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segunda-feira, 04 julho 2022 10:29

(IN) dependência –- Não se esqueçam de voltar

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Escrever é uma das mais belas e nobres formas de expressão de ideias e sentimentos. Assim como os músicos o fazem cantando e tocando, os artistas o fazem dançando, pintando e usando outras formas de manifestação folclórica, eu o faço com a minha escrita. Quando escrevo, me permito experimentar momentos de abstração,  de reflexão, de crítica. Me permito também viajar para lugares (des) conhecidos, lugares de um mundo as vezes real e outras vezes imaginário – mundo este que um dia sonhei mudar.

 

Na altura em que celebramos mais um aniversario da conquista da tão almejada independência, parei para pensar no meu país; país que me viu nascer e crescer. Parei para escrever sobre o passado, o presente, e futuro deste belo Moçambique. Sobre os sonhos que sonhamos e não realizamos enquanto nação.

 

(In) dependência vista de uma forma geral como o culminar de um longo processo de luta pela conquista da autodeterminação, das liberdades e do direito de sermos uma nação e um país no verdadeiro sentido. Processo este que a história consagrou como um momento em que os moçambicanos decidiram colocar fim a um longo período de dominação e subjugação colonial, e que já pesava as costas de quem sentiu na pele os horrores do colonialismo, dos maus tratos, humilhação e desumanização perpetrada pelas mãos do colono durante largas décadas. Os moçambicanos tomaram o poder e abriram uma nova página na sua ainda incipiente história.

 

O mítico estádio da Machava, encheu-se de alma para vivenciar um dos momentos mais marcantes da história de Moçambique – A proclamação da independência nacional. Um momento em que milhões de moçambicanos inauguraram uma nova fase. Fase esta que se adivinhava difícil e perniciosa, mas que os filhos da terra saberiam gerir.

 

A ideia de independência pressupunha um manancial de ideias e teorias que aos poucos foram se esbarrando com a dura realidade. A ideia de liberdade, progresso, desenvolvimento, segurança, soberania, sedimentação da democracia, construção das bases para a prosperidade da nação eram basilares para a construção de um estado-nação. Todavia, muitas dessas ideias não foram devidamente cozinhadas, e não tiveram o desfecho desejado. Na ressaca do inverno de Junho 1975 a atmosfera era essa – de muita esperança, de muita expectativa e de uma sagacidade jamais vista.

 

Com a conquista da independência, emergiram novos problemas - alguns típicos de nações recém-independentes e livres; e de algum modo previsíveis em maior ou menor escala; outros foram resultado da natureza humana avida em ter poder, e da ganância de alguns governantes, muitos deles inexperientes e ciosos em sentar-se ao lado do famoso banquete.

 

O despreparo, a ganância e a permeabilidade às investidas do neocolonialismo, semearam paulatinamente o divisionismo, a desconfiança e a traição entre as mesmas pessoas que outrora uniram-se para libertar o país. As constantes incursões das potencias imperialistas, a famosa mão externa disfarçada de ajuda, foram se cristalizando na sua mais antiga e bem-sucedida fórmula do divide et impera (dividir para reinar).

 

Os nossos libertadores, os nossos heróis e os nossos referenciais de luta e verticalidade foram se transfigurando ao sabor do vento, e alguns deles viraram, nossos opressores. Nasceram elites negras, que se esqueceram dos ideais da revolução e se preocuparam em vestir a máscara de ovelha em corpo de lobo. Os nossos libertadores, tornaram-se obcecados pelo poder e pela posição de destaque no banquete pós-independência. Recriamos e personificamos a aquilo aque Frantz Fanon designou de “Pele Negra e Mascaras Brancas”, onde pretos oprimem outros pretos e se acham legítimos eleitos para o fazer em virtude do tempo emprestado durante a mocidade e juventude para que fossemos hoje o país livre que somos. Será que somos?

 

A pobreza, a guerra, as desigualdades, a corrupção, a deficiente cobertura da rede sanitária, educacional e nutricional são alguns dos elementos que devem ser reflectidos por todos e por cada um de nós, ao celebramos a conquista da independência. O maior presente que podemos oferecer aos moçambicanos é pensar o país de forma integrada e holística. É atacar aquilo que julgamos ser nefasto ao nosso desenvolvimento como país . É oferecer, não discursos vazios e populista, mas programas concretos, inclusivos e conferir mais dignidade para o nosso povo. E isso só se consegue se recuperarmos a mística que nos guiou até ao mítico momento em que gritamos na Machava que somos um país independente.

 

Nesta curta reflexão, o meu pedido carrega a dor e frustração do nacionalista que muito lutou por este país, mas que parece agora vencido pelo cansaço. Um nacionalista que se frustrara com o estágio do seu país amado – por sinal esse é Moçambique. Carrega também o desejo inconfesso de um grupo comprometido com os ideais da revolução, mas que se sentiu traído e abandonado no tempo, no espaço e pior ainda, na consciência patriótica de um amanhã em que o sol de Junho brilharia pelos quatro pontos cardinais do país; a mensagem do homem novo que nunca chegou a ser visto senão no próprio projecto. Carrega por fim, ainda que sem mandato, uma juventude que vê mutilada e adiada a possibilidade de participar de forma activa no desenvolvimento do país 47 anos após a sua independência.

 

A fórmula “Umuntu Ngumuntu Ngabantu”, que significa nós somos e nos tormanos mais pessoas quando reconhecemos e valorizamos a existência do outro faz-se cada vez mais actual no momento em que caminhamos para o jubileu da independência em 2030. Esta fórmula da alteridade é um convite transgeracional para todas as forças construtivas e ciosas em edificar um Moçambique livre da pobreza, da guerra e das desigualdades sociais - um lugar onde todas as crianças possam sonhar, acreditar e tornar os seus sonhos uma realidade viva e vivificadora. Onde todos moçambicanos e todas moçambicanas possam viver o verdadeiro significado, enxergar o brilho e, sentir o calor do Sol de Junho.

 

Não se esqueçam de voltar. Não se esqueçam do vosso país. Não nos deixem perder a esperança; não permitam que as nossas crianças cresçam sem sonhos. O Homem Novo ainda tem espaço e nós estamos dispostos a refundar a nossa ideia de moçambicanidade – este é um convite a ilustração.

 

Por: Hélio Guiliche (Filósofo)

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