DHABUNO MUTHABWA, que significa ‘vocês agora estão a piorar’; é uma nobre expressão que se tornou popular (particularmente) nos homens no contexto das eleições autárquicas de 2013 e presidenciais de 2014, perante um cenário em que as mulheres apareciam como candidatas a ‘cabeçaa de lista’, na linguagem actual, à presidência ao Concelho Autárquico de Mocuba.
Uma vez que no contexto moçambicano as ‘capulanas’ ainda continuam a representar e simbolizar as mulheres, e as ‘calças’ os homens nas dinâmicas dos espaços privados, públicos e políticos, perante este cenário ‘estranho’ de surgimento de candidatas a ‘lógica’ das calças criou uma representação política para descrever este fenómeno que os assustará (reacção ao medo), ou seja, a expressão DHABUNO MUTHABWA, naquele caso, ‘vocês ‘mulheres’ agora estão a piorar’.
Sob o lema “Queremos Viver Sem Medo: Por um Moçambique Livre de Violência Sexual”, no âmbito da marcha alusiva ao Dia Internacional da Mulher, 08 de Março, uma data que internacionalmente é vivida e sentida com muita emoção e consciência, na qual mulheres e ‘homens’ “exaltam”, a partir de marchas simbólicas, as suas agendas em prol de um Moçambique cada vez mais justo e inclusivo para TODAS e todos, por um lado, e por outro lado repudiam todas as formas de MANHAZOS ‘vergonhas’ que afectam o bem-ser e o bem-estar das MULHERES.
Porém, o cérebro nem sempre reage como o previsto, ou seja, por vezes quando dizemos ‘sim’, o cérebro subentende ‘não’, e vice-versa. Pode ter sido com base nesta lógica natural de inversão e de entrelinhas que surgiu o ‘medo’ por parte das “calças”, pelo ‘medo’ que surge através do/a partir do lema proposto pelas “capulanas”, criando assim cogumelos de medo e mal-estar. Mas aqui, este fenómeno de ‘medo do medo’ terá dupla ‘polarização’, ou seja, por representar uma forma de MANHAZO ‘vergonha’ pelo medo das multidões e, sobretudo, porque desta vez o DHABUNO MUTHABWA tem um sentudo inverso, não surge a partir das “calças” para as “capalunas”, mas sim das “capulanas” para as “calças”, isto significa: vocês ‘homens’ agora estão a piorar’. Porquê a polarização dos movimentos sociais e cívicos, das multidões, das marchas, das manifestações? O porquê do medo do poder das multidões? Têm medo das mulheres? Pode o Estado controlar as multidões? Os políticos gostam das multidões? Temos medo das multidões? Estaremos perante a ‘repressão’ e os ‘silêncios’ como escola, como instrução ou como status quo? Por que perdemos tempo com os mensageiros e não com a mensagem?Acreditamos na racionalidade individual e na irracionalidade colectiva? Acreditamos na consciência individual e na inconsciência colectiva? Como Moçambique percebe as multidões: políticas, sociais, culturais, económicas ou emancipatórias?
Cronologicamente, as narrativas sobre as multidões estão associadas ao mito de loucura (Mackay, 1841), da irracionalidade (Le Bon, 1895), dos acríticos, da negatividade, das acções impulsivas, da libertação do inconsciente , da percepção de que os indivíduos nos grupos são hipnotizados pelos líderes. Nos grupos, o racional seria o líder, e os demais meros seguidores. Consequentente, são vistos como sendo os inimigos do poder e da política e, quiçá, da economia, ou seja, teorias que visavam combater e negativar o eu social (grupal) como algo positivo, defendendo o indivíduo racional na condição de individualidade, e o indivíduo irracional na condição societal, ou seja, o processo de desendividualização.
