A romaria solidária que inundou a zona de cabotagem do Porto de Maputo é uma demonstração inequívoca de que os moçambicanos podem facilmente abraçar o outro, independentemente da origem regional ou étnica, credo ou partido político. Mas, para isso acontecer, é preciso que tudo o que seja figura do Estado ou elemento de partido político esteja a milhas de distância da mobilização dos apoios.
É o que se vê com esta onda de afectos das gentes de Maputo para com as gentes da Beira, do Buzi, de Nhamatanda ou do Matundo, enfim, os moçambicanos violentados no seu quotidiano desprotegido por uma classe política enredada na ganância e que fez do saque do bem público e da pura ladroagem um meio de vida, adiando vários programas de protecção social.
Meia dúzia de moçambicanos puseram mãos à obra num projecto que está a tornar-se na maior onda de solidariedade jamais vista em Moçambique. Uma torrente de afectos embarcando em contentores ofertados por empresas com gestores sensibilizados pela causa. Essas empresas e esses gestores e todo o voluntarismo consequente não representam nenhumas cores políticas ou partidárias. Ali não há Partido nem Estado. É o chamado terceiro sector fazendo renascer redes de solidariedade há muito tempo destruídas pela política.
Ainda bem que é assim. Ainda bem que o INGC é um elemento passivo neste processo particular. Houve tempos em que os moçambicanos eram mais solidários. Mas essas redes foram capturadas. A CVM e o INGC tornaram-se antros da privatização da ajuda. E abriu-se um fosso de desconfiança entre a parte da sociedade que pode doar e as instituições do Estado ligadas à emergência, privando a parte da sociedade carente de ajuda. Nos últimos anos, a coisa se agravou. A política capturou todos os espaços da sociedade, imiscuindo-se até no terceiro sector. Pior, as calamidades naturais foram também instrumentalizadas, tornando-se fontes de enriquecimento ilícito. E, hoje, a percepção de que muita ajuda local e externa não chega a quem realmente precisa é geral.
Por isso, se o mobilizador central desta onda de apoios tivesse sido o Estado é provável que muita gente com capacidade de doar ficaria retraída. Mas como é a própria sociedade civil fora da politiquice barata, então a adesão é enorme. Os moçambicanos de todas as matizes mostrando uma marca do seu ADN: abraçar os outros, não olhando a meios. Afinal, há muitas coisas que poderíamos fazer melhor sem os políticos.