Saí da minha cidade por vergonha, ao sentir-me fracassada e completamente despojada de dignidade. Fugi do vazio instalado dentro de mim pelas incongruências, e entrei numa carruagem cujo comboio ia a um lugar que nem sequer conhecia. Fui impelida pela força da aventura, na esperança de encontrar a luz que se apagara na totalidade, deixando-me às escuras. Senti vários sinais que me demoviam desse salto que pretendia dar rumo à falésia, mas optei por ignora-los.
Cheguei à Maputo e fui recebida pelas luzes do néon, acreditando que estaria melhor aqui, longe da pacatez e de todos os atalhos silenciosos e de todas as grutas do diabo que eu frequentava até me tornar num desperdício que as pessoas vão desdenhar, mas outras pessoas ainda, irão olhar para mim com compaixão, e eu nunca quis ser tratado com pena, muito menos com desdém, por isso vim à esta metrópole, onde as coisas pareciam correr de feição no princípio, porém agora estou cercado de fedor, eu própria passei exalar mau cheiro por dentro e por fora. Os meus amigos afastaram-se.
Estou no fim da linha, vivo como se estivesse na fila à espera de ser executada, mas os próprios algozes recusam-se a cumprir a sentença do juíz. Apelaram ao tribunal para que me deixasse ali mesmo, no aterro dos vermes, e que vou morrer – segundo eles – por inérc ia. Quem me matar, se me matassem, estaria a sujar suas mãos em vão. Eu já sou um cadáver.
Tenho tido vontade de voltar para casa, mas sinto uma vergonha danada, prefiro dar o último suspiro aqui, na rua onde moro sendo castigada pelo frio implacável. Aliás, por falar do frio, algumas pessoas de coração que vivem nestes prédios, desceram e ofereceram-nos mantas. Só que logo a seguir veio um grupo de indivíduos que nos arrancaram esses cobertores e queimaram-nos, deixando-nos, a mim e aos que vivem comigo neste descampado, descobertos e entregues ao sofrimento.
Ainda que eu queira voltar para casa, como é que vou voltar assim nestas condições miseráveis? Como é que vou encarar a minha família, os amigos que deixei lá? As pessoas! Quero voltar, porém sinto uma vergonha calcinante pois ao chegar irão olhar para mim indagando: É Nyathswa, esta? Meu Deus! Muitos se assustarão pois pareço um fantasma que tem medo de voltar às tumbas, e a minha missão é atormentar quem me vê, por isso não volto.
Não tenho nada, a não ser as lembranças do passado, quando eu era um verdadeiro passarinho em permanente ascenção às nuvens, perto do Céu. Tinha asas tenases que me permitiam planar com alegria, sem medo de cair. Mas foi a minha estupidez, a cobiça sem medida, a ilusão de que o Céu estava ao meu alcance, que me enganaram. Afinal o céu que eu almejava era o inferno, onde estou hoje sem ninguém por perto que me possa amar e levar-me de volta para casa.