Estas teorias dos finais do século XIX sobre as multidões foram e ainda são impactantes nos mudus operandi dos séculos XX e XXI. Influenciam os políticos, os governos, e legitimam certas formas de ‘silenciamento’ com recurso às forças estatais. Pois, para os seguidores desta teoria as pessoas são manipuladas nas e pelas multidões, a saber: Quando estão nas multidões, os indivíduos tornam-se menos civilizados, comportam se com base nos instintos; A pertença a uma multidão dá a sensação de anonimato, ou seja, no grupo perde-se a noção do medo e das consequências dos actos; As pessoas se preocupam menos com as consequências morais; Têm a sensação de serem invencíveis; Nasmultidões, todos actos são contagiosos de forma irracional e instintiva; O contágio é dogmático; Nas multidões, as pessoas se sacrificam pelos interesses da maioria; A demagogia faz parte das multidões, ou seja, existe uma fígura demagoga inquestionável com poder de hipnotizar os demais; As ideias superficiais são usadas como “cavalos de batalha” nas revoluções; Quando se está no grupo coloca se de lado a identidade e age-se como membro do grupo (desindivilualização); Nos grupos os ‘homens não agem de forma racional e não usam suas ideias’, os líderes são tidos como os grandes “cérebros”; As multidões são vistas como uma religião.
É importante perceber a lógica do mito das multidões como madness, pois é assim que ainda funcioam certas lógicas políticas e governamentais na sua relação com as multidões, ou seja, ‘vigiar e punir’. Porém, existem teorias contemporâneas que podem estar a fazer falta a lógica política na sua governamentabilidade.
Os indivíduos nas multidões deixam de ser passivos e irracionais, e passam a racionais e conscientes. O comportamento das multidões é resultado dos comportamentos intra e inter-grupal, com as seguintes nuances:As identidades individuais são reforçadas nos grupos; As minorias activas podem com o tempo se transformar em maiorias impactantes; O poder reside no contacto entre as identidades grupais nas multidões; O anonimato desaparece, surge uma identidade assumida e reconhecida; Multidão como bem, como racional e sobretudo como um acto consciente de CIDADANIA; O mito da loucura dá lugar a narrativa de participacao activa societal; Quando persiste a lógica do mito da loucura como sinónimo de multidão, o problema não reside na multidão, mas sim na pessoa e no sistema que não percebe o significado das identidades intra e inter-grupais. Para tanto deve se procurar melhor entendimento, evitanto assim o mal-estar desnecessário e as narrativas da pós-verdade.
Se não for tratado, o medo pelas multidões pode gerar violências e mal-estar. Pois o povo, as massas, os grupos, não devem ser vistos ou pensados como o ‘outro’. É importante evitar ao máximo ser intolerante e os nossismos contra estes grupos. No lugar de nossismo deve surgir uma razoabilidade racional pautada na tolerância e na cultura de diálogo. Como? Racionalidade cultural na capacidade de saber ouvir a lingaguem das multidões; No lugar de olhar as multidões como inimigas, procurar evitar bias e preconceitos, e pautar pela diálogo; Procurar encontrar a bondade e o belo no outro, no lugar da desconfiança; Procurar perceber que as sociedades são dinâmicas e não perder a caravana do entendimento actual; As demandas actuais evocam respostas actuais; Evitar provocar as multidões das mulheres, pois de forma quantitativa, elas são qualitativamente a diferença, ou seja, elas podem fazer toda a diferença ‘racional’;” No lugar de concebê-las como “inimigas”, a estratégia seria colocá-las como parceiras na marcha da desenvoltura de Moçambique.”
DHABUNO MUTHABWA, ou seja, vocês ‘homens’ agora estão a piorar’.
Para toda MULHER moçambicana, em especial a mulher zambeziana, votos de uma marcha consciente em prol de uma sociedade tacitamente justa.
-- CREDELEC não devia ser mais cara que rancho de pobre ---
["Afinal, meu senhor, quanto é para você não me cortar a energia e não me multar, uma vez que flagrou-me roubando energia? Estou a pedir, senhor! Vou dar refresco mesmo"]
A relação Povo-Estado, na qual a esse "Estado" é emprestado o Poder pelo mesmo povo, compara-se à situação Filho-Pais. A distinção, disciplina e carácter (ou não) de uma criança denuncia a qualidade de educação que o Pai tem ou deixa a criança reter. Por isso, clichês similares a "esta criança não presta", ou "criança, tu és mal-criada", são severamente combatidos em contextos de sociedades mais conscientes sobre a dicotomia Pai-Educação vs Filho-Educação. Nenhuma criança no mundo nasce indisciplinada, burra, agressiva, conflituosa, etc. Ela será tudo aquilo que os meios onde estiver inserida a moldarem, e nisso os Pais é que são os principais e, às vezes, únicos responsáveis. Claro que há algumas predisposições genéticas. Se, por exemplo, numa mesma família há criança mais clara, menos alta, muito cabeluda, etc., é então natural que algumas predisposições psico-genéticas ocorram também, como é o caso de se ser mais falador, menos enérgico, mais simpático, muito disponível, etc., mas nada disso castra a influência, quiçá positiva, de uma boa educação dos seus Pais.
