Saí da minha cidade por vergonha, ao sentir-me fracassada e completamente despojada de dignidade. Fugi do vazio instalado dentro de mim pelas incongruências, e entrei numa carruagem cujo comboio ia a um lugar que nem sequer conhecia. Fui impelida pela força da aventura, na esperança de encontrar a luz que se apagara na totalidade, deixando-me às escuras. Senti vários sinais que me demoviam desse salto que pretendia dar rumo à falésia, mas optei por ignora-los.
Cheguei à Maputo e fui recebida pelas luzes do néon, acreditando que estaria melhor aqui, longe da pacatez e de todos os atalhos silenciosos e de todas as grutas do diabo que eu frequentava até me tornar num desperdício que as pessoas vão desdenhar, mas outras pessoas ainda, irão olhar para mim com compaixão, e eu nunca quis ser tratado com pena, muito menos com desdém, por isso vim à esta metrópole, onde as coisas pareciam correr de feição no princípio, porém agora estou cercado de fedor, eu própria passei exalar mau cheiro por dentro e por fora. Os meus amigos afastaram-se.
Estou no fim da linha, vivo como se estivesse na fila à espera de ser executada, mas os próprios algozes recusam-se a cumprir a sentença do juíz. Apelaram ao tribunal para que me deixasse ali mesmo, no aterro dos vermes, e que vou morrer – segundo eles – por inérc ia. Quem me matar, se me matassem, estaria a sujar suas mãos em vão. Eu já sou um cadáver.
Tenho tido vontade de voltar para casa, mas sinto uma vergonha danada, prefiro dar o último suspiro aqui, na rua onde moro sendo castigada pelo frio implacável. Aliás, por falar do frio, algumas pessoas de coração que vivem nestes prédios, desceram e ofereceram-nos mantas. Só que logo a seguir veio um grupo de indivíduos que nos arrancaram esses cobertores e queimaram-nos, deixando-nos, a mim e aos que vivem comigo neste descampado, descobertos e entregues ao sofrimento.
Ainda que eu queira voltar para casa, como é que vou voltar assim nestas condições miseráveis? Como é que vou encarar a minha família, os amigos que deixei lá? As pessoas! Quero voltar, porém sinto uma vergonha calcinante pois ao chegar irão olhar para mim indagando: É Nyathswa, esta? Meu Deus! Muitos se assustarão pois pareço um fantasma que tem medo de voltar às tumbas, e a minha missão é atormentar quem me vê, por isso não volto.
Não tenho nada, a não ser as lembranças do passado, quando eu era um verdadeiro passarinho em permanente ascenção às nuvens, perto do Céu. Tinha asas tenases que me permitiam planar com alegria, sem medo de cair. Mas foi a minha estupidez, a cobiça sem medida, a ilusão de que o Céu estava ao meu alcance, que me enganaram. Afinal o céu que eu almejava era o inferno, onde estou hoje sem ninguém por perto que me possa amar e levar-me de volta para casa.
Felicitar a PGR pela publicação dos “alegados” nomes dos terroristas e as instituições que apoiam financeiramente o terrorismo em Moçambique é, sem dúvidas, o primeiro passo para que outros actores, interessados em Paz em Moçambique, possam intervir. Não deixemos tudo nas mãos do Estado Moçambicano. Como cidadãos, temos uma palavra a dizer.
“A questão que se coloca é: “quem põe o guizo no gato”? O terrorismo em Moçambique teve início em Outubro de 2017, com o ataque à vila de Mocímboa da Praia e, na altura, não se sabia nada sobre os objectivos, causas e os envolvidos. Passados cinco anos de terror, a PGR publica nomes e instituições que estão por detrás do terror em Cabo-Delgado e a primeira impressão que fica é de que, provavelmente, estamos a um passo do fim destas matanças no nosso território. A questão é: quem toma a iniciativa?”
AB
O Jornal “Carta de Moçambique” publica, na sua edição nº 1166, de 19 de Julho de 2023, a notícia sobre o Terrorismo em Cabo Delgado, intitulando na primeira página o seguinte: “PGR divulga nomes de 43 alegados terroristas, entre os quais Bonomade Machude Omar, que tem seis nomes de Guerra”. Mais adiante indica os seguintes nomes como sendo de guerra do Bonomade Omar: “Omar Saíde, Ibin Omar, Sheik Omar, Nuro Saíde, Abu Shuraka e Abu Sulayka Muhammad”.
