Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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O recente bate-boca em torno do “saque” ao erário público para remunerar os custos da dignidade do estatuto do deputado (não necessariamente da pessoa beneficiária – um outro assunto) é recorrente. Para os do contra é “um valor altíssimo” e para os favoráveis é “um valor baixíssimo”. Os do contra não concordam que se pague tanto por dormidas no parlamento. Os favoráveis consideram que os ministros (que também dormem quando vão ao parlamento) recebem muito mais e ninguém toca no assunto. Por onde ficamos?

 

A partida é pacífico que se remunere dormidas em serviço de Estado (e na hora de expediente)  desde que não se exagere na remuneração cujo  cálculo – ao que parece - é inspirado no das  Ajudas de Custo em viagens de trabalho: quanto mais dormidas/diárias fora , maior é o bolo do per diem (valor por dia). Agora, se a dormida remunerada é barulhenta (a dos deputados)  ou silenciosa (a dos ministros)  depende da  manta que é usada. Nas sessões do  Parlamento a manta (mais para lençol) é transparente e nas sessões do Conselho de Ministros ela  é bem espessa, um autêntico edredom.

 

Dito isto – sobre quem dorme e recebe mais -  talvez o foco do argumento da corrente dos favoráveis, onde pontificam deputados em exercício e fora dele, passasse por defender uma lei que obrigasse que as sessões do Conselho de Ministros fossem públicas a par das do Parlamento. Se assim for, temo que a corrente dos favoráveis tenha razão e uma das evidências são as elegantes dormidas dos membros do Conselho de Ministros  nas idas ao Parlamento.  Uma outra evidência é a do mobiliário. Baste que repare nos confortáveis assentos da nova sala do Conselho de Ministro que até fazem inveja aos da Business Class das melhores companhias aéreas.  E quem já viajou nessa categoria que testemunhe a qualidade da soneca proporcionada.  Aliás, os próprios  ministros podem certificar a veracidade.

 

Para a corrente do contra, lembrar que a dormida parlamentar pode também significar um sinal de trabalho árduo. Pois, entendo, que quando o deputado chega às plenárias é o culminar de uma longa caminhada de trabalho nas comissões, visitas ao terreno e ao estrangeiro, trabalhos em grupo,  elaboração de relatórios/discursos, entre outros afazeres.  O mesmo para a dormida governamental. Contudo, também é válido que a dormida pode significar desorganização/falta de planificação. Que o digam os estudantes (e os docentes que confirmem)  que fazem um  trabalho de investigação de dois meses no dia anterior ao da sessão de entrega.  

 

Enfim. É a democracia da Pérola do Índico no seu melhor. Avisos não faltaram e por aqui ficamos com   um (aviso) deles, e prévio,  dado, na altura da introdução do multipartidarismo (anos 90), por Joaquim Chissano, então Presidente de Moçambique. O aviso  de Chissano-  direccionado ao Ocidente (salvo erro à Margaret Thatcher, a Ex-Chefe do Governo do Reino Unido)  – alertava para o facto da democracia ser um sistema extremamente oneroso. E desde então, nunca vi -  só para fechar -  um aviso a ser  levado  tão à letra e dolosamente quanto este. E isto é extremamente penoso. 

segunda-feira, 27 abril 2020 08:45

Os 100 dias de "governação" dos insurgentes

"Que balanço faz dos 100 dias da governação de Nyusi?". Se fizermos essa pergunta, hoje, a um refugiado de Muatide, Chitunda, Naunde, Namacande, Meangaleua, Ntchinga, Quitarejo, Chicuaia-Velha, Lukwamba, Litingina e outras já destruídas aldeias de Nangade, Muidumbe, Mocímboa, Macomia, Ibo, e etecetera, claramente que a resposta será uma pergunta: "quem é Nyusi?".
 
 
Não entendam mal essas pessoas! É que governar é fazer a agenda do país. Governar é dar as cartas... ficar com o trunfo... e ainda ter uma carta na manga. Governar é estar na vanguarda dos acontecimentos... é prever e antecipar-se. Governar é comunicar com os governados... é dizer o que está a fazer e o que vai fazer. Governar é dar a cara... mesmo que seja cara de bunda ou cara-de-pau. Governar é controlar... é tomar as rédeas, é tomar o remo do barco. Governar é saber onde vai... e ir. Governar é guiar. Governar é ser protagonista. Governar é dominar. Governar é criar confiança. 
 
