A sociedade moçambicana encontra-se estes dias profundamente partida. Agitada e muito dividida, desencontrada. Em causa os benefícios que o Estado dá aos combatentes da Luta de Libertação Nacional (LLN), assunto despoletado pela carta da ministra Ana Comoane que instrui a Secretária de Estado de Inhambane a priorizar os dependentes dos combatentes da LLN nas contratações a haver proximamente na sequência das vagas de emprego abertas em várias áreas naquela província. Fica-se por saber se este procedimento da ministra é permanente, sempre aconteceu, ou é um acto isolado e só veio a público porque as cartas vazaram para as redes sociais e depois para os media!
De um lado, está obviamente o próprio Estado, através do governo, a entender que o procedimento é legal e que faz todo o sentido estabelecer e manter privilégios especiais aos combatentes e aos seus dependentes, mas depois concentrar-se apenas nos combatentes da Luta de Libertação Nacional e seus dependentes.
Do outro lado, estão os que entendem que os cidadãos devem ser iguais perante a lei, tal como prescreve a Constituição da Reública de Moçambique (CRM) e que não pode ser o próprio Estado/Governo a promover actos que dividam a sociedade, que promovam a discriminação, a desunião, o descontentamento generalizado e a desarmonia social.
Nada tão pernicioso que uma sociedade dividida, desarmoniosa. Uma sociedade que pretenda progresso, bem estar, desenvolvimento, tem que primar pela harmonia, paz espiritual, consenso nacional e unidade. E tudo isto passa pela promoção de atitudes, comportamentos e procedimentos harmoniosos e apaziguadores.
Na verdade, se lermos com atenção o tal artigo 15 da CRM, vamos perceber que a interpretação que a ministra faz é algo errônea, com algum cheiro a ilegalidade. Promove a discriminação social. O parágrafo número um do referido artigo fala, de facto, de valorização de todos os combatentes - da Luta de Libertação Nacional, da Defesa da Soberania e da Democracia, “reconhece e valoriza os [seus] sacrifícios”. Todos eles são abrangidos. No entanto, já o parágrafo dois fala somente dos combatentes da LLN e diz que “o Estado assegura protecção especial aos que ficaram deficientes na luta de libertação nacional, assim como aos órfãos e outros dependentes daqueles que morreram nesta causa.” Uma interpretação rigorosa diz-nos que se trata de “dependentes” dos combatentes falecidos ou deficientes. E não de todos os combatentes da luta de libertação nacional, como subjacente na instrução da ministra. Portanto, devíamo-nos ater só e só nesta faixa.
Mas há mais que inquieta a sociedade: até onde é quando vão estes “dependentes”? É que na definição actual dos próprios, “combatentes” são todos aqueles que de uma ou de outra forma estiveram envolvidos na Luta de Libertação Nacional, os filhos destes e os netos destes, nalguns casos também os trinetos… daí o termos hoje “combatentes” com idades inferiores à idade da nossa independência nacional. Isto é o que se está a verificar no concreto no dia-a-dia da nossa sociedade. Repare-se que a extrapolação não é para com todos os “combatentes”; mas somente para com os “combatentes da Luta de Libertação Nacional”.
Faz sentido considerar combatente o filho e ou neto de um combatente? Faz sentido considerar professor/engenheiro/médico… o filho e ou neto de um professor/engenheiro/médico? Assim, o filho e ou neto do Eusébio são futebolistas? O filho e ou o neto do Belmiro Simango são basquetistas… do Joaquim João futebolistas…
Ninguém rejeita que os combatentes tenham privilégios especiais, afinal são pessoas muito especiais, que hipotecaram as suas vidas pela libertação da nação moçambicana. Mas que, primeiro, sejam todos os combatentes das várias lutas que o país enfrentou nas várias fases da sua história. Segundo, que não haja extensão forçada da categoria de combatente para filho, neto e trineto. Só o facto de o combatente gozar de privilégios especiais já é o bastante para os seus dependentes terem um futuro de segurança e prosperidade.
É esta extensão forçada e irracional que deixa a sociedade bastante dividida. E nós não podemos patrocinar actos que dividem a nossa pátria amada, sob o risco de termos guerras que nunca acabam!
ME Mabunda