Se eu fosse jovem viria para a rua gritar. Com azagaias em punho e tudo e escudos de pele. Revolveria as saiotas coloridas dos meus antepassados para proteger a virilidade de mim. Convocaria o corpo por inteiro para que as brisas das manhãs o revigorassem. Sim, faria isso se eu fosse jovem.
Se eu fosse jovem não iria dormir, nem de dia nem de moite, até que me devolvessem a minha praça, a “Praça da OJM!” , ora esplanada das tertúlias e da música em frente ao Cine-Tofo, também rebentado pelos temporais sem fim! Aquele lugar representa a borbulhante história das noites e dos finais de tarde, quando a utopia era o barco da vida. Era ali onde ao menos se acreditava que haveria um novo amanhecer, e isso já era bastante.
Se eu fosse jovem viria para a rua com todos os grupos de zorre e dançaria sem parar com o suporte do Mafanele, homem da arte jamais homenageado, mesmo tendo ele alimentado os convívios dos bitongas em noites de ostracização dos mochos. Eu faria isso, se fosse jovem, até que me devolvessem a minha praça, a “Praça da OJM, ora esplanada das tertúlias e da música”.
Se eu fosse jovem iria falar sem grilhetas nas palavras. O ilustre Guimino, edil da nossa cidade, iria ouvir as minhas canções de revolta, que eu próprio dançaria com o corpo em forma de águia. Iria transformar-me em águia. Ah, isso sim, seria uma águia, e voaria até ao Palácio do Daniel Chapo, e em voz de trovão rugiria: Chapo, manda parar aquelas obras que me ofendem bastante!
Mas já estou velho, rangem-me os ossos. Grito e a minha voz soa para dentro, ninguém a ouve senão eu mesmo. Tento dançar e os meus passos sossobram, a minha coluna vertebral quebrou-se na entrega à vida e ao trabalho e ao amor. E agora só me resta a dor de ficar aqui contemplando o silêncio da juventude que vai degenerando nessa porcaria do txiling.
Não, eu não estou velho! Recuso-me a ser trapo. É por isso que estou aqui com estas azagaias e escudos de pele dançando para guerrear. Trago as estrofes da minha fúria. A minha música é esta: Chapo, amigo, manda parar as obras que estão destruíndo a “Praça da OJM”. Guimino, amigo, vem cá fora e pára com aquilo! Que estupidez!
Por ocasião do meu aniversário, quero partilhar um pouco de mim, com especial destaque paras as décadas 80 a 90, um período de muitos desafios. Nessa época, faltava um pouco de tudo. Criei suínos na Matola C e na Unidade H e alimentava-os à base de restos de produção de cerveja 2M, em que adicionava restos de hortícolas que recolhia no mercado central, na baixa da cidade. Lembre-se que, nessa altura, os produtos a grosso (que actualmente são adquiridos no Zimpeto) eram adquiridos onde foi construído o silo de parqueamento. Para o efeito, adicionava sal para dar algum valor nutritivo e fazia isso misturando num tambor de 200 litros cortado a meio.
Tive um período de estudante nocturno, na Escola Secundária da Matola e mais tarde na Francisco Manyanga. Fui igualmente professor de Geografia, na Escola Secundária da Machava. Lembro-me que uma das salas que usei, hoje é a Direcção da Educação, junto à Administração, para além de que fui assistente técnico agrícola de um produtor de hortícolas na Matola.
Vendi banana da empresa Socas de Xai-Xai, onde meu amigo Maela era Director e também criei Patos. Fornecia carne de suínos aos restaurantes na Cidade de Maputo e Matola. Vendia bananas ao público, tendo desistido da criação devido à peste Suína. Em relação à banana, a cooperativa de Consumo na Padaria Boane na Matola ficou a dever-nos uma carrada e por isso desisti da actividade.
AB
“Vida: estado de actividade dos animais e das plantas, o tempo que dura desde o nascimento até à morte, existência, modo de viver, conjunto das coisas necessárias à subsistência, biografia de uma pessoa, comportamento, profissão, carreira, actividade, animação, vitalidade, causa, origem, essência”.
In Dicionários dos Estudantes, Português.
