Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
segunda-feira, 28 outubro 2019 06:20

A culpa é do sistema eleitoral

Escrito por

Eu acho que, em condições normais, cada actor do processo eleitoral tem as suas tarefas e, por isso, as suas responsabilidades. As tarefas são tão distintas que não se misturam e nem se confundem.

 

Aos órgãos de gestão eleitoral - no nosso caso, a Cê-Ene-É e o STAE - por exemplo, cabe-lhes a tarefa de gerir todo o processo. São eles que organizam e monitoram as eleições. São eles que devem garantir a qualidade e a ética no processo. Dito mais barato, é dever deles evitarem fraudes.

 

Os candidatos e os partidos políticos são simples concorrentes. A sua responsabilidade no processo é de legalizar a sua candidatura, como manda a lei, promover o seu manifesto eleitoral e mobilizar simpatizantes. Ou seja, vender o seu peixe para conquistar votos.

 

A tarefa dos eleitores é legalizarem o seu direito de votar junto dos órgãos de gestão eleitoral, ouvirem os manifestos eleitorais dos partidos políticos, ajudarem - de livre e espontânea vontade - os seus partidos a promoverem os seus manifestos eleitorais e, no dia da votação, escolherem o candidato e/ou o partido que quiserem.

 

A Polícia tem o dever de garantir a ordem e tranquilidade ao processo. Quando a segurança está em causa, a Polícia é accionada pelos órgãos de gestão eleitoral locais no sentido de normalizar a situação.

 

Quando os candidatos ou partidos políticos notarem uma violação ou ilícito eleitoral grave, levam o caso aos tribunais locais existentes. Os tribunais julgam o caso - sem pressão interna ou externa - segundo a lei.

 

O Conselho Constitucional tem a última palavra sobre o processo. Dependendo da informação factual que tem, o Cê-Cê pode validar ou não os resultados apurados pelos órgãos de gestão eleitoral.

 

E os observadores eleitorais, qual é o seu papel? Resposta: observar, e ponto final. Observação eleitoral é observação mesmo, no verdadeiro sentido da palavra. O trabalho de um observador eleitoral (a sociedade civil) é como o de uma câmera de vigilância que se coloca no portão de uma residência. Cabe a câmera observar e gravar tudo o que acontece dentro do ângulo e direcção em que ela foi montada. Querendo, o proprietário pode ver o vídeo do que aconteceu no seu portão nas últimas 24 horas. E a câmera vai mostrar quem entrou e quem saiu, com "quem" ou "o quê" entrou e saiu e a que horas. O vídeo vai mostrar um ladrão a envadir o portão e a tirar televisores de dentro, mas não vai pegar o ladrão porque não é sua responsabilidade. Se o proprietário quiser pegar ladrões, compra um bulldog ou contrata malta Dgi-Fô-Esse.

 

Então, não é responsabilidade do observador eleitoral pegar e algemar pessoas que cometem crimes ou ilícitos eleitorais. Cabe-lhe relatar o que viu ou ouviu com factos. Querendo ou dependendo da gravidade e veracidade dos factos, os órgãos de gestão eleitoral ou o Conselho Constitucional pode usar essa informação para sustentar as suas decisões.

 

O jornalista reporta os acontecimentos que estão a acontecer durante o processo mediante as evidências que tem. O jornalista fala dos factos ao público. Se vir alguém a cometer um ilícito eleitoral, ele pode filmar ou fotografar ou sei-lá para em seguida reportar ao seu público como tudo aconteceu. Também não cabe ao jornalista algemar ladrões de voto. Quem faz isso é a Polícia.

 

Se for a reparar com alguma atenção, vai notar que em Moçambique tudo e todos se misturam. Em nome da DESCONFIANÇA - sublinhe-se "desconfiança" - está tudo um caos. Todos querem gerir o processo, todos querem fazer campanha, todos querem julgar, todos querem algemar, todos querem observar e todos querem reportar. Ou seja, todos estão em todo o lado. Todos querem fazer tudo.

 

A FRELIMO, a RENAMO, o Eme-Dê-Eme, a Pê-Ere-Eme, a sociedade civil, os jornalistas, os juízes, os padres, os pastores, os sheiks, os bispos, etecetera, etecetera, estão todos na Cê-Ene-É a gerirem os processos eleitorais. Em nome da DESCONFIANÇA, todas as equipas enviaram alguém à FIFA para ver as coisas de perto e evitar batotas. Em nome da DESCONFIANÇA, as duas equipas em campo têm seus homens na equipa de arbitragem em campo e na equipa do vídeo árbitro.

 

Hoje em dia já não se entende quando se diz Comissão Nacional de Eleições. Já não se sabe a quem se refere. É que a Cê-Ene-É são todos. Dizer que a Cê-Ene-É orquestrou a fraude é dar um tiro no próprio pé. Culpar a Cê-Ene-É é culpar-se a si mesmo.

 

A culpa é do sistema eleitoral que é obsoleto. Este sistema eleitoral não serve para nada. Um sistema eleitoral onde todos os concorrentes gerem não é sustentável. Um sistema eleitoral assim torna-se cada dia mais suspeito. Um sistema eleitoral assim é uma autêntica farsa. Ela própria é uma fraude. Ninguém pode alegar falta de transparência nas decisões da Cê-Ene-É ou do Cê-Cê porque todos estão lá.

 

A cada pleito temos uma nova lei eleitoral que só serve para enfiar mais membros ou na Cê-Ene-É ou no Cê-Cê e etecetera. Ninguém tem a coragem de debater o sistema eleitoral em si. O nosso sistema eleitoral é uma vaca leiteira. É uma estrutura montada para acalentar estômagos partidários. Uma geringonça criada pela FRELIMO e alimentada pela RENAMO para acomodar as suas panças e fazerem das eleições um teatro mal ensaiado. 

 

Não me espantarei, se na próxima lei eleitoral a RENAMO proponha a colocação dos seus membros na Rádio Moçambique, na Televisão de Moçambique e no jornal Notícias.

 

Mesmo que os resultados sejam invalidados pelo Cê-Cê e a eleição seja repetida, não vai mudar nada. O problema não é o Abdul Carimo, não é Nyusi, não é Ossufo, não é a Polícia, não são os Eme-Eme-Vês, não são os observadores nem jornalistas. O problema é o sistema eleitoral no seu todo. Não é funcional. É um sistema de tacho.

 

Para a credibilização do processo eleitoral é imperioso que o sistema seja profissionalizado. É claro que a FRELIMO não está "bizi" com isso, mas também a RENAMO não quer discutir o assunto. Neste quinquénio a RENAMO se preocupou em discutir apenas a descentralização, ou seja, a eleição de governadores, e nos próximos 5 anos estará entretida com a eleição de administradores distritais. Com este sistema eleitoral obsoleto isso não vai mudar nada. A FRELIMO continuará com as suas retumbâncias eleitorais. É ela que tem mais padrinhos na cozinha.

 

Espero ter sido entendido.

 

- Co'licença!

Sir Motors

Ler 6479 vezes