Nunca o conheci de perto, no sentido de estarmos na mesma mesa em abstração, falando de coisas que não têm nada a ver com política. Jamais o entrevistei na minha qualidade de jornalista, embora tenha tido ao longo deste tempo todo – continuo a ter – motivos mais do que muitos para o fazer, sobretudo para ter dele a explicação de determinados assuntos que nos apoquentam, numa cidade elegida para brilhar, mas que , entretanto, esse brilho está a escurecer.
Foi na altura em que concorria para o cargo de presidente do Município de Inhambane, que ouvi falar dele pela primeira vez, e pareceu-me um jovem simpático, de boa educação, capaz de, com a sua humildade, descer até ao nível do chão onde vive a esmagadora maioria dos seus compatriotas. Simpatizei-me com ele de longe, sem reservas, até porque votei nele, sem querer dizer com isso que tenha sido algum compromisso pessoal que me movia. O que me levou à urna não será mais do que o desejo de ver a minha cidade nos escaparates das urbes mais limpas de Moçambique.
A aparente humildade de Guimino e a sua vontade de trabalhar com afinco em benefício dos munícipes, levaram-no a publicar o seu número de celular para quem o quisesse contactar para alguma preocupação ou ideias de melhorar este e aquele aspecto da sua governação, e foi esse o número que usei em algumas ocasiões para apresentar as minhas inquietações em relação às obras que iam sendo feitas pela edilidade, mas o presidente do Município nunca antendeu às minhas chamadas. Fiz várias mensagens – com o meu nome assinado - alertando-o sobre a má qualidade das vias de acesso pavimentadas, mesmo assim, o edil ignorou-me.
Hoje há um problema que roça a violação dos direitos humanos na cidade de Inhambane, e o violador desses direitos é o próprio Guimino. Ou seja, o Banco de Moçambique (BM) pretende construir um monumento no bairro Matadouro onde vivem mais de cinquenta famílias, e para que o projecto do BM seja executado é necessário desalojar aquele conglomerado e reassentar as pessoas noutro lugar. Então, o Banco de Moçambique, consciente disso, desembolsou um valor que até hoje não sabemos muito bem quanto é que é. Fala-se de cerca de cinquenta milhões, entretanto o presidente do Município já veio dizer que não é esse o valor.
Mas o problema surge, independentemente dos valores que tenham sido alocados, quando a edilidade - sob batuta de Guimino – avança com a construção de casebres no bairro Malembwane, sem as mínimas condições de habitabilidade, violando um dos direitos do homem, que é o direito a uma habitação condigna, tanto é que, ao que nos parece, há dinheiro para isso. Os residentes de “Matadouro” recusam-se a sair para aqueles cubículos insultuosos e desprezíveis. Mas Guimino obriga-os, mesmo assim, a abandonar o lugar requerido pelo Banco de Moçambique.
Foi nesta situação que se confirmou – depois de vários outros momentos - a perca de humildade por parte do edil, ao afirmar nos seguintes termos, dirigindo-se à população: “quem quiser sair que saia, quem não quiser, que fique, eu sei o que vou fazer”. Eu não sei se isso não será desprezo pelo povo! Aliás, um dos moradores disse assim a Benedito Guimino: “você está a tratar-nos como se fossemos papel higiénico, você está a ameaçar-nos, e esquece que fomos nós que lhe elegemos”. Na verdade é uma ameaça de um homem que não vai deixar, com certeza, boas memórias por aqui. Até porque seria de bom senso que fosse feita uma investigação sobre este problema do bairro Matadouro.
“O Futuro dos negócios no mundo passa pela agricultura, será a agricultura a criar novos homens ricos no verdadeiro sentido da palavra e, aqui, não me refiro a homens endinheirados, falo de ricos, Moçambique ainda não teve esta visão. O verdadeiro empresário não é quem ganha muito dinheiro com “BOLADAS”, mas aquele que possui obrigações com o Estado, trabalhadores, sociedade onde se encontra inserido. Na verdade, o empresário é um cidadão comprometido com a Nação, um verdadeiro homem de princípios e de valores. Ganha dinheiro, mas tem outras e mais responsabilidades”.
AB
O meu amigo Rogério Gomes lançou um debate interessante no grupo do “Sector Privado” sob gestão da CTA –Confederação das Associações Económicas de Moçambique, questionando sobre o verdadeiro empresário entre aquele que vive de boladas e aquele que, possuindo armazéns, hectares de terra arável, fábrica com maquinaria obsoleta, queixa-se de forma recorrente da falta de dinheiro o seu alto custo.