Outra novidade sobre o terrorismo em Cabo-Delgado é o facto de se saber através da PGR que Bonomade Machude Omar é cidadão de nacionalidade moçambicana, nascido em Cabo-Delgado, Distrito de Palma. É o líder do terrorismo em Moçambique, tem três esposas e filhos menores em diferentes lugares e é igualmente o elo de ligação com o exterior. Trata-se de um homem “hábil” que o Departamento de Estado norte-americano apelidou de “Terrorista Global” em 2021.
Caso para dizer que vale o ditado que reza que “o corneado é o último a saber”. No caso, os estrangeiros identificaram os executores e mandantes do terrorismo em Moçambique antes de nós os moçambicanos sabermos e os actos sobre os terroristas tomados no estrangeiro vão mais longe e sabe-se que o Conselho da União Europeia, a 23 de Abril do corrente ano, incluiu o nome de Bonomade Machude Omar na lista de sanções da UE, pela responsabilidade nos ataques e violação e abuso dos Direitos Humanos.
Ora, sabe-se que as três instituições colectivas que se supõe financiarem o terrorismo em Moçambique são: “Ansar Al- Sunna, EL-PAC e Estado Islâmico do Iraque e Levante”. Desta feita, conhecidos os terroristas locais, seus líderes e financiadores, podemos estar a um passo do diálogo para se colocar um fim a mortes em Moçambique. Na minha opinião, já não temos motivos para que se perpetue esta guerra fratricida contra cidadãos indefesos em Moçambique, com maior destaque ao Norte de Cabo-Delgado envolvendo, no fundo, todo o Moçambique, já que se recruta em quase todo o território!
Com a informação publicada pela PGR, não cabe somente às instituições do Estado procurar as soluções para o fim deste terrorismo. Cidadãos de bem, instituições de boa-fé e tantos outros interessados na paz no País, incluindo estrangeiros, podem ajudar-nos na promoção do diálogo para a Paz em Moçambique. Em abono da verdade, é mais fácil aos cidadãos de bem promover o diálogo entre os terroristas e o Estado moçambicano que propriamente o Estado moçambicano, devido a desconfianças adjacentes. Por isso, caros moçambicanos e estrangeiros amigos de Moçambique, está aqui a oportunidade de Paz definitiva!
Experiência de Moçambique na busca da Paz
Moçambique possui experiência para “dar e vender” sobre a busca de Paz ao mundo. A Guerra entre o Governo de Moçambique e a Resistência Nacional Moçambicana que durou dezasseis anos culminou num diálogo e assinatura do Acordo Geral de Paz em Outubro de 1992, em Roma, Itália. Contudo, a história conta-nos que os Acordos de Roma foram o culminar de todo um processo que escalou vários países africanos, com destaque para o Quénia, sob patrocínio das instituições religiosas. Ora, são essas as experiências que devem ser accionadas com maior brevidade de modo a acabar com as mortes em Cabo-Delgado.
Muitos dos passos dados para a Paz em Moçambique encontram-se documentados e alguns actores religiosos estão vivos. Infelizmente, alguns já não estão entre nós, mas, certamente, isso não nos deve impedir de avançar rumo à Paz em Moçambique. No documento da PGR, diz-se que os “alegados” terroristas estão em lugar incerto, o que julgo ser normal, pois a PGR não pode, numa situação de guerra, notificar essas pessoas. Mas tratando-se de moçambicanos, certamente, possuem amigos, familiares e outros parentes capazes de ajudar na aproximação e diálogo entre as partes. Espero, com toda a franqueza, ouvir, nos próximos dias, que já há diálogo para colocar o fim a estes actos de terror em Moçambique.
Faz uma semana que me interpelaram para falar de uma opinião publicada e que se vai transformando em opinião pública e se muito não me engano, em medida publica pela via da acção política: de atribuir a demografia toda a culpa pela incapacidade de resolver os problemas vivenciados pela sociedade moçambicana. Qual Malthusianismo! Essa pastosa medida, embora tenha sido proposta em uma época muito diferente, ainda encontra defensores como política de controle da natalidade para solução de problemas econômicos. Em Moçambique, país com diversos desafios socioeconômicos, essa abordagem pode parecer atraente em teoria, pois sugere que controlar o crescimento populacional seria uma resposta eficaz para lidar com as demandas limitadas dos recursos naturais e com a pressão sobre a economia. No entanto, uma análise mais crítica revela que essa perspectiva não é apenas impraticável, mas também perigosa, ignorando as complexidades da realidade moçambicana e desconsiderando soluções mais abrangentes para os problemas enfrentados pelo país. Insisto na minha grande tese: enquanto buscarmos construir um ordenamento jurídico, econômico e político ignorando a essência e fundamento do substracto kultur (entenda-se cultura e escrevo no seu original para não distorcer o seu entendimento) estaremos sempre a construir algo sem alicerces e totalmente desprovido de nexo com a realidade. Outra alienação estrutural!