O Homem nasce, cresce, reproduz e morre! Diz-se a isto o ciclo da vida. O que cada um escolhe fazer, neste intervalo, entre o nascimento e a morte são escolhas individuais, condicionadas ou não, mas tudo irá depender da pessoa e do meio que o rodeia, as pessoas com quem convive, as políticas de onde nasceu, o meio ambiente e tudo isso pode influenciar na pessoa que vier a ser na fase adulta. Contudo, é certo que todos nascemos nus, sem nada e o primeiro sinal da nossa existência na terra é o choro à nascença!
Para nós todos, a duração do dia é igual, independente da raça, origem social, religião, filiação partidária, desportiva e outros. O dia possui 24 horas e todos nós beneficiamos dessas 24 horas, ainda que sejas muito rico, tenhas muitos poderes, influência política, económica ou social, na vida, não terás mais que 24 horas e o que fizeres com o seu fundo de tempo é problema teu. Podes dormir mais tempo que as oito aconselhadas, podes trabalhar menos que as oito aconselhadas e podes te divertir mais que as oito aconselhadas, o resultado irá depender do teu comportamento e atitude perante a forma como usas o teu tempo.
Fala-se de 8+8+8=24 ou seja, temos oito horas consagradas ao trabalho, oito horas para o lazer e oito horas para o descanso. Contudo, em alguma fase da vida, pode não obedecer a este padrão considerado ideal. Por exemplo, as crianças usam o tempo para brincar e estudar, alguns adultos carenciados, conscientes das dificuldades da vida e com a necessidade de superação, dedicam mais tempo a trabalhar que ao lazer e descanso. Mas tudo tem fases. Haverá fase em que descansar é muito importante que o lazer e que o trabalho, tudo depende do estado físico e psíquico em que a pessoa se encontra.
Eu, por exemplo, durante alguma fase da minha vida, trabalhei mais do que descansava e me divertia. Na fase adulta, na década 80 por exemplo, posso dividir esta década em duas partes. Tive um período em que trabalhava inevitáveis oito horas ou um pouco mais. Ia à escola à noite, regressava à casa, fazia a refeição nocturna e depois descansava. Acordava cedo, fazia limpeza nas pocilgas, dava de comer aos suínos, depois me preparava para o trabalho. Confesso que, neste período, não tinha passeios e não participava em nenhum divertimento. A minha rotina era essa mesmo, o período de descanso estava entre 5 a 6 horas por dia.
Na outra metade da década 80, a rotina era a mesma, com a diferença de que já era Professor de Geografia, da 5ª e 6ª classes no antigo sistema de Educação, isto na Machava. Nesta fase, acresce-se que fui assistente Técnico Agrícola na Machamba de um cidadão nacional, uma tarefa que fazia aos sábados e domingos. Diria que foi uma fase muito complicada, olhando deste lado e neste momento. Na altura, achava isso normal e tinha muito prazer em fazer. Na Matola, Unidade H, e Matola C onde vivi por esse tempo, as pessoas ainda se recordam de mim e da minha família.
Na Matola C, por exemplo, era normal, às 2h00 da manhã, acordar, porque os porcos saíram das pocilgas e invadiram a casa do vizinho. Tinha que acordar e trazê-los a casa e não era nada fácil. Muitas vezes, depois desse exercício, não voltava à cama, punha-me a concertar a pocilga e a fazer limpezas. Uma coisa interessante, nessa altura, não havia farelo e nem sêmea à venda, portanto, recorria-se ao resto de produção de cerveja 2M e, como aquele produto era pobre, tinha que adicionar os restos de hortícolas e sal de cozinha, de modo a tornar o produto nutritivo. Devo dizer que cheguei a ter mais de 100 suínos no quintal.
A outra actividade que realizei nesse período foi a criação de patos, a título pessoal. É verdade que, na empresa, também criava esses animais, os patos não davam tanto trabalho quanto os suínos, mas, em contrapartida, reproduziam muito e o segredo era a alimentação. Ao contrário dos dias de hoje, naquela década, as moageiras vendiam o grão de trigo rejeitado, que é muito bom para os patos e para os pombos. Lembro-me do projecto da Helvetas que, na altura, fazia a produção de extensão por famílias, isto já na década 90, um pouco depois dos Acordos de Paz de Roma. Os criadores de patos tinham mercado certo para a sua produção.