Felicitei o Rogério no referido grupo e dei algumas contribuições que, por ser via WhatsApp, achei pouco. Pretendo aqui e agora não rebater aquilo que escreveu e bem, mas trazer uma contribuição ao tema que me parece de actualidade e no interesse da sociedade e dos empresários em particular. Na verdade, fazer boladas por si só não outorga a pessoa a denominar-se empresário e/ou homem de negócios no verdadeiro sentido.
A pessoa que usa as oportunidades que o mercado oferece e por via disso ganha dinheiro, que é denominado “BOLADA” em Moçambique, não é empresário e tão pouco homem de negócios. E porque isso:
Em contrapartida, para realizar o seu negócio, o verdadeiro empresário deve possuir um Alvará que o habilita a seguir um determinado segmento de negócio. O empresário não faz o que quer ainda que o mercado mostre carências, ou seja, se não tem licença para vender por exemplo cimento de construção, o empresário não o fará porque o mercado mostra-se com carência. Para tal, ele terá de requerer nas entidades competentes a Licença e somente depois o poderá fazer, ao contrário do Homem das “BOLADAS” que não tem qualquer obrigação. Se hoje o que dá é feijão, vai comprar e vender feijão, se amanhã descobre que o mercado necessita de ferro de construção irá inclinar-se para o ferro de construção e assim sucessivamente.
O empresário tem obrigações com o Estado, paga impostos, que não são poucos. Sublinhe-se, paga várias taxas Municipais, paga a Segurança Social dos seus trabalhadores, para o Seguro de Acidentes dos seus trabalhadores, possui responsabilidade social com os mesmos e, em caso de despedir um deles, obriga-se a multa de indemnização, o que não ocorre com o homem das “BOLADAS”.
Na verdade, quando se diz que o vendedor informal destorce o mercado, muitos funcionários públicos “torcem o nariz” e apelidam de medo de concorrência. A concorrência de um informal é e será sempre uma concorrência desleal. Tenho dado exemplo de um revendedor de tomate, um é informal e outro formal. Se o informal compra a Caixa de tomate a 100,00 mt e vende a 120,00 mt, ganha um lucro bruto de 20,00 mt. Mas o formal, adquirindo nas mesmas condições, tem a obrigação com o seu empregado, com o IVA que são 17%, com as taxas Municipais entre outros, ou seja, o formal, usando a mesma fonte, acumula prejuízos onde o informal ganha dinheiro!
Esta é a grande diferença entre uns e outros, quando não se tem obrigações com ninguém, você ganha dinheiro que se farta, pode ser tudo menos empresário, pode até subornar tudo e todos num Estado infestado por corrupção, mas não será jamais nenhum empresário, não passara de um indivíduo que foge das autoridades sempre que se verifica a rotação destes, uma vez que, a vida deste baseia-se no suborno. Esta é que é a verdade.
Mas o Rogério Gomes fala de empresários com Fábricas com maquinaria obsoleta, centenas de hectares sem produção agrícola, Armazéns vazios de entre outras realidades que vivenciamos na nossa praça. Temos de ter humildade de fazer este debate com alguma serenidade, este empresário a que se refere o Rogério é produto da reestruturação da economia centralizada para a economia do mercado. Este empresário é produto do PRE – Programa de Reabilitação Económica em Moçambique e aqui não devemos ter receio de colocar o dedo na ferida.
Colocando o dedo na referida ferida diria o seguinte: muitas das privatizações foram feitas na base de “compadrio e amizades” não propriamente, porque a pessoa que ficou com uma determinada empresa, fábrica e ou armazém era a mais indicada. No caso das empresas agrícolas, o próprio Estado chegou ao ponto de aquilo que foi sempre uma Empresa, retalhar e daí resultar, por exemplo, cinco a seis Empresas. Isto trouxe um grave limitante do ponto de vista de continuidade porque, dos cinco ou seis que alienaram, se calhar, um ou dois dominam a área e estão entre os “protegidos” de alguém que está no Estado, essas duas pessoas terão dificuldades reais de trabalhar a sua parcela.