Não deixa de ser comum senso que Moçambique enfrenta uma série de desafios econômicos, como pobreza generalizada, desigualdades sociais, infraestrutura precária e dependência de setores voláteis, como a agricultura e a exploração de recursos naturais. Em meio a essas questões, surge a ideia de que controlar a taxa de natalidade poderia aliviar a pressão sobre os recursos escassos, porém, essa abordagem simplista ignora fatores fundamentais que contribuem para a dinâmica econômica do país.
Compreendo que seja mais uma imposição das elites financeiras mundiais para países sujeitos aos condicionalismos de ajuda. Para quem não se deu conta, trata-se de implementar aquilo a que chamam de DIVIDENDOS DEMOGRAFICOS. O princípio dos dividendos demográficos é um conceito que se refere à oportunidade única que um país tem de impulsionar seu crescimento econômico e desenvolvimento social por meio de mudanças em sua estrutura demográfica. O conceito baseia-se no fato de que, durante um determinado período, a proporção de pessoas em idade ativa (em idade de trabalho) é maior em relação à população dependente (crianças e idosos).
Embora o princípio de dividendos demográficos seja frequentemente considerado pelos seus adeptos de uma oportunidade para o crescimento econômico e o desenvolvimento social, ele não leva em conta algumas particularidades que o nosso pais possa ser portador e que vale a pena elencar criticamente:
Suposição de crescimento econômico automático: Uma das principais críticas ao conceito de dividendos demográficos é a suposição de que, simplesmente por causa de uma mudança na estrutura demográfica, haverá um crescimento econômico automático. Isso pode levar a políticas públicas mal concebidas e à falta de atenção para outros fatores econômicos e sociais que realmente impulsionam o desenvolvimento.
Ignorar os desafios estruturais. Não levar em consideração os desafios estruturais e institucionais que podem dificultar a realização desses benefícios. Não são poucos os problemas de corrupção, falta de infraestrutura, burocracia e baixa capacidade administrativa podem minar os esforços para aproveitar os dividendos demográficos.
Desigualdade e exclusão social: Em muitos casos, os dividendos demográficos são distribuídos de forma desigual entre a população, concentrando-se em certos grupos e regiões, enquanto outros permanecem marginalizados e excluídos das oportunidades de crescimento econômico. Isso pode levar a um aumento da desigualdade social e acentuar disparidades econômicas.
O contraponto do envelhecimento da população. Existe sempre o outro lado da moeda. Se não forem tomadas medidas adequadas para garantir a sustentabilidade do sistema de previdência social e o apoio aos idosos, os dividendos demográficos podem se transformar em um risco, à medida que a população envelhece e a proporção de pessoas em idade ativa diminui.
Dependência de fatores externos: O conceito de dividendos demográficos pode depender muito de fatores externos, como a demanda global por produtos e serviços do país. Se a economia global enfrentar crises ou choques, os benefícios dos dividendos demográficos podem ser prejudicados.
Supervalorização da população jovem: O foco exclusivo nos dividendos demográficos pode levar à supervalorização da população jovem em detrimento de outras faixas etárias, como crianças e idosos. Isso pode resultar em políticas públicas desequilibradas e insuficiente investimento em educação infantil e cuidados com idosos.
Ora. Alega-se que a aplicação dos dividendos demográficos pode ser benéfica para impulsionar o crescimento econômico e reduzir a pobreza em Moçambique.
A realidade demográfica e cultural de Moçambique leva-nos a uma matriz duplamente complexa e que refutaria soluções do tipo c.q.d (como queríamos demonstrar, da matemática) para compreender como que a dinâmica demográfica factoriza nos fenômenos econômicos. Para expressar o que penso, não temos tanta população assim. Até penso que faltam mais moçambicanos. Mas, devo dizer que pensar na aplicação do Malthusianismo em Moçambique enfrentaria sérios obstáculos relacionados à sua estrutura demográfica e à cultura do país, bem como a inadaptabilidade de um modelo fatalmente condenado. Moçambique possui uma população jovem, com uma taxa de fertilidade ainda relativamente alta. Isso é resultado de fatores culturais e sociais, além de questões como o acesso limitado à educação e a escassez de opções contraceptivas efetivas. Forçar uma política rígida de controle da natalidade poderia gerar resistência e aprofundar as desigualdades, ignorando a importância de outras intervenções mais significativas e visíveis tidas como meios para a tomada de decisões reprodutivas informadas.