Lembro-me, embora não tenha sido parte do projecto, a Mozal fazia a extensão de cabritos. Uma família recebia um casal e, passado um tempo, tinha de contribuir para outra família. Foram iniciativas extraordinárias que não percebo muito bem por que razão deixaram de existir. O meu amigo Dr. Mausse esteve à frente destas iniciativas. Foi um período de trabalho intenso, muitas vezes sem descanso e sem férias, mas foi um período muito desafiador e restava tempo para jogar futebol no campo da Matola C, de onde viria transferir-me para a Aldeia de Campoane.
A minha transferência para Campoane seguiu-se a um protesto dos vizinhos, por causa da criação de porcos e era compreensível. A criação ascendia a 100 animais e além da evasão nocturna, havia o relativo cheiro nauseabundo, digo relativo porque, realmente, as minhas pocilgas eram muito limpas, contudo, para evitar barulho com a vizinhança, decide sair para a recém-criada aldeia de Campoane e lá me instalei e construi pocilgas, continuando com a minha actividade de criação.
A criação ia muito bem, entretanto, tivemos o surto de peste suína na zona. Devo dizer que não era eu sozinho que criava porcos, havia mais gente que também desenvolvia esta actividade. Na altura, fornecia-se a carne de porco a restaurantes, centros sociais das empresas, para o consumo dos seus trabalhadores e, por vezes, para a venda aos trabalhadores, pelo que nunca tive problemas com o mercado. Estava garantido.
Outra passagem que gostaria de deixar aqui é a venda de banana da Socas Xai-Xai, onde o meu amigo Maela era Director. Conhecemo-nos nas lides agrárias e falei-lhe do interesse que tinha na venda de banana na cidade de Maputo e Matola. Ele aceitou. Entretanto, eu tinha que ter uma carrinha e, para o efeito, um amigo, residente na Unidade H na Matola, de nome Muianga, proprietário de uma carpintaria próximo ao Cinema 700, actual Auditório Carlos Tembe, alugou-me a sua carrinha e, ele mesmo, conduzia. Viu o sucesso do negócio e pediu para fazer parte e poderíamos aumentar as quantidades e sem custos de transporte.
Eu aceitei, fizemos umas quatro viagens com sucesso, mas cometemos um erro quando aceitamos fornecer a banana à cooperativa, ali na zona da Padaria Boane. Fomos buscar banana por encomenda da cooperativa e entregamos toda. Passados dois dias combinados para a cobrança, no lugar de dinheiro, levaram-nos ao armazém fechado, onde tinham a banana e toda praticamente podre. Zanguei com o Muianga, pois o contacto era seu e deixei de ir a Socas buscar Banana. Mas confesso que foi um negócio aliciante. Fazia a viagem aos sábados que não trabalhava.
Adelino Buque
No desfile de reuniões de véspera e do principal órgão do partidão entre os Congressos alimentara a vaga esperança da realização de uma reunião da "Geração 8 de Março" com o propósito de discutir e de forma concludente apresentar uma proposta de candidato para as presidenciais de 09 de Outubro. Se dentro ou fora do partidão ficaria uma matéria de seguimento.
O argumentomor para a apresentação da candidatura é o mesmo de 8 de Março de 1977: o chamamento à pátria. Lembrar de que nesta data, e que dá origem ao nome da geração, os alunos que deveriam prosseguir com seus estudos na 10ª e 11ª classes foram comunicados por Samora Machel, então presidente, que os seus estudos∕ sonhos seriam interrompidos e no lugar receberiam tarefas em diversos sectores de actividades do país.
Volvidos perto de cinco décadas é unânime o reconhecimento do partido e do Estado aos préstimos desta geração e de que sem a sua prontidão e engajamento dificilmente o país sobreviria aos desafios da altura.
Hoje, diante do rumo do país uma boa parte das condições∕desafios para a decisão de 8 de Março de 1977 estão novamente reunidas, sobretudo as relacionadas com a ameaça à segurança e o atraso económico e social do país que se acresce a turbulência do processo de sucessão no partidão a questão que se coloca é a de saber a razão que leva o partidão (e são ainda os mesmos que decidirem em 1977) a não voltar a recorrer aos salvadores da pátria de 8 de Março de 1977? Por acaso andam por cá, formados e com experiência de trabalho, e ainda jovens para os critérios da política.