Muitos perguntam porquê! Sim, tem razão, se tu estas a trabalhar numa terra rodeado de terras em poisio não regular, todos os males que advêm dessas terras em poisio irão afectar-te. Dou exemplo de Marracuene, onde a intrusão salina é hoje uma realidade devido a esta atitude, até certo ponto irresponsável dos detentores do poder. O outro problema é do custo de produção, repare que, se tu trabalhas a terra rodeada desse poisio, todas as pragas que aparecerem do capim e outras manifestações de falta de cultivo, irão afectar a machamba em actividade! A pergunta que se pode e se deve fazer é: isto resultou da falta de conhecimento!? Francamente que não sei dizer. Dou mais um exemplo: o bloco 1 da Moamba foi grande produtor de batata reno, visite hoje e diga-me o que tem como produção e quantos proprietários revindicam direito de posse de terra!
Mas a questão não pode ser vista somente por aí, depois das privatizações e porque o grosso dos proprietários não estavam “KITS” com o Estado, até então dono dessas propriedades, essas fábricas, armazéns e ou hectares de terras não poderiam ser usados como colaterais para obter crédito. Aqui retiro a Terra, somente no Governo de Armando Guebuza tornou-se efectiva esta possibilidade, nos casos em que tivesse pago uma determinada percentagem, não tenho em memória, mas julgo não ser relevante.
Na minha opinião, interessava a alguém, não me pergunte quem, demonstrar por A mais B que aquele cidadão que ficou com a Fábrica, armazém e outro negócio intervencionado não possui capacidade para manter o negócio. Deixe-me derivar daqui para as Fábricas de Castanha de Caju, o que são hoje essas fábricas que outrora empregaram milhares de pessoas, o FMI – Fundo Monetário Internacional veio a público reconhecer o erro no processo de liberalização de exportação de castanha de caju e depois...
Adelino Buque
O uso crescente das plataformas digitais resulta de um conjunto de transformações que o mundo conhece desde a criação da Internet. Por hipótese, podemos argumentar que essa lógica é uma característica própria do que pode ser chamado de ‘sociedades modernas’. Para tal, duas razões seriam cruciais para explicar a emergência desta realidade. Por um lado, os partidos políticos e as organizações tradicionais (associações, sindicatos e igrejas) perderam o seu controlo sobre a sociedade, deixando espaço para outras instituições (menos formais e burocráticas) organizarem a acção política dos cidadãos (Gaxie & Pelletier, 2018). Por outro, as ligações sociais têm-se tornado cada vez mais fluidas – os políticos deixaram de ser uma inspiração social e nutrem menos confiança dos seus governados.
Assim, a utilização das redes sociais da Internet acaba por estar intimamente ligada à participação política, especialmente às formas de engajamento cívico ‘não convencionais’, tais como os protestos, petições, boicotes e ocupações. Por exemplo, evidências de fora de Moçambique já mostraram que a utilização do Facebook e Twitter é um forte preditor do envolvimento político (Scherman & Rivera, 2021). Embora estas conclusões sejam determinantes, parte significativa dos trabalhos nesta área revelam que tais estudos foram realizados quando a penetração dos meios de comunicação social era consideravelmente menor do que é actualmente, sobretudo se tivermos em conta a ‘Primavera Árabe’ como exemplo de destaque. Isto leva à questão de saber se os media sociais ainda estão correlacionados com a participação política, num contexto em que tais meios mudaram, nos últimos anos, e novas plataformas foram introduzidas. Contudo, destaque-se que a utilização dos meios de comunicação social está relacionada com o envolvimento dos cidadãos na política, pois essas plataformas não só expandiram as oportunidades para as pessoas se envolverem em actividades virtuais, como também se tornaram um veículo que facilita a participação numa vasta dimensão de acções offline.
No caso de Moçambique, precisamos recordar-se de Setembro de 2010, quando foram colocadas a circular mensagens de texto e algumas publicações em plataformas virtuais sobre uma mobilização social de vulto, onde o País, no geral, e a Cidade de Maputo, em particular, viveu um cenário de mobilização social que marcou uma época (Chaimite, 2014). Exceptuando-se a violência com que tal acto teve lugar, foi notário o papel desempenhado pelas redes sociais da Internet para a difusão ou propagação daquele evento, seja para distorcer o que sucedia ou relatar o respectivo evento em tempo ‘real’. Todavia, se 2010 é um exemplo típico do que podemos designar como mobilização cívico-virtual, o que dizer dos anos seguintes? Nesta opinião, que julgamos inacabada, colocamos algumas hipóteses sobre o evoluir do espaço cívico no espaço virtual em Moçambique nos últimos anos.
