Várias notícias avançaram na semana passada que está a ser negociado um acordo extrajudicial para Moçambique deixar cair o caso contra o Credit Suisse que poderá envolver uma compensação de cerca de 100 milhões de dólares.
Um comunicado conjunto emitido hoje pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF) e a Procuradoria Geral da República (PGR) anunciou uma conferência de imprensa para amanhã, para se falar "sobre o processo do Estado moçambicano em Londres, envolvendo o Credit Suisse (CS)”.
De acordo com a imprensa estrangeira, as negociações em curso envolvem a PGR e o banco suíço UBS. Recorde-se, este banco adquiriu o CS em Março deste ano e, em Agosto, decidiu integrá-lo totalmente, e o CS vai desaparecer como marca de banco de retalho até 2025.
O CS, que se debatia com graves problemas financeiros, foi vendido por 2,8 mil milhões de USD ao UBS em Março, quando na bolsa de valores suíça valia mais de sete mil milhões de USD. O UBS herdou os processos judiciais do Credit Suisse, incluindo a exigência de Moçambique de que as garantias dos empréstimos fossem declaradas nulas e sem efeito, e que o Credit Suisse pagasse uma compensação.
Até muito bem recentemente, nomeadamente em Junho, o CS ainda tentou convencer a secção comercial do processo do Tribunal Supremo de Londres para que o caso fosse arquivado, alegando que a falha do governo moçambicano em divulgar documentos significava que não podia haver um julgamento justo.
Como o Tribunal recusou essa alegação e marcou o julgamento para iniciar na terça-feira, 3 de Outubro, o UBS parece ter mudado de abordagem e quer evitar um despique nas barras com o potencial de perder, mas também com o risco de danos reputacionais de grande monta.
A cifra de 100 milhões de USD foi avançada por fontes do UBS à imprensa internacional como um dado adquirido. Os advogados do UBS estão empenhados em evitar que a disputa vá a julgamento e pressionam por um acordo, escreveu o londrino Financial Times, na sua edição de 27 de Setembro. Amanhã, ficaremos a saber se o Estado moçambicano aceita esse valor e decide abandonar a acção em Londres. Para já, consta que os advogados da PGR estão de mangas arregaçadas para o julgamento.
Mas 100 milhões de USD para o caso vertente parecem amendoins. Aceitar isso seria mais um calote. Eis as razões:
Para “Carta”, 100 milhões de USD é um valor insignificante relativamente aos danos de reputação que o banco poderá sofrer durante 13 semanas longas de julgamento, em que vão ser expostas as fragilidades gravosas da "compliance" do Credit Suisse.
A confissão dos três banqueiros do CS (Andrew Pearse, Detelina Subeva e Surja Singh envolvidos no calote) em sede da justiça americana mostra que a possibilidade de sucesso da PGR é grande, também porque Jean Boustani confessou nos EUA ter pago subornos a funcionários moçambicanos. Neste sentido, a anulação das garantias soberanas pode ser conseguida por parte de Moçambique. Aliás, a oferta do UBS é também um reconhecimento de culpa.
Ora, o calote adiou a vida de milhões de moçambicanos, afugentou os doadores do apoio orçamental e a nossa economia nunca recuperou desde então. Por isso, 100 milhões de USD parecem-me insultuosos.
A PGR nunca revelou o valor da sua acção em Londres. O que sabemos é o que a imprensa internacional tem revelado, ela que tem acesso aos advogados londrinos da PGR. No passado dia 28 de Setembro, o The Wall Street Journal, de Nova Iorque, escreveu o seguinte: “UBS Poised to Settle Mozambique’s ‘Tuna Bonds’ Lawsuit Against Credit Suisse/The southern African nation had sought as much as $2.5 billion By Margot Patrick Updated Sept. 28, 2023 2:50 pm ET)”.
Ou seja, para além da anulação das garantias soberanas ilegais, Moçambique exige uma compensação de 2.5 mil milhões de USD.
Por sua vez, a 27 de Setembro, o jornal Financial Times, de Londres, escrevia que “além dos danos pelos alegados subornos, a reclamação de Moçambique incluía mais de 1000 milhões de USD pela retirada do apoio financeiro internacional (apoio internacional dos doadores), mais de 260 milhões de USD por custos de dívida mais elevados e cerca de 100 milhões de USD em taxas sobre os empréstimos”, citando um documento do Supremo Tribunal do Reino Unido.
Qualquer um destes valores coloca como irrelevante a oferta do UBS, uma oferta de certa forma arrogante e desprezível se tivermos em conta os biliões de USD de lucros que o banco tem vindo a fazer, incluindo agora depois da fusão com o Credit Suisse.
Em finais de Agosto deste ano, o UBS anunciou um lucro líquido recorde de 29,9 mil milhões de USD, sete vezes superior ao registado no mesmo período do ano passado. O UBS disse na altura que previa poupar 10 mil milhões de dólares até ao fim de 2026, graças à fusão com o Credit Suisse.
O USB nada em dinheiro e até renunciou à garantia de 9 mil milhões de USD dada pelo Governo suíço para adquirir o Credit Suisse, como afirmou várias vezes a ministra das Finanças da Suíça, Karin Keller-Sutter.
A oferta de 100 milhões de USD é ainda mais desprezível considerando que o credor suíço se tem concentrado em resolver disputas legais desde que concordou em assumir o controlo de seu antigo rival em Março e noutros casos está a considerar pagar compensações bilionárias.
Na quarta-feira, de acordo com o FT, o Tribunal Superior de França disse que daria o seu veredicto final em Novembro num caso de evasão fiscal de longa data do UBS, no qual o banco contestou uma multa de 1,8 mil milhões de euros.
No mês passado, o UBS concordou em pagar 1,4 bilião de USD para resolver uma investigação regulatória dos EUA sobre a suposta venda indevida de títulos hipotecários residenciais no período que antecedeu à crise financeira de 2008, encerrando o último caso remanescente movido pelo governo dos EUA contra Wall Street.
O banco também concordou em pagar 388 milhões de dólares aos reguladores dos EUA e do Reino Unido pelas falhas do Credit Suisse em torno do colapso da Archegos Capital, que causou uma perda comercial de 5,5 mil milhões de dólares ao credor falido e ajudou a provocar o seu desaparecimento.
O UBS também resolveu uma acção movida pelo Credit Suisse contra um blog popular de Zurique, Inside Paradeplatz, sobre o que alegou serem comentários de leitores abusivos e não verificados.
Por último, o UBS tem pouco menos de 10 biliões de USD em provisões e passivos contingentes para litígios e questões regulatórias, de acordo com estimativas do JPMorgan.
Em face de tudo isto, é óbvio que Max Tonela e Beatriz Buchile devem declinar a oferta dos 100 milhões de USD e obrigar o UBS a subir a fasquia. 100 milhões de USD? Shame on you UBS! Vergonhoso! (M.M.)
*Texto escrito minutos antes de recebermos o despacho da “Lusa” revelando o acordo anunciado pelo UBS.