1. Limitações econômicas e falta de investimento: A política de controle da natalidade como solução única para problemas econômicos não aborda as principais questões estruturais enfrentadas por Moçambique. É essencial investir correctamente em infraestrutura, educação, saúde e agricultura para promover o desenvolvimento sustentável. Ao focar exclusivamente na redução populacional, ignora-se a necessidade de investimentos em setores-chave que podem impulsionar a economia e melhorar a qualidade de vida da população.
2. Impacto social e direitos humanos: A implementação do Malthusianismo pode resultar em violações dos direitos humanos e questões éticas, já que forçar ou coagir famílias a limitarem o número de filhos fere a liberdade individual e a autonomia reprodutiva. Além disso, tal abordagem pode marginalizar grupos já vulneráveis, como as comunidades rurais e as minorias étnicas.
Embora o Malthusianismo possa parecer uma resposta simples para os problemas econômicos de Moçambique, uma análise mais profunda revela suas falhas intrínsecas. A solução para os desafios do país não pode ser simplificada em uma única política de controle da natalidade, mas requer um enfoque holístico que leve em consideração fatores demográficos, socioeconômicos e os essencialmente culturais. Invistam em outras soluções para a construção de uma sociedade mais justa e próspera em Moçambique.
Celebrámos, semana passada, o Dia Mundial da População, o 11 de Julho. Conforme refere a Wikipedia, trata-se de um evento celebrado anualmente, com o objectivo de “alertar para as questões de planeamento e desenvolvimento populacional, quando parte significativa da humanidade não tem acesso a recursos e serviços básicos como saúde, educação, saneamento e alimentação, entre outros.” O evento foi criado pelo Conselho de Governo do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas em 1989, inspirado pelo interesse público no Dia dos Cinco Biliões, em 11 de Julho de 1987, data aproximada em que a população mundial atingiu cinco biliões de pessoas. Hoje por hoje, estamos acima dos oito biliões de pessoas. Entre nós, os dados indicam que estamos à volta dos 32 milhões e, em dez anos, deveremos atingir quase o dobro.
Este ano, ao contrário dos anos passados, não houve cerimônias pomposas, nem intervenções oficiais contundentes, salvo se nos tiverem passado despercebidas. Do muito que ouvimos dos discursos das nossas autoridades, incluindo as chefias supremas, a única mensagem é que “o crescimento exponencial da população constitui um grande desafio” às nossas políticas de desenvolvimento.
Com efeito, a alta taxa de natalidade que grassa em Moçambique e não só, mas também um pouco por todos os países menos desenvolvidos é, sim, um grande desafio. Um grande constrangimento. Um travão muito grande ao desenvolvimento; um factor que retrocede os ganhos que vão sendo conseguidos. Se não, vejamos!
As Nações Unidas falam de alertar para as questões de planeamento e desenvolvimento populacional, quando parte significativa da humanidade não tem acesso a recursos e serviços básicos como saúde, educação, saneamento e alimentação, entre outros. Este é o busílis da questão. Cá entre nós, ainda não conseguimos providenciar serviços básicos de saúde a todos os compatriotas; estamos a lutar sem tréguas para termos centros de saúde para os concidadãos ou casas de mãe-espera em grande parte das regiões do nosso Moçambique; ou a construir hospitais de referência nos distritos e hospitais provinciais nas capitais de províncias… Estamos empenhandíssimos em tirar as crianças do chão e ao relento para salas de aulas com carteiras - infelizmente, não temos estado a conseguir faz tempo; ademais, em muitas partes do país ainda não temos ou o ensino básico, ou o secundário, ou o médio, ou os três e ainda estamos a lutar desesperadamente para conseguir… Em Moçambique, grande parte da nossa população não tem água potável e não estamos a conseguir providenciar-lhe a ritmo satisfatório… Em termos alimentares, todos nós nos lembramos da revolta nacional suscitada pelo ministro Celso Correia quando disse, a plenos pulmões, que os moçambicanos já tinham três refeições diárias…
Estamos com este quadro cinzento e ainda somos 32 milhões de habitantes e continuamos a crescer 400 a 600 mil por ano. E nada nos diz que este quadro se vai alterar nos próximos cinco a dez anos. Não sei se alguém põe a cabeça a prêmio em como em dez anos teremos escolas condignas para todas as nossas crianças; ou que teremos hospitais (não digo centros de saúde, que são de menor graduação) para todos os nossos compatriotas; ou que teremos água potável para todos os moçambicanos e três refeições diárias de verdade e não as celsocorreanas!… a não ser que seja um… ragendra aí!