Em geral, podemos afirmar, com alguma convicção, que após 2010, o que resta da memória colectiva de uma acção plena de mobilização data de 2015, quando organizações da sociedade civil se juntaram para manifestar contra a insegurança e busca de paz no País. Naquele ano, a mobilização feita por meios digitais pode, no nosso entender, ter sido fundamental. Mas e depois, que exemplos podem ser mobilizados para ilustrar a tendência protestatória por via dos meios digitais? A resposta é ou seria pouca ou quase nenhuma. Na verdade, são esporádicas ou quase inexistentes as acções de mobilização social em Moçambique ou, pelo menos, nas capitais provinciais, seja por meios virtuais ou similares.
De facto, não se tem memória de um acto que, nos últimos 7 anos, tenha marcado o espaço dos repertórios de acção colectiva no País. E a pergunta que se pode colocar é: será por falta de razões? Talvez sim, mas talvez não. Por hipótese, diríamos que o cenário de mobilização social tende a fechar-se em contramão com a própria expansão das redes sociais da Internet, que se tornaram aquilo que designamos de ‘tubos de escape’, dado que o espaço físico (rua) se tornou perigoso para realizar acções públicas de mobilização (Tsandzana, 2020). Embora poucos ou quase inexistentes, os últimos exemplos de que temos memória datam de 2021, quando houve uma tentativa, embora falhada, de se realizar uma mobilização contra a introdução de portagens ao longo das vias rodoviárias da capital e província de Maputo. O caso mais recente incide precisamente ao presente mês de Julho, primeiro no dia 4 e, depois, no dia 14, sendo em relação a este último que incide o nosso comentário.
Para além dos áudios que supostamente davam indicação da provável manifestação, o facto de circularem imagens que sugeriam um pré-posicionamento de viaturas da polícia, que deviam agir em caso de erupção social, representa uma dupla função que as redes sociais da Internet desempenham. Sucede que ao mesmo tempo que esses espaços podem ser vistos como ferramentas mobilizadoras, a sua capacidade de dissuasão – promoção do medo e da incerteza – também é presente de forma consequente. Ou seja, enquanto se fala de mobilização no espaço digital, também devemos mencionar a desmobilização programada, o que foi visto através de uma imagem colocada a circular, no dia 13 de Julho, por via de uma foto cujo teor indicava “Os Cidadãos Agastados e Desempregados com a Crise no País (ADCP) tem a informar a todos os cidadãos de todas as cidades do País que, por motivos organizacionais, não terá lugar a manifestação prevista para amanhã, dia 14 de Julho...”. Aliás, actos de desinformação intencionada, por via de fotos, textos ou vídeos antigos/manipulados ou fora do contexto, são uma prática constante neste tipo de situações.
Por conseguinte, face ao contexto acima, a nossa contribuição passa por compreender o que terá causado o instalar da ‘eutanásia de protestos’ em Moçambique, os quais, em tempos, foram promovidos por via das plataformas digitais. Para uma provável resposta, avançamos três hipóteses as quais devem ser lidas de forma complementar.
Por fim, diante de todo este cenário, surge uma questão que não podemos deixar de mencionar. Sucede que falar de mobilizações sociais, seja em Moçambique ou em outras realidades, remete-nos a invocar a presença ou a capacidade do sector associativo e sindical. Ora, no caso nacional, são essas entidades que, mesmo sem certeza do que realmente poderá suceder, adiantam-se em propalar comunicados desmentidos, como se as manifestações fossem actos anti-democráticos.
Mais ainda, facto similar aconteceu com a Associação dos Estudantes Universitários da Universidade Eduardo Mondlane (AEU-UEM) em 2021, bem como, recentemente, através de um desmentido posto a circular no dia 13 de Julho de 2022, assinado conjuntamente pela Organização dos Trabalhadores de Moçambique, Confederação Nacional dos Sindicatos Independentes, pelo Sindicato Nacional de Jornalistas, Sindicato Nacional de Professores e pela Associação Médica de Moçambique. Porém, estranho é que estas últimas organizações tenham emitido, no dia 11 de Julho, através do Jornal Notícias, um comunicado que ia de encontro com a convocação de uma possível ‘greve geral’, em virtude das reivindicações por elas feitas junto do Governo. Contraditório ou não, este pode ser um exemplo que ilustra a orfandade a que estão expostos os associados em Moçambique, a qual, certamente, é um tema para um futuro comentário.