Mas pelo tempo que já escasseia temo que a vã esperança por uma candidatura "oitomarcista" morra solteira. Temo ainda que nem mesmo o "nós querermos eles se quererem", tal como em Março de 1977, o resultado não mudará: é o "Não é não" de Luís Montenegro, PM português, dito quando confrontado se ainda mantinha a decisão de o seu partido não avançar com um acordo com um outro partido e mais a direita.
Por ora, e quanto a assumir o controlo da governação do país, se o "Não é não" seja de facto a última decisão da "Geração 8 de Março" fica algum crédito aos que afirmam que se trata de uma espécie de vingança pelo facto de os sonhos de cada um dos seus membros terem sido violentamente interrompidos no dia 8 de Março de 1977. Se for por aqui, um "Distras" o país agradeceria.
PS: Pela análise dos perfis avançados na Matola, candidatos "3 em 1" (que reúnam simultaneamente qualidades de ordem política, económica e militar ∕securitária), só recorrendo a um Triunvirato é que o partidão apresentará a sua candidatura. Em 1969 o Triunvirato fora uma solução transitória para a sucessão de Eduardo Mondlane. Em 2024, embora num contexto diferente, os ingredientes, ora em ebulição na mesma (e já exausta) panela de pressão, são similares.
“Eu nasci em KaTembe, a 2 de Novembro de 1920, um Domingo, às 11 horas da manhã. A minha mãe chamava-se Jinita Libombo e o meu pai Jeremia Dick Nyaka. Os meus pais conheceram-se em KaTembe, onde ambos cresceram e frequentavam a mesma Igreja. Foi lá que eles se casaram, e tiveram os primeiros dois filhos: o meu irmão Daniel e eu. Tiveram ao todo sete filhos, quatro rapazes e três meninas.”
Nely Nyaka (in “Mahanyela, A Vida na Periferia da Grande Cidade”)
Amadou Hampâté Bâ disse um dia uma daquelas máximas que nos perseguem sempre que há óbitos que devem constar no livro de assentos da nossa memória colectiva: “Quando um ancião morre, é uma biblioteca que queima”. Quis a fortuna que hoje, 6 de Abril de 2024, a Vovó Nely registasse o seu epílogo aos 103 anos. Em 2018, Nely Nyaka, no entanto, desmentiu o fatalismo que encerra o anátema do historiador maliano e legou-nos uma obra decisiva e exemplar: “Mahanyela, A Vida na Periferia da Grande Cidade”). Nela está o testemunho e testamento da sua soberba vida e obra.
A Vovó Nely foi toda a vida uma activista social. O seu activismo social começou cedo, primeiro no seio da Igreja Metodista Wesleyana e, mais tarde, no Instituto Negrófilo (que depois assumiu a designação de Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique), organização de que o seu pai foi sócio-fundador. Recentemente, esteve na criação e é uma das mais notáveis dinamizadoras da associação Pfuna, dedicada a mitigar a pobreza e a miséria de crianças órfãs.
No seu livro “Mahanyela, A Vida na Periferia da Grande Cidade” está inscrita a sua longa experiência de vida. O livro é um testamento. Um manancial de valores. Nesta obra ela cartografa não só a sua trajectória individual, mas estabelece um atlas de um tempo e de uma sociedade, a começar pelos seus pais, Jinita e Jeremia, na KaTembe, passando pela então Lourenço Marques (KaMpfumo), fala-nos da vida na periferia (mahanyela: xitiki, bajiyas, machambas e outras formas para ganhar a vida), da casa e os rituais (o namoro, o casamento, a gravidez e parto, o falecimento).
A Moamba e a vida adulta lá nas terras do Sabié. Casara aos 19 anos com Raúl Bernardo Honwana. Raúl, que militou no Grémio Africano nos tempos de Karel Pott, escreveu, em 1984, um livro de memórias. Inspirada pelo exemplo do seu marido, que faleceu em 1994, Nely decidiu também deixar por escrito o seu legado. Nele fala do nascimento dos filhos. A cegueira do filho Raúl. Os tempos duros. Os tempos sombrios. A prisão do marido Raúl. O retorno à Lourenço Marques, a casa de Ximphamanine. A prisão do filho Luís pela PIDE. Os assassinatos políticos. A sordidez do colonialismo no seu estertor.