 
Governar é PODER. E o Poder se tem ou por carisma (respeito) ou por força (medo). Nesses últimos 100 dias assistiu-se a um Poder instituído paulatinamente à força pelos insurgentes a ponto de serem aplaudidos e os soldados governamentais insultados pela população. Os insurgentes embaralharam as cartas e distribuíram-nas. Infelizmente, nesses 100 dias, o país andou a reboque desses energúnenos. Eles fizeram a agenda do país dentro e além fronteiras. Fizeram a nossa diplomacia. Não se sabe como não mandaram o seu representante à Breton Woods para negociar a nossa dívida. 
 
 
Na verdade, estamos a viver uma inércia de partilha de poder, que vem do quinquênio passado, entre o governo legalmente instituído e outros "governos sombra" que foram se impondo dentro dos circunstancialismos das circunstâncias. Temos a "governação" dos gatunos de estimação e do Efe-Eme-I que remonta desde a desocultação das dívidas ocultas cujo domínio é visível até os dias de hoje. Depois juntou-se a "governação" paralela do Nhongo e dos insurgentes cujo exercício iniciou nos meados do mandato passado e foi-se perpetuando e agudizando até hoje. 
 
 
De resto, podemos assumir que nos últimos anos, temos visto uma governação intermitente de Filipe Nyusi, com algumas acções esporádicas e pontuais. Mas, na prática, os primeiros 100 dias de governação, a contar da tomada de posse de Filipe Nyusi, a 15 de Janeiro, vimos apenas um Nyusi nomeador e empossador. As suas ações de governação dignas do nome foram marcadas por nomeações e empossamentos. O resto foram assobios para os ombros em relação aos problemas mais candentes do país, principalmente, aos ataques de Cabo Delgado. 
 
 
Nesse período, Nyusi nomeou e empossou toda a gente, tanto que nomeou e empossou pessoas que não conhecem os seus termos de referência. Uns estão a lutar para inaugurar pontecas, outros estão a dançar nos estádios, e ainda a quem está a empossar administradores de grupos de WhatsApp. Até nomeou e empossou a senhora que fica com as chaves do escritório da sua esposa. Provavelmente, mandar fechar escolas e barracas tenha sido o píncaro da sua governação desses primeiros três meses do calendário gregoriano.
 
 
Enfim, a César o que é dele. O primeiro trimestre foi dos insurgentes, hoje, terroristas. Foram eles que fizeram a pauta do país. Isso não é conspiração, nem vanglorização dos terroristas e, muito menos, celebração da violência ou, então, ejaculação com as mortes... é simplesmente o que se viu até agora. É o que se sente. Mas, o mandato ainda é uma criança! Avante, camarada Presidente! A nossa confiança em ti ainda não esgotou! Ainda temos muita esperança!
 
 
- Co'licença!
 
 
 
 
 
 
quinta-feira, 23 abril 2020 06:51

Volte e não saia de casa

Tenho acompanhado pela comunicação social que Portugal, a antiga metrópole colonial de Moçambique, constitui um exemplo no que tange a tomada de medidas contra a propagação da COVID-19. O seu povo é elogiado por acatar as medidas do Estado de Emergência, sendo o “Fique em Casa” a mais notável. Palpito que o facto do fim da ditadura portuguesa  ser ainda recente (pouco menos de 50 anos) produz, no imaginário dos portugueses, o medo da autoridade repressiva de um Estado ditador, operando assim como um dos factores dissuasores para o cumprimento generalizado das medidas.

 

Por arrasto, na Varanda do Índico, era suposto que os tempos da ditadura portuguesa – via colónia – e os que se seguiram logo após a independência, mais os tempos em curso da pandemia, fossem suficientes para duplicar o medo de quem queira sair de casa. Nem tanto. Alguns dirão “Porque sair de casa ainda não é literalmente proibido”. Será? E no caso de barracas (aglomerados, notadamente, de venda e consumo de álcool), cuja abertura é proibida, o seu encerramento é literalmente observado?