Referências
Chaimite, E. (2014). Das revoltas às marchas: a emergência de um repertório de acção colectiva em Moçambique. Maputo. IESE.
Feldstein, S. (2021). The Rise of Digital Repression: How Technology is Reshaping Power, Politics, and Resistance. Oxford. Oxford University Press.
Gaxie, D., & Pelletier, W. (2018). Que faire des partis politiques ? Paris. Éditions du croquant.
Scherman, A., & Rivera, S. (2021). Social Media Use and Pathways to Protest Participation: Evidence From the 2019 Chilean Social Outburst. Social Media + Society, 7(4), 1-13.
Tsandzana, D. (2020). Redes Sociais da Internet como “Tubo de Escape” Juvenil no Espaço Político-Urbano em Moçambique. Cadernos de Estudos Africanos, 40(2), 167-189.
FIM.
Integrei, em Janeiro de 2004, na qualidade de jornalista, a Comitiva Presidencial que participou, na cidade de Sirte, na Líbia, duma cimeira da União Africana (UA), na qual a presidência rotativa daquela organização continental passou de Joaquim Chissano para Muammar Gaddafi.
Durante a minha estadia em Sirte, pude traçar uma “agenda paralela” e conversar com cidadãos líbios, em particular jovens. Alguns casados de fresco, e que, por via disso, acabavam de receber, do Governo, casas devidamente recheadas, depois do acondicionamento de emprego e por aí além.
Todos os líbios com quem conversei por aqueles dias (uns 20, incluindo motoristas das viaturas protocolares que tinham sido colocadas à disposição dos integrantes da comitiva e alguns trabalhadores do hotel onde me hospedei) não esconderam estar de certa forma felizes com o “estado social” que tinham, mas…nem tudo era um mar de rosas!
Contaram ser inconcebível que todos os direitos civis e políticos de que eram supostos usufruir, enquanto humanos, estivessem sob tutela e vontade dum único homem, no caso Muammar Gaddafi. “Não podemos livremente dizer o que pensamos”; “não podemos nos manifestar livremente”; “nem sempre temos a sorte de escolher a profissão que queremos”; “nem podemos beber legalmente um copo”, etc., etc.
Por falar em copos, os requintados banquetes que eram servidos aos visitantes, naqueles hotéis ‘cinco estrelas’ em que tínhamos sido hospedados, ‘perdiam graça’ porque, mesmo depois do trabalho, ninguém podia consumir bebidas alcoólicas. Nem uma taça de vinho, meu Deus!!!
E, em 2011, o povo líbio disse “enough is enough”, não sendo os detalhes do sucedido relevantes para os propósitos destas breves notas…
Vem este longo intróito a propósito do tema manifestações pacíficas em Moçambique. Embora estejam expressamente consignadas na Constituição da República de Moçambique (CRM) e em lei ordinária (Lei das Manifestações), não carecendo, por integrarem o escopo da dignidade da pessoa humana, de autorização, mas de mera informação às relevantes autoridades, em Moçambique as autoridades públicas (à excepção dos municípios onde o partido Frelimo é oposição) se não coíbem de “rasgar” a CRM sempre que cidadãos devidamente identificados e organizados pretendam organizar manifestações pacíficas.
Toda vez que cidadãos organizados e devidamente identificados pretendam, no quadro da CRM e da lei, se expressar democraticamente por via de manifestações pacíficas, vê-se um inusitado contingente policial, às vezes até militar, a ser accionado para obstar que os cidadãos usufruam dum direito fundamental que mereceu, em sede da aprovação da CRM e da Lei das Manifestações, “apoio incondicional” de todas as forças políticas representadas na Assembleia da República.
Sendo o ser humano “escravo da liberdade”, mesmo onde o Estado o bafeja de tudo mais alguma coisa, menos esse valor essencialíssimo, ele, o ser humano, acaba, ou acabará, tarde ou cedo, por dizer basta, com o que jamais será a construção do ainda incipiente Estado de Direito Democrático a ganhar.
Por incrível que pareça, até manifestações pacíficas contra fenómenos como raptos são sistemática e ostensivamente obstaculizadas por quem deveria, por dever de ofício, apoiar esse tipo de iniciativa, com todo amparo legal.