O livro relata-nos os alvores da Independência, do 7 de Setembro, o Governo de Transição, fala-nos do entusiasmo e da euforia desses tempos, de Samora Machel, dos erros e dos excessos da revolução, como a nacionalização das barracas e casas de madeira e zinco, da Operação Produção, do seu tempo como Juíza eleita, das transformações sociais, da língua e cultura, das novas práticas e das narrativas e brincadeiras da nonagenária com o seus netos e bisnetos. Nessas lengalengas, preferidas pelos netos e bisnetos, cada frase contém uma pergunta (“U ma?” – Quem és tu?), e uma resposta (“Ni Nwamatxola-Txolana” – Sou o Nwamatxola-Txolana”) e o jogo prossegue entre perguntas e respostas do mesmo género.
Estas memórias percorrem uma longa e enriquecida vida de uma extraordinária personagem deste século moçambicano, mulher dotada de uma memória prodigiosa, exemplo de probidade e repositório de valores. A sua maior obra é o exemplo e o repositório desses valores que nos deixa como dádiva. Esse foi o grande dom da sua vida. O seu génio. O seu grande mérito. Uma vida árdua, laboriosa, dura. Mas ela, sempre obstinada. Perseverante, tenaz.
Profunda conhecedora de Lourenço Marques (Maputo) e, mais particularmente, dos seus bairros periféricos, onde cresceu, Nely Nyaka fala-nos, em “Mahanyela – A Vida na Periferia da Grande Cidade”, dos marcos geográficos e sociológicos da sua cidade, das famílias que a habitavam, das práticas e dos costumes da comunidade e dos artifícios a que se recorria para mitigar a pobreza, e para vencer as enormes barreiras criadas pelo poder colonial a todos os que não fossem brancos.
Aqui está o espólio de uma vida plena, não isenta de provações, contudo absolutamente instigante. Impressiona, neste livro, sobretudo o seu olhar. A perspicácia do seu olhar. A candura do seu olhar. O seu acerbo espírito crítico e o poder de observação. A filha Gita Honwana Welch, que ajudou na fixação do texto e é autora do prefácio, fala da “candura da observação” – uma expressão felicíssima.
O extraordinário livro de contos “Nós Matámos o Cão Tinhoso” (1964), de Luís Bernardo Honwana, as incontornáveis “Memórias” (1985), de Raúl Bernardo Honwana, ou ainda os escritos de Raúl Honwana (filho), autor da obra “O Algodão e o Ouro” (1995), cruzam-se com este “Mahanyela – A Vida na Periferia da Grande Cidade” (de Nely Nyaka), e denunciam, se quisermos, uma estética que lhes é comum: uma mesma ética. O supremo valor da ética. A ética é, aqui e sempre, uma espécie de estética da responsabilidade, individual e colectiva. No fundo, estão imbuídos de uma mesma poética. Aliás, num intrépido discurso que fez aquando do lançamento da sua obra, em 2018, a Vovó Nely foi cortante quanto às anomias sociais e aos desvios éticos que abundam e minam a nossa sociedade. Um discurso memorável e exemplar.
Vivemos um contexto adverso, onde a cultura e os valores, onde a ética e a estética, onde o património e o acervo cultural, onde tudo isto perdeu a centralidade. A grande violência das últimas décadas é, para além do aniquilamento de vidas que se perderam, esta degenerescência de valores em que nos atolamos. Ao ouvi-la, com a autoridade da sua idade, rodeada de filhos, netos, bisnetos, amigos, familiares, admiradores, pronunciar-se sobre a sua vida e experiência e sagacidade, foi um momento profundo, uma oração profunda e acutilante, assombrosa e generosa, lúcida e corajosa.
A oração foi feita em ronga, transcrevo parte da tradução:
“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
...os três nomes que nos dão a medida da tua grandeza.
Agradeço-te Deus nesta hora, agradeço-te meu Deus as bênçãos que derramas sobre a minha vida e a generosidade de teres permitido que eu escrevesse este livro.
Escrevi este livro, sim, meu Deus, porque tu abriste a minha mente para que eu tivesse a ideia de o escrever.
Move-me a vontade de tentar explicar a maneira como se vivia antigamente. Sempre ansiei por contribuir para que os mais novos tivessem consciência de como eram as coisas nesta terra, muito antes de eles nascerem.
No meu dizer, meu Deus, é um pouco da história de Moçambique o que quero contar àqueles que me rodeiam.
Agradeço-te meu Deus por teres permitido o tempo e a força para que eu pudesse fazer o que tanto desejava fazer.