É consensual que o maior simbolismo de educação que os Pais devem aos seus dependentes fosse o Exemplo. Descascando, não adianta berrar p'ra criança procurando oprimir as tendências, actos de violência ou antissociais para com outras crianças, se a relação entre os Pais dentro de casa e em toda a sua interacção é de constante conflito, discussões, violência doméstica, etc. - Filho de Peixe, Peixinho É -... Portanto, Pais responsáveis primem pelo exemplo: Poucas palavras, muitos actos. É como, religiosamente, se enuncia: P'ra Deus, não adianta estar-se lá todos os dias no Culto se as obras são iguais às dos "mundanos"... Voltando aos Pais, não adianta tentar convencer aos filhos dizendo que não podem comprar uma pasta ou caderno, melhorar a ementa nutricional em casa para ele estudar e viver melhor, alegando exiguidade financeira, se sempre a Mãe está com extensões novas, unhas de gel reabilitadas, sapatos novos e "muitos programas com grandes amigas". Um filho aceita estar roto na rua, na escola, com amigos, se o seu Pai estiver igualmente roto. É isto que dá consistência à educação. É de EXEMPLOS como esses que famílias extremamente pobres conseguem criar GRANDES HOMENS E MULHERES, pois os filhos, com todos os desafios a eles adstritos, submetem-se à educação, liderança e autoridade dos seus Pais "engordados" pelo exemplo desses pais...
Este "EXEMPLO" de que falo é um dos actos concretos mais notáveis de uma "transparência" na gestão familiar. Filhos que crescem dando-se bem, no fim enchem a boca e falam bem dos seus Pais, pois durante todo o seu crescimento "sentiram" uma autoridade executada desse jeito, com Transparência, Humildade e Supra-Dedicação de seus Pais para com eles.
Com uma sociedade não acontece diferente. Um povo facilmente se submete aos projectos do executivo que o lidera, se o exemplo for a nota sonante. A relação Povo-Estado devia, numa sociedade normal, basear-se na confiança, comprometimento, respeito, que o "Estado", na pessoa de quem foi confiando essa honra de governar, sempre pré-existir a TRANSPARÊNCIA, produzida pelo EXEMPLO, pela dedicação à causa e respeito por aqueles que esperaram do governante os "comandos" justos para a sua vida.
Quem hoje pode "confiar" que esta subida do preço da energia eléctrica é justa, e que todos devem contribuir sacrificando tudo, pois os ganhos serão para a totalidade dos moçambicanos, se nunca houve TRANSPARÊNCIA na articulação de preços de energia eléctrica; se não há coerência em actos de governação (com enfoque na preservação da integridade do povo)? Já me explico sobre coerência, e a seguir volto à questão da transparência. É indescritível que o mesmo sujeito que se senta todos os anos nas reuniões da Consertação Social, assumindo-se como guardião dos Povo, ou então o visionário do equilíbrio entre as facções, esteja "hoje" sistematicamente a escamotear o poder de compra do seu cidadão, do Povo que o confiou. É incoerência, sendo representante do Estado, dizer ao agente económico privado: "não suba os preços", mas "cresça os salários mínimos", e por trás subir os preços dos produtos ou itens estratégicos para a economia das pessoas, como é o caso da energia eléctrica.