 

Há uma semana do fim do Estado de Emergência (30 dias), igualmente decretado por força da COVID-19, quer me parecer que para quem cumpre com a medida (e fica em casa) e para quem abre ou encerra a sua barraca - ou outro tipo de estabelecimento similar enquadrado na mesma proibição – o medo da repressão da autoridade, incluindo a extorsão e o excesso de zelo, está subjacente na decisão. Aliás, ciente desse facto, quem abre ou finge que fecha a sua barraca e os clientes criam e articulam condições alternativas para que a provisão e o acesso aos serviços prestados  ocorram de forma oculta.

 

Procurei perceber as circunstâncias que justificam o risco. Um dos argumentos, e o predominante, prende-se com a imprescindível renda de sobrevivência de quem vive do negócio da barraca. Mas este argumento não cola para quem vai à barraca gastar a sua renda e se expor à pandemia. A menos que quem assim procede ainda não tenha voltado à casa desde o dia 31 de Março, data anterior ao da entrada em vigor do Estado de Emergência. Neste caso, e numa eventual prorrogação do Estado de Emergência, proponho que se adicione o "Volte e Não Saia de Casa" nas campanhas de sensibilização para a contenção da COVID-19.  

quarta-feira, 22 abril 2020 08:30

Um nonagenário inesperado

Conheço-o há pouco mais de 40 anos. Nessa altura, eu ainda fedelho, ele já corria nos campos com a bola aos pés, driblando os maiores defesas da época, sedento de golo. Era o carrasco dos guarda-redes, que titubeavam ao vê-lo subir como um bisonte, que no lugar de contornar os obstáculos, derruba-os. Mbata Nhalégwè era mais que um jogador normal de futebol, era um actor, um dançarino que em diversas ocasiões do decorrer da partida, confundia-se com um executante de mapiko. Ele era o eixo, sobre o qual gravitava todo o espectáculo.

 

Mbata Nhalégwè era um remoinho, uma dinamite com o rastilho sempre aceso, e ninguém sabia e nem podia prever quando, como, e em que lugar do campo é que aquele explosivo ia rebentar. Podia ser antes da linha divisória, e essa imprevisibilidade punha o último reduto atarantado. Ninguém tinha a certeza de que estava no lugar apropriado para impedir a caminhada fatal da orca. Pior do que isso, era de consenso que ninguém tinha capacidade para ser o torpedo de um jogador franzino, mas letal em todas as dimensões.

 

O campo, nos dias em que Mbata Nhalègwè jogava, parecia um espaço de tourada. O toureiro era toda a equipa adversária, e o touro era Mbata Nhalègwè. Era preciso, antes de abatê-lo, fechar-lhe os flancos reais e prováveis, antes que fosse ele a derrubar tudo. Mas todas essas armas, e toda essa empreitada para erguer a muralha, eram por demais fragilizada pelo talento, pela inteligência, e sobretudo pela determinação de um homem que ia ao campo para vencer.

 

Foram anos sem fim, e Mbata Nhalégwè recusava-se a descer ao sopé, onde nunca viveu. Ele nasceu no cume, aliás foi nesse patamar onde fez tudo, até hoje que já treme nas bases. Mora recolhido na sua modesta casa, cheia da luz do passado no interior, onde brilham as lembranças estampadas nas fotografias e nas medalhas e nos troféus individuais conquistados nas várias lutas em que ele ia à frente, como um pastor de almas. Mbata Nhalégwè era a gazua do seu tempo.

 

Mesmo assim, com noventa anos comemorados em solidão no último sábado, sem direito a champanhe,  ele ainda sonha. Vê-se isso no brilho dos olhos quando fala, como se houvesse um jogo marcado para o próximo domingo, onde receberá os aplausos das massas. Mbata Nhalégwè mantém a esperança de voltar a levantar estádios inteiros com os seus inesperados tiros de canhão. Mas claro, todo este sentimento é um delírio, de alguém que já não sabe muito bem em que tempo está.

quarta-feira, 22 abril 2020 07:37

O Tê-Pê-Cê

O exercício que está a matar os velhotes é uma equação quadrática do tipo ax²+bx+c=0. É esta equação polinomial de grau dois que está a fazer dançar os ministros. É um Tê-PêCê em grupo que o Efe-Eme-I deu aos velhotes para ver se recuperam aquela nota baixa que tiveram na prova das dívidas ocultas. 