E é por isso que uma vez mais rogo que tu estejas connosco também neste momento e neste lugar para que o nosso trabalho de hoje se cumpra em boa ordem.
Sem me esquecer meu Deus de orar pela nossa terra.
Quero orar pela nossa terra.
A nossa terra vive tempos muito atribulados.”
Volto a essas palavras hoje no dia do seu declínio. Recordo-a aqui, nesta breve memoração, como uma das mais notáveis personagens do devir moçambicano e um dos grandes vultos da nossa sociedade, história e cultura. Uma figura assombrosa, personagem forte, matriarca exemplar, inspiradora, mulher de uma lucidez implacável e dona de uma memória prodigiosamente lendária.
“Mahanyela – A Vida na Periferia da Grande Cidade”, de Nely Nyaka, é uma obra notável, surpreendente e generosa. Disse-o e aqui repito: testemunho e testamento majestoso, sumptuoso, soberbo. A Vovó Nely cumpriu o seu dever e nesta obra está a sua vida, o seu exemplo e os seus valores. Talvez ela quisesse desmentir o aforismo do historiador maliano. A sua experiência não se incinera. Permanece naquelas belas e luminosas páginas. Viveu 103 anos e 115 dias! Uma vida jubilosa. Deus deu-lhe o tempo e a força que fez da sua vida uma lição. Provavelmente ainda não chegaram as suas prédicas, as palavras de consolo ou o lenitivo que nos falta quanto à nossa terra e quanto a estes tempos atribulados que vivemos.
Cidade do Cabo, 6 de Abril de 2024
“A Mulher Moçambicana, em termos numérico é superior ao homem, falamos de 16 milhões de Homens contra 17 milhões de Mulheres, ainda assim, na Governação, desde 2022, que se observa a paridade, dos 22 Ministros, 11 são Mulheres e 11 são Homens, já na Assembleia da Republica, dos 250 Deputados, 116 são Mulheres, a Frelimo contribui com 90, a Renamo com 16 e o MDM COM ZERO, o que é de lamentar. Com estes dados, pode-se afirmar que, a Mulher Moçambicana tem estado a subir de fasquia em termos de participação politica e Governamental, outro dado interessante, é que, a nossa Assembleia da Republica já teve duas Presidentes, sendo a Senhora Verónica Macamo e a Senhora Esperança Bias, em funções, esta ultima, caso para dizer, Parabéns Mulher Moçambicana, na região Austral, Moçambique é o terceiro com mais Mulheres na Politica, sendo primeiro a Africa do Sul, segundo a Namíbia.”
AB
“A data foi instituída em homenagem a Josina Machel, heroína nacional, uma das muitas mulheres moçambicanas que lutaram pela independência do nosso país. Mas mesmo estas mulheres, antes de lutarem pela independência do nosso país, tiveram igualmente de lutar pelos direitos das mulheres, pelo direito a lutar, pelo direito a resistir à colonização, pelo direito à sua voz e à participação na política e nas decisões do futuro do nosso país!
Muitas mulheres têm conseguido vitórias importantes na luta por igualdade e dignidade, mas a luta continua até que sejamos todas livres! Livres para resistir, livres para marchar e gritar pelos nossos direitos, livres para dar opinião sem temer represálias, livres para escolher o nosso futuro”
In Justiça Ambiental de 09 de Abril de 2023
Moçambique, segundo os dados divulgados pelo INE – Instituto Nacional de Estatísticas, para 2024, a população total ee de 33.244.414, sendo que, destes, 16.098.427 são homens e 17.145.987 são mulheres, por isso, podemos dizer, sem sombra de duvidas que, as mulheres continuam em termos numéricos, mais que os homens, estes dados, não se fazem sentir na esfera politica e Governamental.
Destas populações, 34,88% estão nas zonas urbanas e 65,14 nas zonas rurais, os mesmos dados indicam que, a esperança de vida situa-se nos 56,2 anos, com uma taxa de nascimento anual de 36,6% e de mortalidade situa-se em 8,8%, o que significa quem, o País tem assinalado, um crescimento assinalável dos indicadores em referência, ou seja, esperança de vida, taxa de natalidade e taxa de mortalidade.
