Moçambique está de luto. Estamos de luto. Perdemos um grande Homem. Homem com ‘h’ maiúsculo. Um nacionalista exímio, destro, um grande humanista, homem de paz, pragmático, homem de bem. Que escolheu, logo cedo e de livre e espontânea vontade, a medicina como cavalo de batalha para proporcionar o bem e o melhor ao seu semelhante, sobretudo aos seus compatriotas. E porque a essas alturas a sua pátria ainda não estava em liberdade, teve que juntar a sua paixão, a medicina, à luta de libertação nacional para poder libertar e servir melhor o seu povo. Fez as duas coisas: a luta e a medicina. E fê-las com muita destreza! Conquistada a independência, dedicou-se, de jure e de facto, à profissão que escolheu. Foi simples médico em hospital modesto e desconhecido algures; depois, foi director de hospital, também modesto e algures; e só mais tarde é que foi “jogar na melhor posição em que devia jogar”: onde podia libertar abertamente todas as suas qualidades, competências e saberes, humanas, profissionais, acadêmicas, sociais, etc.: Liderança. Foi director. Depois foi ministro da Saúde por dez anos, período durante o qual catapultou o nome de Moçambique para as melhores páginas da Organização Mundial da Saúde. Os indicadores de desempenho do país na área consolidaram-se ainda mais e continuaram a subir no ranking mundial nas várias campanhas de vacinação e de combate a diversas doenças, sobretudo a varíola. De tal sorte que Moçambique tem sido referenciado em várias iniciativas da OMS; foi elogiado recentemente por ter conseguido gerir bem a campanha de vacinação contra o coronavírus, em parte devido ao legado, à experiência e ao histórico que teve a mão de Pascoal Mocumbi.
Espero que, um dia, os historiadores - ou aquele/s que for/em a fazer o registo biográfico deste grande homem - tenham a devida e satisfatória elaboração sobre o contributo que este nobre filho da terra teve no nosso Sistema Nacional da Saúde e na Organização Mundial da Saúde (OMS) - sobretudo, mas não só, o seu contributo na erradicação da varíola do nosso solo pátrio.
No que me toca. Começo o jornalismo em 1987, quando ele passa de ministro da Saúde para o de Negócios Estrangeiros. Digamos que do ministro da Saúde quase nada tenho registado. Do seu novo pelouro, foca (principiante) que eu não era na altura, naturalmente que não era destacado a fazer coberturas que requeressem grandes responsabilidades, saber e experiência. Gradualmente, fui assumindo responsabilidades profissionais. E eis que, em 1993, já depois do AGP, envolvido num projecto pessoal do Presidente Chissano, tive que viajar… lado a lado, com o então ministro dos Negócios Estrangeiros para Inhambane! Estava a recolher uma e outra informação para a autobiografia que o antigo estadista estava então a escrever - já estava escrita praticamente a obra Tempos, Lugares e Espaços, mas uma ou outra coisa tinha que ser complementada e eu tinha que estar por perto, pois eram as melhores oportunidades para encontrar esta ou aquela figura - o trabalho continua, falta a segunda e a terceira parte da biografia... É assim que, estando em visita presidencial a Inhambane, mais em pré-campanha, pois as eleições de 1994 estavam à vista, havia que estar por perto. E a boleia encontrada foi a do ministro dos Negócios Estrangeiros que tinha que se juntar à comitiva presidencial em Inhambane. Lá peguei a minha pastinha com algumas roupinhas e lá me fiz… ao carro protocolar do Dr. Pascoal Mocumbi. Lado a lado nos bancos de traz da “land cruiser”. Não tenho palavras para descrever a angústia que se apossou de mim. Não sabia como aguentar 500 quilómetros ao lado de uma grande figura, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique. Até hoje, não me lembro direito de como aguentei, mas certo, certo é que saímos de Maputo às 13 e tal e por volta das 22 horas chegamos ao destino. Como, não sei… mas não colapsei. Nem serviram de nada os jornais portugueses que levara para ler pelo caminho… Mas foi boa conversa, alimentada mais por ele do que por mim, inexperiente e tímido, além de muito novo! Daí para frente, houve mais simpatia e empatia também.
Feitas as eleições de 1994, Pascoal Mocumbi fica primeiro-ministro, o segundo primeiro-ministro de Moçambique a seguir ao Dr. Mário Machungo (que também repouse em paz). Uma das “coisas” que o Dr. Mocumbi introduz no relacionamento com a imprensa são os briefings semanais com jornalistas. Todas as manhãs das quintas-feiras, lá estava ele, sumptuoso como era, a falar à imprensa sobre todas as áreas do Governo.
Esta prática duraria o tempo em que ele esteve no cargo e… ficaria, assim, a marca do primeiro-ministro Pascoal Mocumbi! Não delegava, não era irregular, houvesse ou não assunto quente, ia pessoalmente e falava de boca cheia sobre todos os assuntos do Governo. Uma e outra vez levava um ministro ou vice, mas na maioria das vezes era ele que punha a sua voz audível. Respostas práticas, concretas e directas.
Tendo saido nos últimos meses do mandato do Presidente Chissano, seguiu-se-lhe a Dra. Luís Diogo. Ainda continuou um pouco com a prática, mas depois… acabou! Não mais houve briefings dos primeiros-ministros… até hoje. Uma prática salutar, que aproximava bastante o Governo à media, ajudava a dissipar quaisquer que fossem as partes menos claras; e ajudava a sociedade a compreender as políticas e práticas. Hoje, nós, os comunicadores, queixamo-nos de que o nosso executivo não se comunica, ou se comunica mal… uma das razões é a ausência desta prática que já foi rotina. No tempo do Dr. Pascoal Mocumbi, não era preciso haver assunto para ele sair ao briefing. Era importante comunicar-se com a sociedade!
Um legado saudável que… botamos abaixo!
Vá e descanse em paz, ilustre Dr. Pascoal Manuel Mocumbi. Cumpriu e muito bem a sua missão na terra!
ME Mabunda