Estamos mesmo a imaginar o que será quando tivermos 40 ou 60 milhões de habitantes? Hoje, estamos 32 milhões e não conseguimos oferecer o básico condigno. E nós só vamos dizendo é um desafio, é um desafio… e não estamos a fazer nada. Absolutamente nada. Senhores, vamos ter uma política de população concreta. Desafiante, tamanho é o desafio que temos pela frente. Costuma-se dizer que para grandes males, grandes remédios. É obrigação nossa termos um instrumento que nos ajude a moderar o crescimento populacional. É imperioso controlarmos a taxa de natalidade! Tenhamos a coragem que nos falta por um país agradável, razoável, saudável e em desenvolvimento - e não em regressão aritmética. Eu proporia que aconselhássemos aos nossos concidadãos a terem até quatro, cinco filhos… para podermos lhes proporcionar um futuro melhor!
ME Mabunda
Nos termos do nº 1 do artigo 240 da Constituição da República: “o Conselho Constitucional é o órgão de soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça, em matéria de natureza jurídico-constitucional.” No mesmo sentido, determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 243 da Constituição da República: “Compete ao Conselho Constitucional declarar a inconstitucionalidade das leis e a ilegalidade dos actosnormativos dos órgãos do Estado.” A mesma norma consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 6 da Lei n.º 2/2022, de 21 de Janeiro(Lei Orgânica do Conselho Constitucional). O que significa que para além da competência em matéria de declaração de inconstitucionalidade, ao Conselho Constitucional também compete apreciar e declarar a ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado, os quais incluem, entre outros, os regulamentos, normalmente aprovados por decretos visando regulamentar determinada lei.
Ora, curiosamente, o artigo 101 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro (Lei que regula os Procedimentos Atinentes ao Processo Administrativo Contencioso – Lei do Contencioso Administrativo) sob a epígrafe – “Natureza e finalidade da impugnação de normas” - estabelece o seguinte:
Tendo em atenção as supra referenciadas normas da lei do Contencioso Administrativo é fácil de perceber que a jurisdição administrativa tem competência para apreciação e declaração de ilegalidade dos actos normativos, mas que originam da função administrativa. Parece tratar-se de uma competência excepcionalrelativ
No entanto, a alínea a) do n.º 1 do artigo 243 e o artigo 244,ambos da Constituição da República, não limitam a competência do Conselho Constitucional sobre os actos normativos dos órgãos do Estado, quando sejam emitidas no desempenho da função administrativa. O que significa que se forem emanadosactos normativos no desempenho da função administrava que sejam contrários à lei, o Conselho Constitucional tem competência para a declaração de ilegalidade se for chamado a apreciar o caso. Só não terá tal competência se o acto não for normativo. Importa aqui lembrar que os actos não normativos emitidos no desempenho da função administrativa também não cabem nos processos de impugnação de normas prevista no artigo 101 e seguintes da Lei do Contencioso administrativo.
Parece haver aqui um conflito de competências em razão da matéria entre o Conselho Constitucional e o Tribunal Administrativo relativamente à apreciação para a declaração de ilegalidade actos normativos emitidos no desempenho da função administrativa, entanto que órgãos do Estado, que precisa ser legalmente clarificado com vista a evitar mal entendidos, usurpação de competência, incoerência jurídico-legal em prejuízo dos direitos e liberdades dos cidadãos, do interesse público e da realização da almejada justiça, senão vejamos:
Um decreto do Conselho de Ministros ou um regulamento de um determinado Ministério que estabelecem normas sobre aplicabilidade de uma certa lei constituem, regra geral, normas emanadas no desempenho da função administrativa até porque se trata simultaneamente de órgãos do Estado e administrativo, ou seja, da Administração Pública. Resta saber se, na emissão dos decretos ou regulamentos, o Conselho de Ministros ou os Ministérios estão ou não no âmbito da função administrativa e até que ponto as normas emitidas no desempenho da função administrativa não enquadram os actos normativos dos órgãos do Estado sobre os quais o Conselho Constitucional tem competência para declaração de ilegalidade!?
A problemática que aqui se levanta dá a entender que, se a jurisdição administrativa apreciar um processo sobre a impugnação de determinadas normas emitidas no desempenho da função administrativa e negar declarar a ilegalidade das mesmas, nada obsta que as mesmas normas sejam submetidas ao crivo do Conselho Constitucional para a declaração de ilegalidade, o que cria uma confusão jurídica, uma vez não se tratar de um processo de recurso da decisão da jurisdição administrativa para a jurisdição constitucional. Da Constituição República e da Lei Orgânica do Conselho Constitucional não sevislumbra qualquer limitação da competência do Conselho Constitucional em declarar a ilegalidade das normas emitidas no desempenho da função administrativa desde que preencham o requisito essencial de actos normativos dos órgãos do Estado.