A energia eléctrica é um bem necessário e transversal. Subir a energia promoverá a subida de outros preços, pois a sua produção está relacionada com a electricidade. E energia eléctrica, dentro da família, representa um elemento central de subsistência: crianças precisam de energia eléctrica para fazer TPC, para engomar a roupa. Os pais precisam para ligar o congelador e conservar a lâmina de carapau que é a única "comida de prestígio" que podem garantir aos seus filhos. Portanto, a energia eléctrica não é um produto de luxo, passível de ser preterido na economia familiar. Então, não se compreende que o mesmo Estado (na pessoa do Governo) que sabe que o salário mínimo é de 6.250,00Mt esteja a aprovar subidas de preços da energia eléctrica ao ponto de significar mais de 70% do orçamento familiar. Quais são as opções que se deixam para essas pessoas? Resposta: "talvez roubar a energia que já é delas, porque Cahora Bassa é delas, e ir gerindo (com jogatanas de subornos) as inspecções dos agentes da EDM ou sucumbir, e tornar-se pessoas mais pobres do que já eram"...
A questão da TRANSPARÊNCIA na articulação de preços da energia elétrica devia traduzir-se pela apresentação do projecto que "existe", mostrando como "pagar mais pela energia vai beneficiar mais e melhor", facto que nunca ocorreu. A inexistência de um propósito claro nestas subidas só se agudiza pelo facto de as mesmas terem sido feitas num período muito curto, e nos momentos em que devia ter ido exactamente no sentido contrário. É que de 2015 à 2019 houve um agravamento de cerca de 80% no preço da energia eléctrica (em 2015 uma família poderia gastar 400Mt ao mês pela sua energia e hoje, com os mesmos 400 só fica cerca de 7 dias), deixando claro que a EDM não tem estratégia consolidada, de facto, que integre por exemplo: investimento no alargamento da base dos clientes, segmentação e diversificação de serviços, a não ser pura e simplesmente equilibrar seus balanços aravés do aumento das receitas obtidas com o pagamento feito estritamente por aqueles clientes que eles já têm.
Este é o meio caminho para a destruição de uma sociedade, com enfraquecimento da sua sustentabilidade familiar. Energia eléctrica, num mês, não devia ser mais cara que fazer rancho de pobre. As consequências serão devastadoras. A rebelião não será por violência, mas por sabotagem. Moçambicanos tornar-se-ão mal criados por isto. Ninguém os segurará, pois o espelho deles, que é o Estado, não demonstra "preocupação, carinho, dedicação, exemplo e transparência" nas suas acções. Por outro lado, existem os passivos. Com estes, será por cedência (há quem não luta mais), e assim a falência ou morte de várias famílias moçambicanas.
Um Estado responsável, jamais faria isso a quem o confiou... Jamais...
Estou a render com as notícias dessas últimas semanas: a zanga entre Guebuza e Nyusi e as teorias de envenenamento. "O filho mais querido" e "o enviado de Deus" estão em guerra de venenos. Agora só comem com técnicos de laboratório e médicos ao lado para testarem o que vão comer ou para derem desintoxicados depois de comerem. Sempre que leio essas notícias me caem lágrimas... de vergonha.
Quer dizer, aqueles dois cidadãos que juraram servir a pátria, dedicar todas as suas energias para o bem-estar do povo moçambicano e respeitar e fazer respeitar a Constituição da República decidiram disputar olimpíadas de intoxicação alimentar entre si. Ou seja, agora a preocupação deles é saber preparar a poção mais mortífera para matar o outro. Coisas de vergonha! A preocupação agora é ler enciclopédias de Química para saber confeccionar venenos.
Duas pessoas que deviam estar unidas e preocupadas com o desenvolvimento do país, com as decapitações em Cabo Delgado, com o "chek-in" de Manuel Chang, com os "mai-love", com o gás, etecetera, etecetera, preferem brincar de Tom & Jerry na praça. Pessoas que deviam estar a partilhar vivências, experiências e conhecimentos preferem exibir musculatura do ódio e da baixaria. Pessoas que deviam estar a promover e a valorizar os "doutores-honoris-causas" que receberam preferem transformar-se em feiticeiros. No lugar de ocuparem laboratórios e cientistas com sobremesas envenenadas, podiam ocupá-los com investigação de sementes melhoradas, fertilizantes orgânicos, até mesmo medicamentos.
