O PR, Filipe Nyusi, denunciou nesta semana uma ligação entre postos de abastecimento de combustíveis e o financiamento ao terrorismo que grassa em Cabo Delgado. Ele insinuou que havia indícios fortes de lavagem de dinheiro. E chamou a atenção das autoridades para a necessidade de se corrigir o problema.
Essa correcção deve ser feita pelo próprio Governo da República, em sentido lato, a dois níveis. O primeiro nível envolve a reversão do quadro legal, que foi relaxado entre 2015 e 2016, abrindo caminho à liberalização extrema da venda a retalho de combustíveis, e permitindo a operação de bombas de gasolina de linha branca, designadamente não vinculadas a qualquer gasolineira que faz importação.
Uma outra dimensão de correcção remete para a acção judicial. É de crer que Filipe Nyusi já tenha entregue as evidências de que dispõe às autoridades de justiça para que se intente uma acção penal contra quem financia o terrorismo e quem faz lavagem de dinheiro.
Da abordagem de Nyusi, subjaz uma percepção. A de que ele tem evidências. Se não tivesse, suas declarações seriam de uma gritante irresponsabilidade.
Mesmo assim, assumindo que ele tem informação cabal, sua responsabilidade era ficar calado, para não alertar os supostos prevaricadores, e deixar espaço para a justiça investigar serenamente. Suas declarações podem prejudicar as investigações, se é que existe uma investigação.
Outro problema é que Nyusi colocou todas as gasolineiras no mesmo saco. Ele não fez uma distinção operacional: a separação entre as bombas de linha branca e as bombas vinculadas às gasolineiras importadoras e distribuidoras (estas maioritariamente arregimentadas na AMEPETROL).
Essa distinção era necessária, sobretudo para o grande público, que desconhece o "big picture" do sector, seus actores relevantes e seu "modus operandi". O discurso do PR criou um certo mal-estar na indústria, tendo sido recebido com um misto de repulsa com um questionamento: E agora?
E agora? Perguntam-se as gasolineiras. Uma interrogação justa, pois nenhum posto de linha branca foi visado individualmente pelo PR, muito menos impedido em sede de contravenção administrativa ou procedimento criminal. Isto significa que as gasolineiras vão continuar a fornecer a todos, não sabendo se elas também estão, por extensão, financiando o terrorismo em Cabo Delgado.
Um peso moral demasiado grave: a possibilidade de minhas (dos distribuidores) operações estarem a financiar indirectanmente o terrorismo.
Seja como for, é percepção geral que nos meandros dos postos de abastecimento de linha branca movimenta-se muito dinheiro, cuja proveniência é duvidosa.
Nos últimos anos, este subsector teve um crescimento drástico, sob o seguinte pano de fundo. Entre 2015 e 2016, o Governo relaxou na regulação. Flexibilizou o mecanismo de fixação de preços, melhorando as margens para distribuidores e retalhistas. O negócio tornou-se altamente atractivo.
E o licenciamento de operadores, designadamente gasolineiras distribuidoras, foi facilitado. Hoje, Moçambique tem cerca de 40 gasolineiras licenciadas (a África do Sul tem apenas oito), embora apenas 15 estejam no activo. Cada uma destas gasolineiras é obrigada, por lei, a ter pelo menos um posto de abastecimento de bandeira.
Mas o Governo abriu também espaço para a entrada no retalho de postos de abastecimento de linha branca, designadamente bombas que não têm qualquer relação umbilical com as gasolineiras distribuidoras.
Hoje, qualquer cidadão pode abrir um posto de linha branca, desde que tenha um vínculo contratual de fornecimento com uma gasolineira. Esse licenciamento da linha branca foi, aliás, descentralizado, não se sabe com que intenções. O efeito foi imediato. As bombas cresceram como cogumelos e o Estado quase perdeu o controlo deste nicho. Requisitos ambientais como a distância de 5 km entre cada posto estão sendo violados, a olhos vistos.
Nas regiões centro e norte do país, a proliferação de postos de linha branca é visível. No corredor Beira/Machipanda existem cerca de 20 postos. A maioria é propriedade de estrangeiros, nomeadamente somalis, tanzanianos e chineses.
De onde vem o financiamento? Ninguém sabe, ninguém exige informação. Talvez o PR saiba! Aliás, ele disse que tinha essa informação e que não estava a fazer acusações sem bases. E exigiu que o MIREME e a Autoridade Tributária garantam a legalidade das operações dos postos de linha branca. Mas, mesmo em face do alerta de Nyusi, ainda não é claro se o licenciamento destes postos vai ser interrompido. "Carta" sabe que há na mesa pedidos de autorização para cerca de 20 novos postos. Afinal quem põe o guizo ao gato? (M.M.)