Portanto, ainda que se diga haver equívoco no exercício hermenêutico do autor do presente artigo relativamente aos limites da competência do Conselho Constitucional e da jurisdição administrativa em razão da matéria sobre a declaração de legalidade de normas emitidas no desempenho da função administrativa, a verdade é que tais limites definidos como regra geral na Constituição da República e na Lei Orgânica do Conselho Constitucional e como excepção na Lei do Contencioso Administrativo são tenebrosos, de tal sorte que carecem de melhor definição ou determinação na reforma ou revisão que se pretende levar a cabo desta última Lei.
PS: Este artigo constitui um singelo contributo para a reforma da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro (Lei do Contencioso Administrativo).
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
“– Ele vai bater! Hê! Hê! Bate mesmo!...
– Deixa lá isso!... – interrompeu o estudante, num tom de voz contrariada e que parecia mais apropriada para um professor.
– Olha, n´duwê, eu paguei dez escudos, como você...
– Pôrra! Que merda é essa?... Mas não quero que conte!... – replicou o estudante, já com a voz a ficar rouca de ira.
– Faz o que quiser, mas eu farei aquilo que entender!...
– Merda, pá! Ficar com molwenes, pá, é chato!
– Não fala assim para mim, ouviu? Se sou molwene, qual é o mal? Sou molwene e também sei isto – mostrou o punho cerrado com vigor – e isto! – bateu no crânio - A chim-butso!, irmão...sou de Bilene Macia, nwana mamana! – e abanou a cabeça. – Preto é duro!
Bateu com o punho no peito, posto a descoberto pela camisa desabotoada, até ao sítio onde começava o ventre.”
(“Os Molwenes”, Isaac Zita)
Não fosse o infortúnio da sua prematura entrevista com a morte, a 17 de Julho de 1983, Isaac Zita ter-se-ia afirmado, indubitavelmente, como o primeiro talento de verdadeiro gabarito na ficção moçambicana no pós-independência, tão surpreendentes quanto invulgares eram as suas qualidades como prosador. A sua erupção literária, no entanto, foi brevíssima, contudo dela ficou o espólio do seu raro dom narrativo. Quis o destino tecer-lhe outros acasos. Um deles este absurdo silêncio em que o seu nome se encontra obnubilado.
Albino Magaia, homem culto e de grande generosidade, que me incumbiu de editar a “Gazeta de Artes e Letras”, da ínclita revista “Tempo”, quando eu era apenas um efebo, e que me falava com entusiasmo deste nome assombroso, no prefácio que haveria de redigir para “Os Molwenes”, editado em 1988, pela AEMO, faz uma das pouquíssimas descrições que se conhecem deste jovem escritor, de fina estirpe, desaparecido cinco anos antes: “Era alto, gestos largos, olhar inteligente. Trazia na mão três cadernos escolares, enrolados. Na conversa que se seguiu fiquei a saber que os cadernos continham contos de sua autoria. Vinha pedir que eu lesse e desse a minha opinião sobre eles”.
Isaac Zita fora ao encontro do então chefe de redacção da “Tempo”, jornalista, poeta, cronista e ficcionista consagrado. Tinha o aspirante 18 anos. Magaia, quando leu os textos, percebeu, de imediato, que estava perante um “caso” invulgaríssimo: “Isaac Zita era, indubitavelmente, um jovem talentoso e com um poder de observação extremamente agudo”. Publicar-lhe-ia dois contos no hebdomadário. Anos depois, o mestre do nosso jornalismo está entre os que promovem a edição póstuma do livro de contos “Os Molwenes”.
A estudiosa Fátima Mendonça redigiria para essa publicação um pungente posfácio. O texto tem um tom pessoal infrequente, o que se justifica pela proximidade e amizade de ambos. É outra peça valiosa sobre o escritor. Isaac Zita fora seu aluno e ela tomara contacto com os seus textos também em 1979: “Isaac Zita, apesar dos seus imaturos 19 anos era senhor de uma escrita segura, reveladora de grande maturidade e possuidor de uma invulgar capacidade de narrar acontecimentos, colhia do real aspectos aparentemente mais irrisórios para os transformar, pelas vias da ficção e da criatividade, em produto estético capaz de exercer forte atracção sobre o leitor”.
