other EMBRAER executives, Embraer Executive D recounted the conversation, noting that Mozambique Official had received very nasty comments from some individuals, in relation to Embraer's commission proposal to [Agent C]”. Ou seja, a companhia brasileira já havia estabelecido uma comissão para esta operação, como era sua prática. Mas, eventualmente, essa comissão, que já constava do TAS antes da entrada em cena de Zimba, nunca foi do agrado do do mentor da Xihivele que, entretanto, acabou se conformando.

Alega-se que a figura de agente comercial é sempre usada nos mercados internacionais de venda de aeronaves para fazer a ponte entre fornecedor e cliente, desbloqueando quaisquer impasses que surjam em negociações, e estabelecendo ligações com actores políticos de relevo. Entre 1990 e 1993, quando a LAM adquiria os seus Boeings 737 e 767 directamente do fabricante americano, o empresário Eduardo Mondlane Júnior, hoje associado ao Atlas Mara, foi quem fez a intermediação entre a Boeing e a LAM. Não consegui apurar quem pagou os honorários de Edy Mondlane, se a LAM ou se a Boeing.


O certo é que Mateus Zimba, recebeu os 800 mil USD em São Tomé directamente da Embraer, tendo depois transferido os valores para Moçambique, onde efectuou pagamentos a diversas entidades, entre os quais uma transferência feita como “contribuição para campanha eleitoral em Moçambique”. Curiosamente, não há indicação de qualquer transferência beneficiando José Viegas. Aliás, no despacho de pronúncia pode-se ler que “quanto ao réu José Viegas, pelo menos de forma directa ou a partir das transferências provenientes das contas da Xihivele não foi possível demonstrar o seu evidente aproveitamento”.


Espremendo o sumo deste processo, tudo indica que o julgamento vai girar em torno de uma coisa: o Ministério Público deverá provar que houve sobrefacturação, com imputação de custos ilegais para o Estado moçambicano. A defesa vai tentar demonstrar o contrário. E no caso particular de Zimba, o Ministério Público deverá também determinar se os pagamentos feitos à xihivele pela Embraer provinham de actividade ilícita. Só isso sustentará a acusação de branqueamento de capitais. Uma tese que a defesa poderá usar é a de que, se se provar que não houve sobrefacturação, o Estado não teria como se intrometer numa relação entre a Embraer e Zimba, pois tratou-se de uma relação entre duas entidades privadas.

Para quem queira compreender melhor este caso eis aqui um angulo diferente da narrativa oficial do Ministério Público, que usará o processo para mostrar à sociedade que a acção penal contra já corrupção está a atingir o chamado peixe graúdo

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