Quase duas semanas depois do pleito autárquico em 65 municípios de Moçambique, alguns doadores estão finalmente a sair da toca da complacência, mostrando serviços mínimos. Eles evitaram aparecer quando a confusão eleitoral estava mais quente.
O Alto Comissariado do Canadá, a Embaixada da Noruega e a Embaixada da Suíça emitiram hoje (24) um comunicado onde revelam que estão “a acompanhar atentamente o processo eleitoral e juntam-se aos membros da comunidade internacional e às organizações da sociedade civil em Moçambique, para expressarem a sua preocupação sobre as irregularidades eleitorais relatadas, particularmente no dia da votação e durante o processo de apuramento dos votos”.
No documento, recebido na “Carta”, apela-se a todas as partes para que canalizem as suas reivindicações através dos mecanismos apropriados e estabelecidos no quadro jurídico moçambicano e que as instituições relevantes tramitem-nas de acordo com a lei em vigor com vista a garantir confiança na integridade do processo democrático.
O Alto Comissariado do Canadá, a Embaixada da Noruega e a Embaixada da Suíça recordam que as eleições “são a pedra angular da democracia” e apontam que “é essencial garantir que as mesmas sejam realizadas de forma pacífica, transparente e ordeira”.
Este comunicado das três representações diplomáticas citadas foi publicado quase duas semanas depois do pleito, mas parece ser uma escrita feita apenas para dizerem que não ficaram caladas antes os clamores da sociedade (e também dos partidos e politicos como Manuel de Araujo) que esperavam uma monitoria mais proactiva da comunidade doadora do actual processo eleitoral.
No passado, enquadrados no apoio orçamental cancelado por causa do calote das “dívidas ocultas”, o doadores foram mais incisivos no "diálogo político" com o Governo, exigindo mais objectivamente uma “compliance” de Maputo para com os requisitos da boa governação.
Mas isso mudou ... só que nem com a retomada paulatina do apoio orçamental por via multilateral (Banco Mundial, União Europeia), os doadores, com vastos milhões de USD injectados bilateralmente em projectos do Governo, tem recuperado o estilo de outrora. Eles “baixaram a bola”.
No ano passado, aquando da repressão policial nas exéquias do cantor “rapper” Azagaia (Março de 2023), os doadores ficaram calados, deixando a sociedade moçambicana desamparada e quase que aprovando o processo autocrático em curso. Algumas embaixadas ainda tentaram redigir um comunicado conjunto, criticando a repressão policial, mas, à última hora, o grupo terá sido desaconselhado por “uma embaixada do sul da Europa”.
No passado, as “embaixadas do sul da Europa" foram mais cautelosas na abordagem com o Governo de Maputo sobre assuntos de corrupção e boa governação, deixando a “hard talk” para os países “like minded” (as três embaixadas autoras deste comunicado eram integrantes desse grupo) mais os Estados Unidos da América, com nórdicos à cabeça.
No quadro das presente eleições autarquias, os EUA tem sido mais incisivos (Washington é o principal doador para o sector da Saúde, intervém no apoio militar de formação em Cabo Delgado e acaba de comprometer-se em desembolsar 500 milhões de USD para o desenvolvimento da Zambézia através da camada Millennium Challenge Account). Com efeito, em 29 de Setembro, os EUA apelaram à realização de eleições autárquicas em Moçambique, agendadas para 11 de outubro, "limpas, transparentes e inclusivas", e que "reflitam a vontade do povo".
E a 16 de Outubro, poucos dias depois da votação, Washington denunciou a existência de “muitos relatórios credíveis de irregularidades no dia da votação e durante o processo de apuramento dos votos”. E instou a Comissão Nacional de Eleições (CNE) a “garantir que todos os votos são contados de forma exacta e transparente”, exortando “as autoridades eleitorais, os tribunais locais e o Conselho Constitucional a levarem a sério todas as queixas de irregularidades e a actuarem com imparcialidade”.
Os EUA estão mais atentos aos desarranjos do processo democratico moçambicano, mostrando maior cometimento que todas as outras embaixadas em conjunto. Um conjunto que opera numa conjuntura, sem fundo comum orçamental, marcado pelo dissenso. (M.M./Carta)