No início desta semana, a "rentrée" política regressou à agenda pública, com o desfile das “facas longas no debate sucessório de Filipe Nyusi. Começou a chamada noite hitleriana das "facas longas” tendo como espectro a sucessão de Nyusi. Trata-se de um intenso movimento nos bastidores frelimistas, envolvendo grupos arregimentados à volta de políticos e curiosos que almejam a cadeira presidencial no partido e no Estado.
É um movimento caracterizado por guerras figadais, onde vale tudo para assassinar o carácter, denegrir e desqualificar, na covardia do anonimato, figuras com peso comprovado e com maiores hipóteses de uma vitória eleitoral contra qualquer candidato da oposição.
Nesse ambiente purgatório, ninguém dá a cara, mas as vítimas são sempre as mesmas. E as armas de arremesso são as mais frascizantes de que há memória: facas e punhais longos como na purga de Goebbels e seus apaniguados contra milhares de possíveis adversários contra a sedimentação nazista e, no caso vertente, pedras e setas atiradas contra adversários que, por bom senso, não usam os mesmos recursos, nomeadamente a chacota e o insulto nas redes sociais, a acusação sem fundamento, a condenação extra-judicial sem prova. Adversários que se calam por bom senso e calculismo político em protecção ao partido.
De resto, o cenário é um "déjà vu" dos anos recentes, um “remake” do ambiente tragicamente cénico que marca a aproximação de um evento relevante no calendário político frelimista.
Ao invés do debate aberto, vigora no partido a caça às bruxas e isso é agora alimentado por uma direcção que continua a fazer tabu na sucessão de Nyusi, no seu bom registo autocrata, a dois meses da escolha interna do futuro candidato. As razões para esse tabu são insondáveis.
Mas o pior de tudo é que todos no partido se sentem vinculados por essa orientação amordaçante do debate de ideias. Até Samora Machel Júnior, que em momento oportuno ousou dar o peito às balas quando teve que se defender do nyusismo mais retrógrado. Samito, até ele, se deixa vincular nesta atoarda silenciosa.
Há dois meses da escolha interna, o partido não discute o perfil do sucessor do actual timoneiro, nem nenhum dos pretendentes tem a coragem suficiente para vir a terreiro dizer “eu quero, eu penso!”.
A lista dos putativos é enorme. Cerca de 15 aspirantes, embora apenas um, dois ou três tenham qualidades demonstradas de liderança e capacidade eleitoral para enfrentar qualquer que seja o candidato da oposição. Mas, tristemente, esses dois ou três também se amordaçaram no silêncio ensurdecedor que marca os dias actuais da Frelimo.
Moçambique vive momentos tenebrosos no seu processo democrático. Um partido como a Frelimo furta-se a discutir em tempo útil e abertamente para a sociedade o perfil e o nome do seu candidato presidencial. Isto é inaceitável, sobretudo quando, nas democracias liberais, os partidos políticos são entidades semi-públicas, que vivem em parte do financiamento público e, portanto, alguns aspectos da sua discussão interna deviam ser públicos e transparentes, principalmente, no quesito da escolha do candidato presidencial, no país de sistema presidencialista.
A Frelimo furta-se a isso, tragicamente. E promove, pela omissão, este ambiente fracturante nas redes sociais, onde grupelhos de faxinas ávidos de poder atiram, escondidos no anonimato, suas farpas nojentas contra quem está em melhor posição na grelha de partida. Parece desesperante, não é? E qualquerizante para alguém que se outorga de glorioso. (Marcelo Mosse)