No informe da PGR, Beatriz Buchile, ontem e hoje, na Assembleia da República, há pelo menos duas omissões gravosas que mostram como o Ministério Público i) actua em função de critérios de subserviência partidárias; ii) omite informação sobre seus gastos com escritórios de advogados estrangeiros; .
No primeiro caso, a PGR está protegendo ostensivamente um dirigente da Frelimo acusado de corrupção. Trata-se de Goncalves Gemuce, Primeiro Secretario Provincial da Frelimo em Tete.
E foi acusado de ter liderado um esquema de desvio de perto de 1 milhão de Meticais do erário público, quando exercia as funções de Administrador do distrito de Chiúta, na província de Tete. A acusação foi feita pelo Ministério Público, no âmbito do Processo nº. 1/05/P/GPCCT/2021, instruído pelo Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Tete (GPCCT).
No geral, o Ministério Público acusou seis funcionários públicos afectos à Secretaria Distrital de Chiúta pela prática dos crimes de peculato, falsificação de documentos, abuso de cargo ou função, pagamento de remunerações indevidas e participação económica em negócios.
Os arguidos são: Gonçalves João Jemusse (Administrador); Manuel Mouzinho Joaquim Cebola (Secretário Permanente); Raimundo Eduardo Cebola (Gestor do Orçamento); Egrita Miranda das Dores Devessone Alfredo (Técnica do Departamento de Finanças), Domingos Puzumado (Chefe da Repartição da Administração Local e Função Pública) e Jardito Anastácio (Gestor de Pessoal).
Ora bem, o informe que Buchile está a apresentar na AR, ontem e hoje, contém um conjunto de anexos sob a secção “Casos de Impacto”, onde também se faz uma actualização dos casos dos anos anteriores, os quais foram acusados mas ainda nao foram julgados. São arrolados casos instruídos nos diversos gabinetes de combate à corrupção a nível provincial, incluindo da Província de Tete. Aqui elencam-se dois casos de 2021, acusados mas nao julgados.
Mas...mas estranhamente, a PGR omite ostensivamente o caso envolvendo Goncalves Gemuce, cuja acusação remonta a 2021. Quid Juris?, camarada Buchile. O que se passa com este caso? A PGR decidiu arquivá-lo? Porque?
A segunda omissão tem a ver com as despesas da PRG em Londres e na África do Sul.
A PGR fez mal em ir a Londres e batalhar para que as “dívidas ocultas” fossem judicialmente declaradas ilegais? Não!
A PGR agiu correctamente. Toda a sociedade civil se indignou com a descoberta do endividamento corruptivo e suportou a posição segundo a qual os moçambicanos não devem pagar dívidas que se revelaram num calote e beneficia meia dúzia de agentes do colarinho branco a soldo de uma máfia franco-libanesa.
A PGR ir a Londres foi um acto de bravura do advogado do Estado. As acções judiciais no estrangeiro tiveram um tremendo significado político. Moçambique ergueu-se para defender sua soberania (mesmo no caso do processo da extradição de Manuel Chang para Maputo), distanciando-se de uma dívida perversa e fazendo com que, em última análise, e depois de alguns anos em banho-maria, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reiniciasse seu programa de empréstimos a Moçambique, com financiamento directo ao orçamento, arrastando, paulatinamente, outros doadores que tinham virado costas ao país e àquela modalidade de ajuda.
Por outras palavras, o custo político de uma inação da PGR no estrangeiro seria grave. E, eventualmente, o diálogo com e o apoio dos doadores permaneceria no limbo. Aliás, o Conselho Constitucional também declarou a dívida como inconstitucional. De modo que ir a Londres foi também uma atitude de alinhamento com essa declaração de inconstitucionalidade.
E se a PGR ganhar o principal processo (Estado moçambicano contra o CS, Privinvest e outros – Declaração de ilegalidade das garantias e responsabilização civil dos que participaram na contracção das dívidas – High Court of Justice, Business and Property Courts of England and Wales Commercial Court)? No caso dessa hipótese ainda em aberto se verificar, será a cereja no topo do bolo. Moçambique recuperaria boa parte dos milhões roubados. E se perdemos, uma nova tragédia orçamental.