"O visionário" e "o restaurador" se esqueceram do seu país e do seu povo. O país e o povo que eles juraram servir ainda estão aqui na mesma penúria, mas parece que ninguém se importa. O mais importante agora é bisbilhotar onde, quando e o que o outro vai comer para lhe administrar sorrateiramente o elixir fatal da última geração. O foco agora é o "último adeus" do outro. Se me contassem, eu não acreditaria. Estou a falar de duas pessoas reputadas... Estou a falar de dois Presidentes da mesma República ... Estou a falar de dois estadistas... Estou a falar de dois guias.
Com tanta coisa boa e oportuna para fazerem para o país e para o povo, eles decidem caminhar na contra-mão. Juro que eu não sei onde essa gente busca essa inspiração. Não sei onde encontram tanto tempo. Não sei onde deixam a seriedade. Não sei onde querem chegar. A única coisa que sei é que ninguém vai nos levar a sério assim. Paremos com palhaçadas, faz favor! Isso não é normal. Estamos a exagerar.
- Co'licença!
O que acho relevante no facto de acionistas privados nacionais estarem a mobilizar dos seus bolsos quase 5 milhões de USD para uma instituição focada no desenvolvimento é algo que deveria ser publicamente anotado e notado. Não se trata de meter dinheiro em apartamentos de luxo da Michelangelo Tower, em Sandton, em casas de praia na Ponta do Ouro ou num banco comercial.
Estamos a falar de meter dinheiro privado numa instituição obrigada (!) a financiar projectos de desenvolvimento. Para financiar esses projectos é preciso mobilizar outros recursos públicos e de filantropos. Mas a mobilização junto destas fontes só é possível se se tiver uma instituição com Governação e provas de impacto e sustentabilidade.
Os acionistas que metem dinheiro na GAPI sabem que o retorno é de médio/longo prazo. Mas até agora a GAPI tem sido capaz de sempre apresentar uma conta de resultados financeiros positivos, ainda que modestos. Além disso, diferentemente de ONGs e Fundos Estatais, a GAPI paga impostos, sujeita-se a várias auditorias e tem de suportar a pesada regulamentação Banco de Moçambique.
O que a GAPI faz é um modelo de "blended finance", que noutros países é super acarinhado e promovido, pois trata-se de um viés incontornável para o alcance dos objectivos de desenvolvimento sustentável (SDG). Mas, em Moçambique, prevalece ainda tamanha ignorância institucional e a abordagem da GAPI ainda não foi bem compreendida por uma camada de políticos e burocratas que não enxergam a natureza especifica de um banco de desenvolvimento. Este aumento de capital poderá ajudá-los a reflectir.
Ontem um vizinho meu dizia que os moçambicanos deviam se organizar e marcharem contra a subida da energia elétrica da É-Dê-Eme. Dizia ele que a energia sobe todos anos, mas continua a mesma porcaria de sempre. Há uns meses, o mesmo vizinho dizia que era preciso nos manifestarmos com uma marcha nacional contra o preço e a qualidade da água da FIPAG. Segundo ele, a água sai turva, como café, e com cheiro a lodo, mas o preço sobe sempre que os donos desejam.
Para este meu vizinho nós não somos organizados. E tenho visto amiúde nas redes sociais alguns amigos alinhando no mesmo diapasão. Uns dizem que devíamos marchar contra as dívidas ocultas. Para outros, a marcha devia ser para a extradição de Manuel Chang para às Américas. Há quem diga que a marcha devia ser contra a inoperância da Pé-Gê-Ere e quejandos.
Parece que somos um país com muitas marchas em stock. Há quem propõe uma marcha contra a subida do combustível, mas também contra os "mai-love" e buracos. Fala-se da subida do pão, do cimento, da capulana, do frango, do tomate, etecetera. Fala-se da falta de medicamentos, de carteiras, e coisas do género. Fala-se de mortes em Cabo Delgado, de Namanhumbiri, e mais.
São tantas marchas que não marchamos. São tantos chambocos, cotoveladas, gás e ponta-pés que não levamos da Polícia. São tantas mordiduras caninas que não levamos.