Se até quem recebe “casa recheada” do seu pretenso “estado social” num certo momento diz basta, em nome da sua dignidade, não será, por maioria de razão, quem se esbarra com todo o tipo de dificuldades, inclusive para ter acesso a um terreno “30 por 15” não infraestruturado, a resignar eternamente da luta pelos seus direitos.
Com a óbvia racionalidade que cada um tem pela sua defesa, pode ser que, com as abusivas e ilegais proibições ao exercício do direito fundamental à manifestação pacífica, os que, mesmo assim, se recusam a resignar, recorram a “vias ocultas”, quais contas falsas ou disfarçadas em redes sociais, para efeitos de viabilização desse direito fundamental.
Com o que se verificou na última quinta-feira, sobretudo nas cidades de Maputo e Matola, sem cartas informando as autoridades públicas relevantes da realização de manifestações pacíficas e, como seria de supor numa situação tendencialmente de “Estado Policial”, sem rostos conhecidos, perde-se a oportunidade de coordenar, com eventuais promotores, rotas e ‘regras de jogo’, nos termos da CRM e da lei.
E, sem surpresa, numa situação de exercício à força de um direito constitucionalmente consagrado, cujo gozo conforme as Leis da República se recusa ostensiva e abusivamente, a passividade acabou andando distante do que se viu semana passada.
E depois?
Acho terem ficado lições bem claras, sendo mais do que urgente que se não insista no impedimento abusivo e a todos os títulos ilegal de manifestações pacíficas, porque algo normal numa democracia digna desse nome. Anormal seria um país que se diz democrático não conviver com esse tipo de expressão de ideias, de posições e de sentimentos.
Não parece ser necessário recorrer aos que se auguram de ter o “dom da profecia” para se prever um quadro em que a proibição de manifestações pacíficas possa ter como resposta “manifestações ocultas”, nas quais a economia perde por demais, ainda que seja por conta do mero “efeito psicológico” de situações tais.
E os que impedem esse direito fundamental pregarão no deserto o apelo à boa conduta!
Claro que será sempre possível identificar um e outro “gato pingado” como tendo sido o “criador” da primeira mensagem sobre “greve geral” posta a circular, e talvez até sancioná-lo, mas a sustentabilidade desse tipo de arranjo estará, à partida, condenada ao fracasso.
É isto que julgo constituir prováveis lições da “greve oculta” de 14 de Julho, uma data muito curiosa: simboliza a determinação do povo francês nos chamados anos da revolução, no que pontificam valores como liberdade, igualdade e fraternidade.
“O Governo de Angola, sob liderança do Senhor João Lourenço, quis assassinar, politicamente, José Eduardo dos Santos em vida. Entretanto, este resguardou-se, autoexilou-se até à sua morte e, hoje, o mesmo Governo, sob a liderança do mesmo Presidente, disputa com a família o corpo deste como se de um trofeu se tratasse. Onde andam os pensadores do MPLA, onde andam os líderes de África para chamar à razão essa gente. Na vida há gente que deixa legado e há gente que deixa herança, mas muita herança. Eduardo dos Santos escolheu deixar LEGADO e não Herança, fiquem com o vosso MPLA e Governem Angola sem os “marimbondos” e deixem aqueles que ao lado do ex-Presidente sofreram determinar onde ele se irá sentir bem. Mas, claro, não farão isso porque o desespero é tal que até advogados são contratados”.
AB
Pode até não ser, mas parece que o Governo de Angola anda desesperado com a morte de José Eduardo dos Santos, antigo Presidente da República de Angola, que Governou o País durante 38 (trinta e oito anos) e, simultaneamente, presidente do Partido MPLA, ele que, depois da saída do Governo, foi tratado como um verdadeiro “Lesa pátria”.
Com a morte de José Eduardo dos Santos, vozes aparecem, mesmo fora da esfera Governamental, a enaltecerem os seus feitos na liderança de Angola. Muitos apelidam-no de “Obreiro da Paz em Angola”, esse bem precioso sem o qual, tudo fica em causa. José Eduardo dos Santos foi e será sempre considerado como aquele que tirou Angola da esfera Geográfica de Conflitos armados, oxalá Moçambique consiga esse feito!
Nada indica que o Governo de Angola tenha comparticipado no apoio, ainda que moral, do Presidente José Eduardo dos Santos quando doente. Não foi reportada visita ao ex-estadista por parte do Governo nem mesmo pelos seus camaradas do MPLA. João Lourenço, actual Presidente de Angola, de quem foi companheiro de trincheira por muito tempo, apelidou-o de “marimbondo” e que devia ser combatido. É claro que não disse de forma directa, mas, na entrevista que deu em Lisboa, aquando da sua visita, essa indirecta foi bem percetível.