Isaac Mário Manuel Zita nascera a 2 de Fevereiro de 1961, em Maputo, sexto filho de uma numerosa família de 9 irmãos. Teve uma infância duríssima e uma adolescência inclementemente pobre. Obstinado, fez dos estudos uma forma de vencer aquela maldição. Fê-lo com tenacidade. Estudou sucessivamente na Escola Primária das Mahotas, na Secundária Estrela Vermelha e no Instituto Industrial 1º de Maio. Tendo concluído o curso de Química, em 1978, é afecto à Faculdade de Educação e, durante o ano de 1979, frequenta o curso de formação de professores. Em 1980, concluído o curso, será colocado, a seu pedido, em Cuamba, como professor na Escola Secundária. Tinha formação para leccionar 5ª e 6ª classes. Depois da sua experiência em Cuamba retorna a Maputo em 1982 e retoma a Faculdade de Educação. Seria para uma formação que o capacitasse a dar aulas a alunos de 7ª, 8ª e 9ª classes. Foi quando fazia este curso que a morte o quis no seu conclave.
Em 1980, o INLD quis publicar-lhe um livro de contos. Extremamente modesto, confessava à sua professora Fátima Mendonça: “penso que ainda estou ´verde´”. Foi naquele ano em que se iniciou a publicação da mítica colecção Autores Moçambicanos e que deu estampa a obras de José Craveirinha (“Cela 1” e “Xigubo”), Luís Carlos Patraquim (“Monção”), Orlando Mendes (“Lume Florindo na Forja” e “Portagem”), Carneiro Gonçalves (“Contos e Lendas”), Sebastião Alba (“O Ritmo do Presságio” e “A Noite Dividida”), Rui Nogar (“Silêncio Escancarado”), Jorge Viegas (“O Núcleo Tenaz”) e Albino Magaia (“Assim no Tempo Derrubado”).
Anos depois, Zita integraria, no entanto, a colecção Karingana, da AEMO, que antes dele publicara: Mia Couto (“Vozes Anoitecidas”), Albino Magaia (“Malungate”), Aníbal Aleluia (“Mbelele e Outros Contos”) e Calane da Silva, “Xicandarinha na Lenha do Mundo”. Estava em boa companhia. Falhara a ideia de o editar como primeiro nome da colecção “Início”, que era dedicada a jovens talentos e que revelou, entre outros, o arrebatado e arrebatador poeta Eduardo White, com o livro “Amar sobre o Índico”.
Fátima Mendonça, que manteve correspondência com o jovem escritor, quando ele se encontrava em Cuamba, cita parte da mesma, com data de Março de 1980: “Sobre os livros, aqui na escola há uma biblioteca que tem livros sem interesse: são “metafísicos” ou algo parecido porque isto era coisa de padres. Só levei três que são: “O Jogador” de Dostoievsky, “A Morte de Ivan Ilich” de Tolstói e outro de Tchekhov, “A Enfermaria nº 6 e Outros Contos”. Zita era um leitor exigente, com critérios. Escrupuloso.
A sua escrita para além das características que lhe apontaram Albino Magaia e Fátima Mendonça, denota, quanto a mim, uma grande e prematura erudição, uma riqueza vocabular e um domínio linguístico irrepreensível. A sua dicção é extraordinária, o recorte das personagens patenteiam a sua sensibilidade, os ambientes descritos com firmeza de um verdadeiro mestre da narrativa. Aliás, mesmo a esta distância, não abundam, entre nós, indivíduos da mesma casta e com as mesmas qualidades na fábula. Isaac Zita era um escritor admirável. Precisaria de tempo para se afirmar, é certo. Esse tempo os deuses, sempre caprichosos, não lhe quiseram dar.
Para além de dominar a descrição, é habilidoso nos diálogos. Os diálogos são, na ficção narrativa, de difícil conseguimento. É uma das técnicas mais árduas. Poucos escritores sabem fazer diálogos. A escrita de Zita ostentava já, não obstante a sua idade, uma acurada carpintaria literária. Os temas ou os motivos são aparentemente sem grande relevância, mas depois, na sua indústria, desencadeiam conflitos e tensões que nos colhem de surpresa.
Creio não estar muito longe da verdade se asseverar que Isaac Zita é, à época, o mais directo e dilecto herdeiro de Luís Bernardo Honwana. Os seus textos são sempre muito breves, numa notável e sedutora prosa, de uma elegância incensurável, translúcida e bem urdida. Há outras afinidades com o autor de “Nós Matámos o Cão Tinhoso”: os temas da infância e juventude, os ambientes e as personagens.