Entretanto, dizia eu ao meu vizinho que não são necessárias tantas marchas. Perdíamos o nosso tempo marchando contra isso e contra aquilo e não teríamos tempo para trabalhar. Não precisamos de marchar todos os dias. Não precisamos! É que em cada cinco anos há um dia de marcha. Aquele dia em que marchamos das nossas casas às nossas assembleias e depositamos na urna todas as marchas que não marchamos. O dia das marchas não marchadas, das manifestações não manifestadas. Esse dia existe. Quem quiser marchar de verdade que marche nesse dia. Nesse dia as marchas são ouvidas e têm o seu valor. É um bom dia para marchar. É uma marcha que vale a pena.
O problema é que quando chega esse dia preferimos beber muitas Impalas e Txilares ou, então, quando chegamos à assembleia, esquecemos que temos muitas marchas que não marchamos nesses cinco anos. O problema somos nós.
- Co'licença!
Mathumbu vem do bitonga. Traduzido para a língua portuguesa ficaria redes de arrasto usadas pelos pescadores. Julião ganhou o sobrenome por ser reconhecido como indivíduo de força extraordinária. Bruta. Capaz de realizar sozinho um trabalho reservado à dez pescadores. Homem de poucas palavras, Julião Mathumbu entornava goela abaixo um garrafão de cinco litros de sura à gargalo, sem parar um único segundo para respirar.
Regozijava-se pelas mãos que tinha, rijas como pedra. Dizia para todos, se eu te der uma bofetada, a Polícia vai pensar que foste agredido por um ferro. Mas hoje ele já não fala disso, são os outros que repetem com as palavras as façanhas de outrora, quando Mathumbu era um orango-tango. Com músculos bem distribuídos, num corpo sempre pronto a exercer as tarefas dos sáurios.
Julião Mathumbu já não bebe. Já não tem aquela energia. Não mostra as mãos agora sem calos. Limpas. Leves como de uma criança. As pernas já não suportam aquele corpo enorme. Vacila quando se move, como um leão exausto. Velho. A voz roufenha fala para dentro. Não sai. Perdeu a vontade de viver. Os seus amigos dos tempos trazem-lhe o peixe que ele não come. Estou cansado disso, diz o homem sentado na sua eterna cadeira de cordas de sisal. Sem qualquer expressão no rosto. Frio.
A mulher morreu há cinco anos e a vida para este personagem perdeu o sal. A casa modesta que construiu com o suor da pesca é o único elemento da sua vida que se mantém de pé. É o seu orgulho. Nunca teve filhos. Quem dava sentido à sua existência era a mulher e os amigos. A mulher já não está e os amigos não bastam. Bebe um pouco, Mathumbu! Para quê?
Um jovem artesão esculpiu um enorme peixe em madeira de mafurreira e levou a escultura para casa de Julião Mathumbu. Queria ter o privilégio e a honra de deixar algo importante para o ídolo de muitos na zona. Uma prenda que vai trazer alegria ao homem. É para quê, isso? É uma recordação dos seus tempos, mais velho! Quem te disse que eu quero me recordar dos meus tempos? Tira isso daqui, faxavor. Se gostas de mim não me traz essas coisas e nem me fales dos tempos que vivi com muita alegria.
Julião Mathumbu está obsoleto. No corpo e na alma. Os amigos visitam-lhe cada vez mais pouco. Sofrem quando vêm um homem a descer devagar para o precipício. Em silêncio. Sem olhar para trás e lembrar as glórias. Vividas com intensidade no mar e na terra. É uma pessoa afável. Sempre foi. O seu corpo de brutamontes jamais teve algo a ver com o coração. Grande. Onde cabem todos os que agora lhe engrandecem. Mesmo não estando com ele nas paródias que ainda acontecem depois das fainas intermináveis.
As gargalhadas de Julião Mathumbu, ora vibrantes, desvaneceram. Passa maior parte do tempo com a cabeça pendida para o peito. Parece um condenado à espera da guilhotina e sua descida vertiginosa para lhe decepar a cabeça. Na verdade ele pode estar à espera do golpe final. Porque pelo que parece, a morte de Julião Mathumbu está cansada de esperar.