Por que parece desesperado o Governo de Angola!
Esta é a questão que o caro amigo me coloca e eis a resposta que se segue. Na minha página do Facebook, recebi um áudio gravado da Televisão de Angola, que fala de forma longa sobre a vida faustosa da Isabel dos Santos, a filha do Presidente Eduardo dos Santos e chegam a apelida-la de “violar os princípios sagrados dos Africanos quando morre um ente-querido” no caso em apreço, o Pai, ao participar em convívios culturais no mundo no lugar de confinar-se em casa chorando o seu Pai.
0ra, acredito que Isabel dos Santos deve sentir muita dor na perda do Pai que todo o Governo de Angola junto. Isabel dos Santos sofreu o dia-a-dia pela doença do Pai que qualquer membro do MPLA. Ela comparticipou moral e financeiramente para que o Pai tivesse outro destino que não fosse a natural morte. A própria Televisão que deu a notícia sobre a actual vida de Isabel dos Santos não creio que tenha feito uma visita sequer ao antigo estadista para ouvir dele o seu pensamento sobre Angola em leito hospitalar e, de repente, vira Notícia. Porquê!
Num outro desenvolvimento, foi notícia que o Governo de Angola contratou Advogados para apoiarem a ex-esposa de José Eduardo dos Santos a conseguir a guarda de José Eduardo dos Santos, alegadamente, porque os filhos não querem enterra-lo em Angola. Ora, isto é o cúmulo do desespero! Qual foi o papel da ex-esposa de José Eduardo dos Santos no período pós-retirada do Governo. Acompanhou, por acaso, o ex-Presidente no período crítico da sua vida na Espanha? Esteve lá quando mais precisava ou era a Isabel dos Santos que esteve sempre ao lado do Pai. Qual é a importância que o MPLA e o Governo de Angola atribuem a José Eduardo dos Santos, entanto que “cadáver” que não tinha vivido em Angola? O ex-Presidente parece valer mais morto do que vivo, parece ser mais disputado em cadáver do que em vida, parece dar-se mais importância a ele agora do que quando sofria no leito hospitalar.
Independentemente do que vier a acontecer com o corpo do ex-Presidente, os membros do MPLA e do Governo da República de Angola que reflictam sobre o papel de Eduardo dos Santos em Angola e valorizem isso. Parece-me mais importante que disputar o cadáver como se de um trofeu se tratasse. Eduardo dos Santos merece um lugar na Galeria dos Líderes Africanos da actualidade e os primeiros a valorizarem deveriam ser os membros do MPLA e depois a sociedade Angolana como um todo. Mas, infelizmente, tentaram assassina-lo vivo politicamente, soube resguardar-se e agora lutam de forma desesperada para resgatar seu corpo sem vida. Para tanto, vale denigrir quem com ele esteve no sofrimento e vale usar uma mulher que não soube ser esposa. Haja vergonha!
Adelino Buque
Quando a notícia do Nobel surpreendeu o mundo literário com o nome ínclito do nigeriano Wole Soyinka, em 1986, eu tinha lido “Os Intérpretes”, um dos poucos romances da sua extensa bibliografia, na qual avultavam, sobretudo, obras de dramaturgia e livros de poesia. Não havia nenhum mérito pessoal nessa minha entrevista improvável com a obra deste escritor. Dava-se a circunstância de que um professor de português, José Seifane, de grata memória, praticava, com indulgente generosidade, o acto de emprestar livros e tinha uma breve e suculenta biblioteca de autores africanos.
Foi pela mão do professor Seifane que li o senegalês Sembène Ousmane (“O Harmatão”), o nigeriano Chinua Achebe (“Um Homem Popular”), o queniano Ngugi Wa Thiong`o (“Um Grão de Trigo” e “Pétalas de Sangue”). Li também escritores sul-africanos como Alex La Guma (“País de Pedra” ou “Tempo da Morte Cruel”) ou Alan Paton (“Chora Terra Bem Amada”). Mais tarde haveria de ler o egípcio Naguib Mahfouz, ou os sul-africanos Nadine Gordimer e J.M. Coetzee, outros laureados com o Nobel.