Mas...
Mas a PGR, como entidade do Estado, tem o dever de ser transparente, ela própria. A PGR tem o dever de prestar contas à sociedade. A PGR deve explicar qual foi o critério usado para contratar cada uma das firmas de advocacia estrangeira, as quais prestam serviço a Moçambique enquanto autor de acção judicial e as que nos defendem de acções e contra-atacam, seja em tribunais criminais como em fóruns de arbitragem.
A PGR tem o dever de explicar quem paga as suas despesas no estrangeiro. Se é o Governo, via orçamento do Estado, ou se são outras fontes...deve explicar-nos se os custos dessa toda assessoria não ultrapassam os limites orçamentais aprovados pela AR. Deve, em suma, vir a público explicar porque contratou esta firma e não aquela outra. É isto que pedimos! O que pretendemos é que a Procuradoria Geral da República preste contas relativas às suas acções, sobretudo quando isso não acontece em sede da Assembleia da República.
A PGR não deve ser uma ilha isolada num arquipélago onde todas as outras ilhas devem actuar com probidade. Ela deve ser o exemplo cimeiro da transparência. É isso que exigimos! (Marcelo Mosse)
Ontem de manhã, com uma das salas das Torres Radisson abarrotada e rasgando-se pelas costuras, a antiga Primeira Ministra Luísa Diogo (actual CEO do ABSA em Moçambique), aproveitou um evento de carácter motivacional para testar sua... motivação presidencialista...ou, invertendo a equação, verificar se ela consegue motivar as mulheres moçambicanas das elites políticas e burocráticas de Maputo o suficiente para dar corpo a uma putativa candidatura presidencial pela onda vermelha.
Ela passou nesse teste, diga-se. Se aquela plateia de mais de 200 mulheres fosse o conclave do partido, Luísa Diogo teria passado vitoriosamente pelo crivo dos seus pares.
Mas tratava-se de um simpósio de mulheres, organizado por Augusto Pelembe. Chamaram-lhe de Executive Master Classe. A ideia era uma plateia de mulheres executivas, muitas delas nadas e feitas no respaldo da Frelimo, nos percursos ascendentes da burocracia entre partido e o Estado. Nada das mamanas da OMM. Uma adesão em massa, fazendo jus à semana da mulher. A partir das 9 horas.
No púlpito há três mulheres que se encaixam bem nesse perfil, escolhidas a dedo para darem seu testemunho. Mody Maleiane, filha de Adriano Maleiane; e Esperança Mandlaze, mulher Mário Mangaze, durante largos anos Presidente do Tribunal Supremo (ainda continua lá como assessor) e...a incontornavel Luisa Diogo, que hoje dirige o ABSA, anos depois ter arbitrado a reprivatização do antigo Banco Austral a favor do...ABSA.
Nada das Ivones Soares desta vida! Tudo gente da "situação", do politicamente correcto.
A intervenção de Luísa era a mais esperada. Ela discorreu sua espiral de inspiração para o sucesso ao longo dos anos, seu percurso triunfante, onde a disciplina e foco foram a marca d'água duma personalidade lutadora, que nunca deu o braço a torcer.
Falou da escadaria dessa caminhada e seus espinhos, mostrando que não queimou etapas, que subiu degrau a degrau até chegar a Primeira Ministra. (Desde o Banco Mundial até à entrada para o Governo como Ministra do Plano e Finanças entre 1999 e 2005 e, a partir de fevereiro de 2004 com a saída Pascoal Mucumbi, acumulando com a pasta de Primeira Ministra, donde do saiu em Janeiro de 2010, quando Guebuza, reeleito, a substituiu por Aires Ali).
Um percurso que inspira muitas mulheres, como se viu hoje. Luísa Diogo mostrou que era possível. E a plateia, que escutava atentamente, vibrou. Mas vibrou mais quando Luísa, já como remate final, declarou: já fiz tudo desde baixo até o topo, já assumi as funções de Primeira Ministra, o que é que me falta?
Em uníssono, a plateia devolveu: ser Presidente da República.
