Uma investigação do Centro de Integridade Pública (CIP) e do Mídia Lab, duas organizações não-governamentais que trabalham para a boa governação e transparência na gestão do erário, revela um saque milionário no principal Projecto agrícola do Governo de Filipe Nyusi, o SUSTENTA.
De acordo com o relatório publicado esta segunda-feira, o Projecto SUSTENTA, lançado em 2020, está cercado de transgressões financeiras que contradizem a narrativa de sucesso propalada pelo Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Ismael Correia, pelo Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, e por toda a máquina propagandística do partido Frelimo.
Uma das transgressões relatadas pelo Centro de Integridade Pública é a sonegação de impostos, no valor de cerca de 17 milhões de Meticais, por parte dos cerca de 30 consultores contratados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS) em 2021, no âmbito do Projecto.
Segundo a investigação, o desvio foi possível por meio da declaração de impostos, num valor abaixo do montante exigido por Lei para o tipo de serviços prestados pelos referidos consultores. Revela que, nas suas declarações, os cerca de 30 consultores alegaram que os seus honorários eram provenientes de actividades de pequeno porte, cujo facturamento anual era igual ou inferior a 2.5 milhões de Meticais, um volume de negócio sujeito a uma taxa de 3% de Imposto sobre Pequenos Contribuintes (ISPC).
“No entanto, documentos consultados pela equipa de investigação mostram que os honorários pagos aos consultores variam de 2.7 a 5.8 milhões de Meticais anuais, acima do máximo estabelecido pela Lei do ISPC. Isso significa que os consultores deveriam ter pago o IRPS (Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares), correspondente a 20% do seu rendimento anual”, desvenda a pesquisa.
Dos cerca de 30 consultores, a investigação revela a identidade de pelo menos 11, destacando-se os nomes de Isménio Chitata e Adamo Yossuf. Isménio Chitata foi contratado para a posição de Chefe Operacional do SUSTENTA, tendo recebido, em 2021, 5.8 milhões de Meticais, porém, pagou 176 mil Meticais de impostos, ao invés de pagar 1.1 milhão de Meticais, estabelecido por Lei.
Por sua vez, Adamo Yossuf, consultor contratado para a posição de Especialista de Comunicação, chegou a facturar 4.7 milhões de Meticais em honorários no mesmo período, mas pagou ao fisco 141 mil Meticais, no lugar de desembolsar 942 mil Meticais.
À semelhança de Adam Yossuf, Remígio Timbrine, quadro do Ministério da Terra e Ambiente, sonegou 801 mil Meticais em impostos, depois de encaixar, em 2021, honorários avaliados em 72 mil USD, na qualidade de Especialista de Terras. Tânia Paco, Gestora de Projectos no FNDS, também sonegou 801 mil Meticais em impostos, na qualidade de Especialista de Salvaguardas Ambientais para o Projecto SUSTENTA.
Já Dânia Falcão, também do FNDS, sonegou 734 mil Meticais em impostos, depois de receber, como Gestora da Match Grants Unity (MGU), honorários anuais de 66 mil USD. Zalijate Mussa, funcionária da SGS, deve ao Estado 667 mil Meticais em impostos, na qualidade de Especialista de Procurement, do Projecto SUSTENTA.
Tânia Matsinhe, Gestora Financeira, escondeu 667 mil Meticais em impostos ao Estado, depois de auferir 60 mil USD em honorários, dos quais devia ter descontado 785 mil Meticais. Dalfino Hoster Guila, Assessor de Celso Correia, sonegou 614 mil Meticais em impostos, quando prestava serviços de Assessor MGU, em que recebeu 55 mil USD em 2021.
Josefa Sing Sang roubou ao Estado 667 mil Meticais, na qualidade de Coordenadora Provincial da Unidade de Implementação do SUSTENTA. Naquela posição, a consultora recebeu 60 mil USD e pagou apenas 117 mil Meticais de impostos. A investigação revela que Sing Sang foi contratada num processo polémico, pois, não preenchia os requisitos definidos pelo Banco Mundial para ocupar aquela posição.
Quem também sonegou impostos é Simões Benvindo Cuinica, engenheiro ambiental, que deve 460 mil Meticais ao Estado, na qualidade de Assistente de Salvaguardas Ambientais. Abel Adriano Joia, Assistente de Florestas e Recursos Naturais no FNDS, também sonegou 467 mil Meticais em impostos, quando foi contratado como consultor no âmbito do SUSTENTA.
“A sonegação de impostos é um dos vários problemas identificados nas demonstrações financeiras do programa SUSTENTA, segundo revelam documentos consultados pelo CIP. Mesmo nos casos em que houve declaração de impostos pelos consultores, muitos destes não chegaram a ser canalizados aos cofres do Estado. Pelo menos cerca de 3 milhões de Meticais, descontados de honorários dos consultores pelo FNDS, não foram canalizados à recebedoria da Fazenda em 2021, conforme constatou o Tribunal Administrativo”, defende o relatório, sublinhando que o Ministério Público, na qualidade de titular da acção penal, ainda não moveu qualquer processo-crime contra os referidos consultores. (Carta)