Soyinka acaba de publicar novo e porfiado romance: “Chronicles from the Happiest People on Earth” (2021). Considerou-o, aliás, uma homenagem à Nigéria. Estes tempos e estes problemas (corrupção, por exemplo) que assolam o continente são as suas personagens. Desde 1973, quando deu a conhecer “Season of Anomy”, que não publicava ficção narrativa. “Os Intérpretes” (1965) é considerada a sua magnum opus. Na sua vasta obra, sobressaem títulos como “A Dance of the Forests” (peça encenada em 1960 e, posteriormente, publicada em 1963) pensada para as comemorações da independência do seu país. Neste domínio tem uma vastíssima produção, sendo usualmente considerado o mais importante dramaturgo africano. No território da poesia: “Idanre and Other Poems” (1967), “Poems from the Prison” (1969), que seria reeditado com o título “A Shuttle in the Crypt” (1972), ou “Mandela´s Earth and Other Poems (1988). A editora britânica Methuen publicou-lhe uma antologia com estes três prévios títulos: “Selected Poems”.
A sua biografia regista, com dureza, as suas passagens nas prisões nigerianas e longos períodos de exílio. Há legendários anúncios em que é procurado vivo ou morto pelos regimes ditatoriais da Nigéria. Quando esteve vinte e dois meses preso (entre 1967 e 1969) registou essa experiência em “The Man Died” (1972). É também um exímio ensaísta e um dos mais proeminentes intelectuais africanos. Destaco, neste domínio, duas obras seminais: “Art, Dialogue and Outrage” e “Myth, Literature and the African Word”. Também é um memorialista inexpugnável. “You Must Set Forth at Dawn” (2006) é um volumoso livro de suas memórias.
Num dia de Março do longínquo ano de 1995 fui ao seu encontro, na companhia do Pedro Rosa Mendes, para o entrevistar para o jornal “Público”, onde ambos éramos jornalistas. Ele estava de visita a Lisboa para compromissos literários. Recordo-me sobretudo da sua figura hierática, da sua legendária cabeleira afro, da sua barba aparadíssima e da sua voz poderosíssima. Lembro-me, por aqueles dias, de ouvi-lo dizer o poema “´No´ He Said” (for Nelson Mandela): “In and out of time warp, I am that rock / I the black hole of the sky”. Lembro da sua voz e da sua majestade. Da sua voz que ainda reverbera. E de duas coisas que ele nos disse, entre várias, naquele encontro irrepetível.
A primeira: que os africanos deveriam ter tido coragem de desfazer as fronteiras que eram a herança da Conferência de Berlim e que estavam origem de intermináveis guerras étnicas e fratricidas: “Os políticos traíram África”, di-lo desassombradamente. Escolhemos, aliás, esta frase indomável para título da entrevista. A segunda: “Eu não sou neo-tarzanista”. Era, por conseguinte, contra a ideia de que o homem africano deveria retornar ao tempo místico da tanga e da floresta (palavras minhas) – ao tempo do mito selvagem. Afirmava-se como um homem moderno e não tinha pejo nem se coibia quando reclamava dos avatares da modernidade. Para além disto, não esqueço as suas intrépidas posições sobre as ditaduras africanas, de que era um opositor visceral.
Vi-o, muitos anos depois, num comum voo entre a Cidade do Cabo e Joanesburgo, mas não tive o arrojo suficientemente juvenil de me dirigir a ele. Admirei-o de longe: a sua elegante figura, o seu olhar fixo no que lia, a sua silhueta e o cabelo todo branco como um belo ancião. Africano que é. Estava longe do homem de 52 anos que dera o primeiro Nobel da Literatura à África. O seu indubitável nome esplendia há muito sem equívoco nos lustres literários africanos ou ocidentais, onde actua como professor em diversas universidades. Fiquei empolgado quando o vi e tive o sobressalto de todos os que se entrevistam com os seus ídolos. Mesmo quando a sua devoção é pudica ou acanhada.
Wole Soyinka nasceu em Abeokuta, na Nigéria, a 13 de Julho de 1934. Por vezes, muitas vezes, oiço notícias sobre ele. Sempre o leio com alento de um africano digno, de um intelectual probo, de um modelo exemplar, sempre inspirador, não só pela sua lucidez e coragem, mas também pelo quilate das suas ideias e obras, cujo jaez é indubitavelmente singular e esplendorosamente distinto.
88 anos é uma idade catita para o celebrar!
Cidade do Cabo, 13 de Julho de 2022