 

Os velhotes não estão a ver "guemi". Estão a apalpar. Mandaram fazer uma calculadora científica por encomenda na "Maicrosofiti". Estão a fazer o exercício num papel "A1", com lápis "Aga-Bê". Borrachas já acabaram nas livrarias. Mas, o resultado não aparece.

 

Nem a variável, nem a incógnita. O eixo das abcissas está vazio. A parábola nem sonhar. Os cotas estão a testar fórmulas. Trocam as variáveis e as incógnitas. Até chegam a pensar que o professor errou ao passar o exercício. Mas nada!

 

É lápis para cá, é lápis para lá. É borracha para ali, é borracha para acolá. Estão a transpirar no ar condicionado Samsung de 24 mil Bê-Tê-Us em temperatura de dezasseis graus. Casacos e gravatas pesam. Máscaras escorregam, nem tapam o nariz. Tentaram usar os números do Idai e do Kenneth, e nada! Usaram mais-valias, e nada! Agora estão a tentar usar o Corona, mas também parece que não vai dar em nada. 

 

Bom, até porque o Corona era uma grande chance. Começaram com 700 e agora estão nos 34. Dizia, com esse Corona ia dar certo, se não fosse um grupo de miúdos que está a fazer rally no "Feicibuque" e a provocar muito barulho. Miúdos indisciplinados do bairro, aqueles que quando acordam - já que não estudam por causa do Estado de Emergência - só sabem fazer indisciplinices. Estão a atrapalhar, a desconcentrar, os mais velhos. Nem querem assistir aulas de Física na telescola da Tê-Vê-Eme. Os pais são irresponsáveis.

 

Falta pouco para intervalo maior. Chamaram o puto Samugudo para ver se ajudava. O puto disse que, se o valor da incógnita era o número da população moçambicana, então, a variável de 20 milhões de futuros doentes era o pior cenário. Portanto, o puto disse-lhes, em outras palavras, que "olha, cotas, vocês já chumbaram... não há saída aqui". 

 

Os ponteiros do relógio parecem pernas de Usain Bolt. Não há mais tempo. Ontem, pediram ao maza Tiago para ajudar a fazer a parábola da equação assim mesmo "manera-manera", como diria meu primo. O Tiago - que de burro não tem nada - disse-lhes que o arredondamento foi exagerado... com esse resultado inventado de 34 mil milhões a parábola terá a concavidade voltada para baixo, ou seja, o coeficiente é negativo. Não há maneira! Ou, então, apaguem e façam de novo. Ninguém sabe o que virá hoje! A única certeza é que esse Tê-Pê-Cê vai nos matar a todos.

 

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segunda-feira, 20 abril 2020 16:08

Pois é, “Dura Lex, sed Lex” (wa munho okho)

*Este texto é motivado pela satirização e cinismo de Diógenes, ironia socrática e marrabuas do Mwanachuabo

 

No momento em que escrevo essas linhas soltas, vejo uma espécie de comoção  social quase que eufórica, ladeando e gravitando ao regalo a mais um absurdo surreal perpetrado por “nós”, ao estilo daquelas peripécias retratadas pelos grandes dramaturgos, aliás o que já tem sido prática, a cada amanhecer nestas terras banhadas pelas águas cristalinas e sobretudo salgadas do nosso índico oceano.

 

Vive-se nesta já ida e bem abençoada “pátria de heróis”, que em tempos ostentou o apelido carinhoso de “pérola do índico”, momentos de muita tensão. Tendo em conta que, de um lado estão os subsídios a ganhar por parte dos ex-deputados no processo “fantasmagórico” de reintegração e por outro, os subsídios a não ganhar pelos burocratas street level (funcionários públicos). Bem, nunca pensei que esta palavra “reintegração” ganha-se contornos e contextos completamente diferentes, quanto esses que ganhou agora, recordando-me, com alguma agridocidade nostálgica, a antonomásia que caracteriza o solo onde desde fase embrionária e até hoje, me criei e me conheci como gente pensante. Percebia que, só se reintegrava o que se tinha distanciado ou privado a dado momento de fazer parte (posso estar equivocado, mas fácil até seria, antes de deixar a minha percepção sobre o conceito, consultar um dicionário para ver a tradução do termo, mas não o fiz), entretanto, faz-me confusão quando não é esta à tónica que se discute, ainda de quem ou alguém que nem sequer deveria estar desintegrado da sociedade. Pois, é por ela, que estes tais (que precisam de reintegração) não só advogam como também são legítimos interlocutores. Logo, o paradoxo, como se “reintegrar” alguém que deveria sempre estar integrado para em nome dos cidadãos advogar como o seu legítimo interlocutor? Mas “any way”, vamos avançar, qual igual mazameras desta sociedade (a)normal.

