Bastou um grupo de cidadãos de Quelimane e em Pemba irem à Praia e uns jornalistas fazerem disso um enorme perigo para a saúde pública que não faltou quem apelasse para o encerramento das praias por causa da COVID. E o Governo seguiu os apelos e apressou-se a encerrar de novo as praias, até aquelas onde ninguém tinha ido porque estava mau tempo.
Apesar de não haver nenhuma evidência que as praias estejam a ser a causa de contaminação, havendo até indícios do contrário, continuamos a seguir uma politica de pânico sem fundamento científico e, a meu ver, sem razoabilidade. Passaram duas a três semanas das enchentes de Wimbe e Zalala mas nada aconteceu. E não aconteceu e para qualquer analisador de dados sem grande “expertise” era evidente que não ia acontecer. Nunca foi demonstrado que as praias provocam COVID e a seguirmos os pressupostos dedutivos, as praias só podem ter o efeito contrário.
Do ponto de vista científico, culpabilizar as praias da vaga pandémica de Janeiro é uma conclusão superficial e descuidada que nenhum cientista honesto pode apresentar (atenção que não estou a referir outros factores como festas e movimento migratório). Uma avaliação dos dados da pandemia ao longo destes 18 meses deixa muito evidente a existência de duas vagas pandêmicas relevantes. Tendo como pressuposto que uma vaga pandémica implica o aumento exponencial de casos, a primeira grande vaga foi em Janeiro, coincidindo com o final do ano, e a segunda (a que chama de terceira) numa altura em que ninguém ia à praia (Julho 2021) e que por sinal foi até bem mais expressiva.
Embora o contributo da utilização da praia para os casos de COVID 19 não seja conhecido, parece ser muito razoável admitir que, a existir, não foi o determinante. É também razoável admitir que, ao pé dos transportes públicos, dos mercados e das reuniões e seminários que proliferam a praia será irrelevante por vários motivos: não acontece todos os dias e é ao ar livre. A nossa vaga mais expressiva não teve qualquer relação com a praia. As enchentes na praia de Pemba e Quelimane em 25 de Setembro e 4 de Outubro não provocaram nenhuma vaga. Basta olhar os números de casos e internamentos das ultimas semanas. Em contrapartida, proibir as pessoas de usarem um bem tão precioso para a saúde, bem estar (e para a economia) como a praia tem um preço elevado. Elevado na saúde, elevado no bem estar, elevado na economia.
As autoridades sanitárias sabem que as ondas virais não são provocadas pelo comportamento humano. O comportamento humano pode ampliar ou reduzir a propagação do vírus numa vaga, mas não as determina. Fechar as praias, ou qualquer outra atividade , numa altura em que os casos praticamente não existem não evita coisa nenhuma. O único efeito, para além do já conhecido rombo na economia, é o de desacreditar as medidas e fazer com que se deixe de acreditar nelas. E na altura que eventualmente sejam necessárias simplesmente não as interiorizamos. Assim, se fechamos as praias hoje então vamos ter de mantê-las fechadas para a eternidade.
O comportamento anti cívico que assistimos em algumas praias do país é um problema muito antigo que nada tem nada a ver com a pandemia. Faz muito anos que o assunto é vinculado em vários domínios, mas que pouco ou nada se tem feito para o resolver. Esta ausência de civismo não é um assunto exclusivo das praias como todos sabemos. Ele advém de um extenso e prolongado abandono dos valores morais e cívicos a que foi substituído pela exaltação e valorização da ostentação e narcisismo desenfreado que tornou a nossa sociedade fútil e sem princípios norteadores de uma convivência cívica. Advém afinal do abandono a que o nosso sistema de educação se encontra.
E proibir por si só não resolve obviamente. Tratemos do assunto com seriedade sim, mas não podemos usar pretextos falsos que acabam por nos desacreditar e ter efeitos contrários. O comportamento cívico nas praias tem de ser imposto por uma estratégia inteligente e eficaz. E isso requer reflexão e trabalho. Quiçá aproveitar a boleia do corona mas sem desvirtuar as coisas já que a mentira tem perna curta. As pessoas vão se portar assim enquanto não se mudar alguma coisa, independentemente da pandemia. E espero que ninguém julgue que a solução é fechar as praias para sempre.
Uma nota final sobre a forma como um sector social abastado da sociedade defende o encerramento das praias sem respeitar que a maioria das pessoas deste país tem na praia o único entretenimento acessível. Como se ir à praia e estar alegre fosse um crime apenas porque não se tem piscina em casa onde em muitos casos esse sector bebe e dança sem levar um chambocada.
A praia só é bonita se for usada por pessoas. (António Prista)