Foi manchete nas últimas semanas e até meses, e dominou vários debates públicos em círculos de opinião, a questão da sucessão dentro do partido FRELIMO, bem como sobre quem incidiria a escolha do próximo candidato às eleições de Outubro próximo.
Na reunião dos ACCLIN que antecedeu a sessão ordinária do Comité Central do Partido FRELIMO, José Óscar Monteiro, quadro sénior, ideólogo da FRELIMO e veterano da luta de Libertação de Moçambique, com a verticalidade e frontalidade habitual deu mote a um assunto que a todos preocupava, mas poucos tinham coragem de abordar. Ao levantar de forma estilística a imagem do elefante na sala, abriu uma nova página na agenda do dia – era inevitável não se falar do tema da sucessão.
No épico “conclave” extraordinário que durou três dias, contra tudo e todos, emergiu uma figura inesperada. Surgiu de uma lista restrita proposta por um núcleo duro, e que poucos deram a devida relevância na altura – chamarei a esta figura, de forma analógica de “Furacão Chapo”.
Dos retiros hermenêuticos que realizei para tentar perceber o outro lado do fenómeno, permiti-me acompanhar alguns debates a vários níveis, desde os órgãos de comunicação como televisão, rádio e jornais às redes sociais – estas últimas com uma quantidade anormal de análises. Neste exercício pude encontrar uma nota e um denominador comum – uma tentativa de catalogar e rotular o candidato escrutinado e relacionar com os tão almejados ventos da mudança. E dessa constatação formulei algumas perguntas que orientaram a reflexão.
Afinal de contas, de que mudança tanto se fala? Do novo paradigma governativo? Da tomada de consciência e atitude dos jovens quadros do partido? Ou apenas e simplesmente da mudança de um candidato mais velho por outro mais jovem?
Que nuances essa propalada e celebrada mudança carrega consigo?
Sobre a matemática e racionalidade dos votos, prefiro guardar para uma outra reflexão, sob o risco de desfocar-me do cerne da reflexão.
Ao anúncio formal do candidato - “Furacão Chapo”, seguiram-se dias de azafama e muita euforia no seio de alguma franja da sociedade. Seguiu-se igualmente aquele processo de catalogar e curricular o novo candidato, vasculhando um pouco a sua história, seu percurso, ligações, conexões, desconexões e tudo o que pudesse conferir alguma autoridade e legitimidade para dizer que o conhecemos minimamente.
O até então, apenas Governador da majestosa província de Inhambane (que ostenta o nome de Terra da Boa Gente), surge como o escolhido, e é já apelidado e adjectivado por um grupo de analistas e comentadores de “salvador e portador de esperança”. Os adjectivos surgem por um lado devido ao facto de Daniel Chapo ter infringido uma pesada e inesperada derrota ao tal “colosso indesejado”, conhecido como alguém de matriz autoritária, pouco ávido a discussões e de poucos consensos; e por outro lado, porque a eleição marca um ponto de viragem histórica em relação as últimas tendências percebidas como semi-autoritárias, pouco dialogantes, pouco transparentes e pouco democráticas no seio do partido. Um ponto de viragem e de advocacia dos jovens quadros do partido que deram um murro na mesa – os mesmos quadros que foram criticados e acusados de forma veemente de pouco ou nada fazer para reverter a situação actual.
A questão paradigmática que aqui tento trazer não é tanto que descrever o que aconteceu no conclave da Matola, mesmo porque não teria novidade nenhuma nem propriedade alguma para trazer seja lá o que fosse. Mas, como moçambicano, filho desta terra e que ama o seu país de forma profunda, me propus escrever e oferecer este texto onde discorro sobre a possível via sacra do conclave da Matola ao acto de governar. De como pode este processo ser capitalizado para que o Sol de Junho recupere o brilho que vem perdendo. Como é que esta viragem pode significar a recuperação ou reinvenção da mística de setenta e cinco.
A nossa reflexão como sociedade, não deve cingir-se a caras nem a coroas, tampouco a teorias sobre etnicidade, religiosidade, racialismo, ou seja, lá que variável a equação política queira tomar. Não pode ter como pressupostos a personificação de um indivíduo seja ele do Sul, do Centro ou do Norte, mas sim olhar para Moçambique como um todo globalizante, seus povos, suas pessoas, suas matrizes culturais e sociais, seus defeitos e suas qualidades, seus problemas e soluções.