 

Com o vosso beneplácito, esta é a verdade, viril, jocosa, ardilosa ou até sorrateira, mas é a verdade, ou se lhe quiserem adicionar outros adjectivos que melhor lhe caracterizam neste momento, estejam a vossa vontade. Pois é, “ologa ofuna weio wa  munha okho”[1]. “Dura lex sed lex”, é a mais pura e “salgada” verdade. “Dura lex e sed lex”, é uma expressão antiga, reza a história que a expressão remota ao período de introdução de leis escritas na antiga Roma, a mesma é derivada do latim, cujo significado na língua “camoniana” e ao pé da letra seria “a lei é dura, mas é a lei” e tem que se fazer valer. A cada novo dia, sobre o olhar impávido e sereno do povo, uma nova novidade surge, como se já não bastasse, as do COVID-19; dos insurgentes em Cabo Delegado a “guerra sem rostos”; da circulação condicionada de viaturas e bens, pela zona da mítica Gorongoza; e agora essa, dos “reintegrados”. Pois libertaram os “ladrões”, não esses, mas aqueles gatunos, epah as estas alturas, já nem sei como os distinguir direito (já que de uma ou outra forma, todos acabam criando incertezas ao povo a cada alvorecer), mas sei que em algum lugar, foi aprovado com eficiência admirável um decreto que assim o diz, não mesma eficiência foi vista, a quando da deliberação dalguma outra resolução relativa as mensalidades das escolas privadas (o negócio dos “boices”), quando no máximo foi deliberada uma orientação de negociação arbitrária entre os proprietários e os pais e ou encarregados dos que ali “compram” conhecimentos (ainda não sei que desfecho esperar, se ambas as partes são indivíduos racionais e auto interessados a maximizar a eficiência de “Ótimo de Pareto”). Enfim. Particularmente as últimas novidades, estas sim, tem sido um autêntico e rude golpe ao estômago daqueles que não conseguem se “avestrujar” (nem sei se o termo existe, mas como o texto é meu ele ficará assim mesmo, “wa munha okho[2]).

 

Sem quaisquer receios e com coragem animalesca, estes famigerados compatriotas nossos, augustas personalidades, de forma viril, sorrateira e inescrupulosa, “no teatro das operações”, aprovaram leis no crepuscular do dia, embebido à leiguice dos pacatos cidadãos que os confiaram o testemunho para a si representarem, eis que no “no aurorar dia” (já vespertinamente despertos), descobrem que as suas confianças foram conspurcadas. Já é tarde. Salvo se ainda pudesses qualquer coisa fazer. Neste engodo, foram-lhes servido, para engolirem sem recurso a água para digestivamente “empurrar”, um grande e gigante “ananás” com a sua coroa e armadura característica (este é o sentimento que agora nos percorre). Agora “terão” que digerir goela abaixo este abacaxi, se ao menos pudéssemos saborear, nos restaria a polpa e o seu suco, mas não, temos que o engolir, impávidos, serenos e, sobretudo, frustrados e moribundos.  

 

Com os seus ouvidos feitos mercadores, os nossos interlocutores e coincidentemente representantes, já não advogam por nós, afastam-se, e se esfumam no horizonte dos seus próprios egos e vaidades, regozijando-se de mais um golpe bem dado, a aqueles que juraram estatutivamente e cristalinamente servir ou servir-se (não sei bem). Esta é a verdade, e mais uma vez, esta verdade, igualzinha às mentiras da verdade, vêm de forma fulminante, fogosa e maquiavelicamente brandir os nossos já maltratados corações.

 

E ao longe e já sem mais sangue a se lhes poder dar, ouve-se o “titilintar” das moedas no ecoar nos bolsos vazios do povo, num autêntico contraste, “aquelas”, contrapartidas destes famigerados representantes do povo, verdadeiros “combatentes da reintegração”. Mas, como dinheiro não fala, usam e abusam dos nossos parcos recursos, sem apelo nem agravo. Os seus semblantes e a robustez que ostentam na mais pura e gritante “inocência”, lhes desmente o tal estado de “inópia. Pois é! Esta é a verdade, e agora em forma de lei. Cumpra-se, para não seres acusados de prevaricar a lei.