E depois veio um aplauso de minutos, ininterruptos, que encerraram o evento já depois das 12 horas. Na tez, nas mentes, no imaginário de todos, a imagem de uma Luísa Diogo na Ponta Vermelha.
E houve quem mesmo lhe perguntasse: É isso?
Ela não abriu o jogo, deixando no ar as dúvidas sobre quem, de vez em quando, vem testando sua aceitação pública (urbana, entre as elites) para Presidência da República de Moçambique.
Luisa, Presidenta? A ver vamos!
A VP de Joe Biden terminou ontem uma visita a Zâmbia. Kamala Harris deve ter engolido em seco várias vezes durante um evento público em que o líder da oposição zambiana Fred M’membe denunciou a postura imperialista americana em África. O discurso de Fred é cáustico, viperino. A América não tem credenciais para ensinar democracia aos africanos. Etc. E perante Harris, o político recordou as partes mais negras da política americana em África. Ouçam! Um resumo escrito foi circulado várias vezes.
Fred M’membe, para quem não o conhecia, não é político de ocasião. É um político por vocação, no sentido de Weber. Mas um político que se fez na escola do jornalismo. Aliás, ele é um jornalista independente, premiado no estrangeiro, editor do príncipal semanário independente da Zâmbia, o The Post. Isso explica seu discurso, sua eloquência, sem cábulas nem rascunhos, perante uma plateia resvalando entre a hesitação e o cinismo.
É um jornalista habituado a lidar com a verdade, expondo-a nua e cruamente. Alguém que os tem no lugar. Kamala esperava um discurso de hosanas ao sonho americano? Talvez não! Mas saiu da Zâmbia com o nome de M’membe bem gravado na memória. Tufa!
A solidariedade para com as gentes de Zambézia afectadas pela virulência do ciclone FREDDY acontece a dois níveis. Como sempre os movimentos de solidariedade nascem das raízes humanas, das pequenas elites tomando iniciativa na ausência do Estado, comum em Moçambique.
Na Beira do IDAI foram pequenos grupos de convivas de café no Chamuari que puseram mãos à obra. A solidariedade no IDAI foi um marco indelével: o país mexeu-se e da capital zarpou um navio cheio de mantimentos, chegando a tempo de serem distribuídos enquanto era necessário.
O que está a acontecer com a Zambézia neste campo da solidariedade civil!?
Eis o que apurei:
Há dois grupos no terreno, cujos membros e coordenação confluem na rede social Whatsapp. O "Zambézia no Coração" é malta de origem espalhada pelo país, seus amigos conectados nessa rede, através da qual fundos são angariados e ajuda em espécie, de não perecíveis, idem.
A conta bancária para a recepção de dinheiro é de Edna Namitete, escolhida a dedo por causa de sua alegada idoneidade. O conceituado jurista Abdul Carimo Issa, o Buda, é uma das faces mais visíveis deste grupo, que já tem estado a transferir dinheiro para Quelimane. O movimento está a coletar bens em Maputo mas o dilema será mesmo como transportar para a Zambézia.
Para além da "Zambézia no Coração" existe o grupo "Todos pela Zambézia", baseado em Quelimane. Este grupo está a distribuir comida a quem não tem o que comer. São milhares não só em Quelimane e arredores mas também em Mocuba e na isolada Maganja da Costa. O que as pessoas precisam é de comida.
Reporta-se que o IGND está a distribuir bens alimentares não confeccionados mas o que as pessoas precisam é de comida, frise-se. De acordo com o INGD na Zambézia, 211.784 encontram-se deslocadas. Cerca de 50 mil pessoas foram recolhidas para em 49 centros de acomodação, onde estão a receber ajuda.
O paradoxo é esse mesmo: o grupo "Todos pela Zambézia" serve comida quente e o INGD oferece produtos não confeccionados a pessoas que não têm utensílios para transformar esses bens em comida.
O transporte de eventuais ajudas colectadas em Maputo vai ser um problema. Mas a grande dúvida é se a solidariedade maputense vai ser espontânea e robusta como foi com o IDAI. Na altura, março de 2019, o Porto do Maputo abriu dois armazéns que receberam víveres e roupas, que foram enviadas para a Beira através do “Border”, um “combo vessel”, que também tem capacidade para 400 contentores.