Isaac Zita está, por conseguinte, na tradição dos grandes contistas moçambicanos, daqueles que sabem armar uma história, contá-la sem artifícios desnecessários. Um narrador de grande quilate. Produziu abundante e febrilmente, devia suspeitar que teria uma curtíssima vida. Os contos, que estão reunidos no livro “Os Molwenes”, são parte um acervo que a família confiou, quando ele morreu, à Associação dos Escritores Moçambicanos.
Quarenta anos depois do seu ocaso, sobreveio-lhe o oblívio, comum aos nossos melhores. Esta parece ser a sina a que estão fadados os autores moçambicanos. Isaac Zita subscreve uma espécie de fatalismo trágico na nossa literatura. Há uma data de escritores que morreram muito jovens e, no entanto, deixaram, alguns deles, obras notáveis. Muitos deles, ou quase todos, porém, não sobreviveram à desmemória e permanecem soterrados num espesso limbo de esquecimento.
Esta escrita, iminentemente biográfica, tem marcas, muito presentes, da sua infância e adolescência extremamente pobres. Isaac Zita, sabe-se, ficou órfão muito cedo, sendo criado pela mãe (um dos contos é justamente “A Mãe”). A figura do pai aparece subliminarmente em algumas passagens do seu livro, mas as personagens essenciais da sua obra literária são aquelas que estão desprovidas de tudo, as que vivem submergidas na miséria, aquelas cujo futuro é, seguramente, a marginalidade ou a morte. Esta escrita não esconde a angústia e o desespero, o desengano e o desencanto.
Por outro lado, está aqui magistralmente cartografada uma época e as suas profundas fissuras sociais, muitas destas anomias apenas se travestiram, mas permanecem duráveis na sociedade. Pese embora muitos dos seus textos se situem temporalmente no período anterior à independência, os problemas que sondam são actuais. Isaac Zita é, por conseguinte, um escritor actualíssimo. Aliás, a sua escrita dá-nos notícia de um tempo, o que é, afinal, um dos avatares da literatura - a grande literatura faz justamente isso mesmo.
Vivemos, temo-lo dito, num país que se compraz com o esquecimento e desdenha os seus melhores. Mortos ou vivos, alguns dos nossos mais altos criadores, alguns dos nossos singulares intérpretes, não escapam ao opróbrio do esquecimento, ao oblívio, à omissão, à supressão, à deslembrança, ao olvido. Parece um anátema da moçambicanidade.
Existe, em Maputo, uma rua Isaac Zita (no caso até com o nome mal grafado, o que revela falta de diligência dos intendentes camarários), mas não há notícia de muito mais que se tenha feito pela obra e pelo nome deste escritor. A fortuna, nos nossos dias, cobre nomes adiposos. Ou aos que se prestam ao ufanismo - à estouvada algazarra sobre a Pátria.
Retorno, todavia, ao texto lancinante de Fátima Mendonça:
“Em 1982 Isaac Zita regressou à U.E.M. para completar a 2ª fase do seu curso. Fui então de novo sua professora. Continuava a escrever. No bairro de Hulene onde vivia com a mãe idosa e alguns dos numerosos irmãos numa modesta casa que fazia lembrar a casa descrita no conto “O Areal”. Não era de alvenaria. Não tinha electridade. Isaac escrevia “romanticamente” à luz de um candeeiro de petróleo. Sobre uma tosca mesa rectangular. Pouco mais.
3 dias antes de a vida o abandonar mostrou-me um poema. Notava-se a presença de Craveirinha em casa verso. Disse-lhe com a franqueza que a nossa amizade autorizava: Isaac, deixa-te de versos! O que tu vais ser é um grande prosador! Trocámos mais algumas palavras sobre as dores de cabeça que ultimamente vinha sentido. Lês demais, disse-lhe, deves andar cansado! Despedimo-nos. Até segunda. Era uma sexta-feira de Julho e o sol estava frio. Na segunda-feira de manhã fui colhida com a notícia brutal: O Isaac morreu. Durante momentos o sentido das coisas perdeu-se. Depois família, amigos, colegas, professores fomos deixar o Isaac para sempre na terra. Durante semanas as nossas aulas eram tristes e o lugar do Isaac ficou vago.”
Com este testemunho doloroso balizo, aqui, esta memória de Isaac Zita, que morreu com apenas 22 anos, a 17 de Julho de 1983 – passam hoje 40 anos! Era um escritor de primeiríssima água, narrador de finíssima sensibilidade, homem que cauterizava as injustiças sociais e que buscava, empenhadamente, iludir o destino que lhe parecia ter cabido na dura infância e na árdua adolescência tão luminosamente descritas em “Os Molwenes”, livro que, conjecturo, deve pertencer, sem favores, ao cânone literário moçambicano.