 

Pois é, enquanto o povo, vive na incerteza do seu dia-a-dia fazendo e buscando milagres, embrenhando-se nos impossíveis para possivelmente prover condições mínimas e conferir alguma dignidade a si e aos seus, espremendo a cada gota de suor e se exprimindo a cada suspiro, já estas augustas excias que nos representam, vivem em sua pompa e áurea formosura, mergulhadas nas artérias das abundâncias sofridamente conquistadas nos anais do sufrágio. Na majestosa casa do povo, onde sofridamente estes, supostamente se contendem, para garantir o estado de direito e o bem-estar comum, a água potável jorra do chão num extremo golpe de beleza (através de um chafariz ali instalado), não tão potável a nível da sede destes representantes (pois ali, só bebem de águas engarrafadas, sejam elas naturais, da fonte, ou tratada, desde que venham em potes de 500ml ou 1,5litros lá de Namaacha), mas de preciosidade inenarrável para os seus representados de Albazine, Matendene, e por ai fora.

 

Estes beligerantes feitos deputados, aliás, “antigos, actuais e futuros reintegrados”, imbuídos de poder popular, conferidos em última assembleia eleitoral, vociferam, sem dó nem piedade, e com ar jocoso, dissabores aos ouvidos dos que são responsáveis para implementar os seus programas e fazer cumprir os seus mandatos, de que este ano “não haverá, o sempre esperado, aumento salarial”. Presumivelmente, por conta da tal crise que se tende a agudizar com a visita do inesperado e não desejado COVID-19, e porque do que dá, temos que primeiro cuidar daqueles que cuidam do povo. Os argumentos, para que não se negociem os salários, são os suspeitos do costume: crise, deficit orçamental, ausência de apoio e os contratempos da gestão abaladas pelas hecatombes. Mais e então, onde estão aqueles que supostamente, merecem viver em apoteose (ainda que não equiparada aos dos demais representantes que gravitam pelo mundo fora) por tão afincadamente lutarem por nós? E as mais-valias o que são feitas delas? E aqueles que nós somos, o seu legítimo “patrão”?

 

Pois é, não adianta mais chorar, agora é de lex e sed lex, wha munha okho. Estas perguntas sem respostas, nos forçam mesmo contra a nossa vontade, a concluir que afinal, aquele “bife”, que vocês bifaram, só o fizeram porque não vos sobrou um gostoso e suculento pedaço de “bife” daquela ceia, para de igual forma, vocês e entre vocês se empanturrarem, até vos saltaram os botões das vossas balalaicas de linho e desses vossos fatos feitos em “pele de cordeiro”, seus irresponsáveis sociais e egocêntricos patriotas (até porque “passarinhos voam todos os que são da mesma espécie”[3]).

 

Excias, aliás, prezados e iluminados “antigos, actuais e futuros reintegrados” aguardamos o próximo golpe, não para repostar, até porque, na nossa praia só cabem mesmo murmúrios e silêncios ensurdecedores, já nos contentamos com isso no teatro das operações, enquanto suamos dolorosamente em vossas benesses (quando muito só podemos vos dar uma merecida “toela”), mas para que num desses golpes de espargata se pontapeiem. Ai sim, já diz a velha máxima, “zangam-se as comadres, e descobrem-se as verdades”[4].

 

Para vocês, marrabuistas, deixo algo que li algures: “etxie ne ile mulugo etxienavi”(o que Deus esbranquiçou, branco sempre será)

 

Braga, 17.04.2020

 

[1] Podem falar oque quiser, isso é contigo; ou da sua conta (assim se percebe na tradução não oficiosa da língua Chuabo )

 

[2] O que quis dizer com o termo avestrujar, é que nem todos conseguem ter estômago de avestruz, pronto para engolir sapos e pedras.

 

[3] Adágio popular

 

[4] Adágio popular

 

*Obrigado “aqueles” que de uma forma ou outra participaram nesta notas soltas. (poderia citar alguns nomes, mais aqui, não se aponta).