A eleição de Daniel Chapo a candidato, não encerra uma discussão. Na verdade, a meu ver, reinicia um debate já antigo sobre a necessidade do partido que governa o país se ajustar às novas tendências, aos novos tempos, e retocar ligeiramente a narrativa já desgastada sobre a libertação do jugo colonial e descolonização, sobre o conflito dos 16 anos – essa narrativa desgastou-se e fatigou até aos que a compraram, e pouco convence e comove o eleitorado mais novo.
Chapo herda enquanto candidato, um partido de certa forma fragmentado e com tendência de clivagens que podem abalar a estabilidade; um partido com algumas forças internas a andarem em contramão guiadas por interesses particulares. Pesa sobre ele, o fardo de ser o candidato sem o tal traquejo e preparo ideológico e até rotação governativa de nível central e que ousou derrotar um peso pesado. Mas a democracia é isto mesmo: entrar ao sufrágio e saber que todos resultados são passiveis e possíveis.
Ser candidato pela FRELIMO, num momento em que a oposição se encontra num sono profundo, e de oposição só tem nome, confere uma vantagem competitiva a Chapo; confere uma vitoria quase certa em Outubro (se retumbante, esmagadora e asfixiadora ou não, isso as urnas irão dizer).
Chapo irá, caso se confirme a premissa, enfrentar três grandes desafios:
O primeiro grande desafio que enfrentará enquanto candidato será o de gerir as várias animosidades das chamadas alas que foram sedimentando sua posição no xadrez interno e reclamando cada uma o seu protagonismo e no acesso ao tacho e a riqueza do país. Sendo ele novo em idade e em experiência político-partidária deverá se dar tempo de moldar-se num processo simultâneo de aprender fazendo.
O segundo desafio, será o de se tornar o presidente de facto e de jure do partido e ter poderes suficientes e liberdade para ser ele mesmo – claro que sabendo respeitar limites, os estatutos e os demais instrumentos do partido. Aqui terá um árduo trabalho de resgate da imagem do partido, do orgulho da onda vermelha, recuperação do eleitorado descontente e frustrado e, conduzir um processo interno de reconciliação e valorização da história do partido, dos seus ideais e legados.
O terceiro e último desafio que vislumbro, e talvez o mais importante será o de governar Moçambique. Governar um país vasto e com muitos problemas que não foram devidamente acautelados no passado (pobreza generalizada, a segurança alimentar, choques climáticos, educação decadente, saúde doentia, o dossier das dívidas ocultas e de outras que poderão surgir, a insurgência em Cabo Delgado, a corrupção no aparelho do estado, nepotismo, segurança pública, a segurança do país, a defesa da nossa soberania, etc).
Preparando o voo, para aterrar de forma segura e sem estrondo, digo de forma objectiva e sem rodeios: onde muitos veem Chapo como um herói e salvador, eu vejo como produto e consequência de uma circunstância, uma vez que a escolha dele não se baseou numa prerrogativa nem numa premissa previamente estudada e acordada. Dizendo por outras palavras, subassumo que Chapo não terá desenhado, apresentado nem submetido uma manifestação de interesse para o efeito.
A circunstância a que me refiro é daquelas conspirações difíceis de explicar; e pode ter um final feliz se as peças do xadrez se assentarem no tabuleiro sem pressões internas e externas. Enquanto governante, deverá saber ser lobo em alguns momentos e ovelha noutros.
Chapo tem um desafio à altura da sua altura _ Amar Moçambique em primeiro lugar para poder governar com sabedoria e ponderação. É meu (e talvez de muitos) o ensejo que esta caminhada seja gloriosa. Lembrar que apesar de ter espinhos, a rosa não perde a sua beleza – este é o Moçambique que Chapo vai herdar em breve. Terá de aprender a lidar com nuances e vicissitudes de vária ordem.
Homens e instituições fortes podem fazer Estados fortes e prósperos.
Disse!!!
Por: Hélio Guiliche