O caro leitor, deve estar a perguntar-se, para que essa informação toda, quando a reflexão tem a ver com a homenagem á Mulher Moçambicana, a resposta é simples, é que, toda informação estatística, aqui partilhada, afeta, sobremaneira, a Mulher Moçambicana e, muitos dados estatístico, refletem, de alguma forma, o bem-estar da Mulher na nossa sociedade, infelizmente, a Mulher, continua carregando o “fardo de pobreza” em Moçambique, estes dados, podem ser reveladores, do quanto se tem afastado desse mal.
Mulher na Politica em Moçambique
Os dados acima, partilhados, cuja fonte é o INE – Instituto Nacional de Estatística, revelam que a Mulher está em numero maior que os Homens, no entanto, por exemplo, no nosso Parlamento, dos 250 Deputados, somente, temos 116 Mulheres, mas a crise é mais grave se considerar que, destes 90 são da Frelimo, 16 da Renamo e o partido MDM não tem nenhuma Mulher no Parlamento, ou seja, não há, no seio dos partidos políticos, a consideração pela Mulher, fala-se da proporcionalidade na Frelimo, por exemplo, o que não se observa em outros partidos, atenção, não estou a dizer que a Frelimo é melhor que os outros mas, convenhamos, é na Frelimo que se luta pelo equilíbrio.
Nessa perspetiva, pode-se dizer que, a Frelimo, tendo sido sempre o partido maioritário na Assembleia da Republica, já teve duas Mulheres na Presidência da Assembleia, que são, as Senhoras, Verónica Macamo e Esperança Bias em exercício, podemos, por assim dizer que, a Frelimo, não só procura equilibrar, como, também, impondera as Mulheres mas, no se pode dizer o mesmo dentro do parlamento, existem muitas Mulheres que esto para o agrado estatístico, isso, deve ser combatido pela própria Mulher, lutar por igualdade, não somente nos números mas, nas funções e no trabalho.
A nível do Governo, dos 22 Ministros existentes, 11 são Mulheres e 11 são Homens, aqui, pode-se dizer, com alguma satisfação que, atingiu-se a paridade nos lugares de Governação, nesse sentido, cabe, as próprias Ministras, mostrarem que, não estão la para simples decoração mas, para trabalhar e mostrar resultados, de acordo com as estatísticas do mundo, Moçambique, reforça 14 países com a paridade de género na Governação, sendo que, em Africa, são 3, o que, sem dúvidas, é de louvar!
Adelino Buque
PS: Reflexão dedicada á Mulher Moçambicana, por ocasião do dia 07 de Abril, data consagrada a Mulher Moçambicana, essa Mulher virtuosa, Guerreira incansável, antes lutou para ser aceite na Luta Armada de Libertação Nacional, depois, lutou pela sua inserção na politica Governamental e, hoje, quer, a par do seu parceiro Homem, lutar pela emancipação económica, certamente, que venceras Mulher.
Nas entrelinhas das notícias da última noite, parece não restarem dúvidas de que Moçambique conhecerá, hoje, sábado, ou nas primeiras horas de amanhã, domingo, o candidato presidencial dito do partido Frelimo, mas que será, na verdade, de uma amostra representativa dos moçambicanos, e não necessariamente da associação privada denominada Frelimo.
Por conta do acima, a escolha ou eleição de candidados presidenciais pelos partidos políticos é um tema suprapartidário.
Mas por que é ou será assim?
A norma da alínea d) do n.⁰ 2 do artigo 146 da Constituição da República de Moçambique (CRM) é, de facto, clara quanto ao facto de a candidatura ser dos eleitores (um grupo destes) e não dos partidos políticos. O papel destes é, em bom rigor, de organizar os eleitores.
De contrário, bastava cada partido político interessado confirmar que tem 10 mil membros e submeter a candidatura, mas não é esse o caso. Cada cidadão deve assinar individualmente o apoio à candidatura. Logo, as candidaturas presidenciais são suportadas pelos eleitores e não necessariamente pelos partidos políticos.
Aliás, é exactamente por isso que o nosso regime admite candaturas sem partido, as ditas candidaturas independentes, que já as tivemos. Até porque não seria exagerado arguir que todo o candidato a Presidente da República (PR), ainda que apoiado por um ou outro partido político, deveria ser tido como formalmente independente dos partidos políticos.
Numa perspectiva progressista, até faria sentido que o processo da escolha dos candidatos a PR fosse em eleições primárias abertas a não membros…
(Ericino de Salema)