Os efeitos do Freddy na Zambézia ainda não despoletaram semelhante onda. Dúvida-se que isso venha acontecer, a nao ser que a mobilização reforce sua comunicação.. Há poucas semanas, as cheias no sul de Maputo mobilizaram a solidariedade local, com suas pontes de afectos.
Mas os afectos pela Zambézia ainda nao surgiram como uma onda rasgando a indiferença. O facto é que as pessoas estão cansadas. Sobretudo quando não vêm da parte do Estado uma resposta firme.
O Porto do Maputo está de plantão à espera...Mas para além dos grupos zambezianos, pouco se vê. Em Maputo, parece que as pessoas estão concentradas no pós-morte do artista com suas azagaias empunhadas.
O dilema de transportar o grupo Zambézia no Coração é real. Uma companhia de telefonia terá oferecido 10 toneladas de produtos diversos. Como se trata de emergência, essa oferta devia já estar a caminho da Zambézia, e o ideal seria por via aérea. Há quem sugeriu que a LAM pudesse fazê-lo de noite, com seus aviões comerciais. Mas para isso é preciso que a decisão política saia dos gabinetes. (Marcelo Mosse)
Nenhum moçambicano, depois de Mondlane e Samora, viu seu ideário de combate político, de verticalidade e cidadania, ser reconhecido em Moçambique e no estrangeiro, tornando-se fonte de inspiração de novas lutas contra a opressão e a marginalização dos povos. Só Azagaia! Ele tornou-se no terceiro grande símbolo da mocambicanidade. Quando a História deste país for reescrita, esta verdade será registada.
Se os factos constantes na “exposé” sobre o Tribunal Administrativo, que já circula nas redes sociais, forem confirmados, estamos perante o descalabro de uma instituição que era tida como credível. A denúncia, anónima, mas bem documentada, expõe um cenário de práticas de corrupção, peculato, nepotismo compadrio dentro do TA. Não é uma denúncia de má-fé. Ela está bem documentada é isso dá-lhe credibilidade.
O TA é o Auditor Externo do Governo, um pilar de relevo no sistema de integridade nacional. É um pilar central do ciclo orçamental do Governo, cabendo-lhe velar pela qualidade da despesa pública, essencial para a prossecução de um Estado Democrático.
Esta instituição, pela sua natureza, devia ser gerida com altos padrões de transparência e probidade. Mas a denúncia revela uma instituição capturada por interesses e até politicamente controlada, designadamente quando menciona que há instruções para não se fazer auditorias às nossas embaixadas por causa do risco de se expor a má gestão financeira das nossas missões no estrangeiro (lembrem-se que há dois antigos embaixadores, altos quadros da Frelimo, condenados por corrupção em primeira instância).
A denúncia é bem-vinda. Ela mostra uma podridão escondida, um padrão de improbidade que se replica nas nossas instituições. Até que enfim apareceu um whistleblower colocando a boca no trombone. Fez bem!
O recurso ao anonimato também é correcto, para sua protecção. O risco de vingança e retaliação contra ele seria maior. Às vezes, é o próprio Estado que retalia, quando está em causa a sua imagem (ver caso Julian Assange).
Esta denúncia põe a nu a credibilidade do nosso Estado. Aquando do início da transição democrática em Moçambique, o TA recebeu muito apoio técnico e financeiro dos doadores, destacando-se a Embaixada da Suécia. Ao longo dos anos, o TA cresceu em capacidade e integridade, sob a liderança do Dr. António Pale. Depois veio o que veio. É um cenário lastimoso. Se o TA perde credibilidade o que dizer do seu trabalho. E há quem diga que a denúncia em causa é apenas a ponta do iceberg.
Os detalhes constantes no documento são suficientes para se dar início a um inquérito judicial. Só espero que não tapem o sol com peneira. Os moçambicanos precisam de um TA forte e íntegro.
Nossos deputados na AR têm aqui um trabalho de verdade. Uma verdadeira Comissão de Inquérito precisa-se. Não aquela passeata turística a Macuse. (Marcelo Mosse)