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segunda-feira, 31 julho 2023 15:22

Orlanda Mendes (1940-2023) e o Katina P: Até sempre Mestre!

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A decana do jornalismo radiofônico de Moçambique, Orlanda Mendes, morreu ontem em Maputo, aos 83 anos. Mãe do académico Miguel OM De Brito e filha do escritor Orlando Mendes.
 
Já estava há bastante tempo na reforma. Mas sua voz ainda ecoa nos ouvidos. Fã de rádio, eu ouvia vorazmente, na adolescência, os programas informativos que ela produzia a partir da chamada Direcção Central de Informação. “Tribuna Austral”, creio, era um deles. O Linha Directa, romaria dos sábados de manhã.
 
Na altura, OM era a Directora de Informação da RM. Tinha sob sua alçada pequenos gurus que já eram referência quando o “RMJornal” era incontornável. Emílio Manhique, António Bernardo Cuna, Galiza Matos, Ezequiel Mavota, Teresa Lima. E repórteres de rua como Paulo Machava e António Jamal.
 
Numa das fotos que ilustra este texto, estão alguns deles.
 
Depois de 1994, quando vim me txopelar na verve criativa e rigorosa escrita do Carlos Cardoso, tive a chance de conhecer pessoalmente uma jornalista que era uma espécie de bússola pela forma como construía seus trabalhos e orientava os mais novos.
 
Ela surgia na redacção, no mediaFAX antes e no Metical depois, de vez em quando, para trocar impressões com o Editor. Cardoso era um workaholic que não tirava seus olhos do écran e dos papéis à volta, mas, sempre que chegava alguém sem avisar, ele vacilava e não hesitava uma cavaqueira sobre política, economia e sociedade.
 
Mas tinha de ser alguém especial. Orlanda Mendes era das que tinha a honra e o privilégio de vir cutucar a onça, arrancando dela uma fervorosa discussão. E eu, ainda ranhoso, espiava as palavras expelidas no confronto das ideias, tentando encontrar seus significados. Foi assim que melhor conheci a Orlanda Mendes.
 
Mas hoje, quando soube da sua morte, lembrei-me do primeiro encontro face a face através de uma linha telefônica, com a jornalista, a mais de 400 kms de distância, ela em Maputo, na redacção central da RM, e eu em Inhambane, na redação local da RM.
 
Era abril de 1992. O Katina P era um navio-tanque com mais 26 anos, que havia sido declarado inapto para navegar enquanto estava ancorado no Rio de Janeiro e recebeu ordens para zarpar para Bangladesh, para ser desmantelado.
 
Mas, antes da travessia do Atlântico, o comandante recebeu ordens para dar meia-volta e fazer um último carregamento de combustível na Venezuela, com destino a Fujirah, nos Emirados Árabes Unidos.
 
Em 16 de abril de 1992, carregado com 66.700 toneladas de crude, o Katina P cruzou-se com ondas gigantescas na costa de Moçambique. A embarcação rompeu o casco pelo meio do navio, resultando no derrame de 3.000 toneladas de carga. Nossa costa ficou inundada de negro.
 
O derrame atingiu a Baía de Maputo, os estuários dos rios Incomati e Maputo, os mangais da Catembe, as praias da Catembe, Polana, Costa do Sol e Bairro dos Pescadores, a Ilha Xefina, com efeitos ambientais e socioeconômicos desastrosos.
 
A 17 de abril, o telefone tocou na redação em Inhambane. Eu estava sozinho. Era um sábado. Do outro lado, “daqui Orlanda Mendes!”. Apanhei um calafrio, mas recompus-me logo, logo, como um tropinha preparando-se para ouvir o General na ausência do capitão. Ela estava desfeita pelo derrame, senti-o pela sua voz carregada de revolta e compaixão. Perguntou se o chefe estava, pelo meu nome e deixou um recado:
 
Vejam se conseguem descobrir vestígios do derrame, manchas de óleo ou peixes mortos na costa de Inhambane e mesmo na baía.
 
Nossa conversa foi breve mas sua instrução profunda. Em poucos minutos, percebi a importância da aferição dos factos, da observação directa. Ela marcou-me definitivamente nessa breve chamada. Para sempre!
 
E foi dos debates que ela protagonizou após o acidente do Katina P que Moçambique passou a dispor de alguma legislação ambiental e a temática é incorporada no primeiro programa de Governo depois da transição democrática, com direito a pelouro ministerial.
 
Sua morte, ontem em Maputo, chocou-me. De uma amiga, soube que seu corpo não vai ser velado e que será cremado no Lhanguene nesta quinta-feira. Até sempre!

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