(Ao Reverendo Dom Dinis Sengulane)
Poucos anos após o restabelecimento da paz em Moçambique, na sequência do Acordo Geral de Paz assinado na capital italiana Roma, a 4 de Outubro de 1992, o Reverendo Dom Dinis Sengulane, então Bispo da Diocese dos Libombos, brindou o mundo com a sua incrível imaginação. Em variadíssimas sessões, encontros ecuménicos, reuniões diversas, pedia a todos os participantes para pronunciarem sorridentemente a expressão Olá Paz! Tipo uma confissão de verdadeiro comprometimento, engajamento, entrega desinteressada; ou aquela circunstância em que um homem quando tenta conquistar uma mulher de quem sente uma grande paixão! E todo o mundo pronunciava Olá Paz, com toda a solenidade, sinceridade e do fundo do seu coração, como uma espécie de confissão de amor que se sentia pela paz, ou uma tentativa de atraí-la, conquistá-la e amá-la! Lembro-me de, na sequência, o Presidente Chissano ter comentado agradavelmente e sobretudo agradecido a criatividade de Dom Dinis Sengulane. O país deve muito a este homem!
E a expressão Ola Paz entrou para o vocabulário político e social nacional. No início, com mais ímpeto, maior frequência, depois com menos e, hoje, quase ninguém se lembra dela. Mas, certo é que ao longo deste tempo todo andamos a tentar conquistar a paz, a tentar amá-la e a tentar conservá-la. Ao que tudo indica, sem o conseguir, pois, de tempo em tempo, as matanças e os impedimentos de circulação prosseguiam. Depois de Roma, houve mais acordos, uns quatro outros no total, com nomes rebuscados.
Só que, como diz um ditado xangana, ‘swilo swa ku kala swinga heli swa lhola’, em português: não há nada, mesmo um mal, que perdure para todo o sempre! Conseguimos encontrá-la lá nas matas de Gorongosa e, sexta-feira 16 de Junho, ao invés de assinalarmos o massacre de Mueda, ou o dia do nosso Metical, encerramos a última base e recolhemos a última arma da Renamo, ao que se seguiram belíssimos discursos de ocasião. Intervenções confluentes na imperiosidade da necessidade de conservar a paz conseguida. Todo o moçambicano com acesso aos media e disponível viu aquela cena a partir de Gorongosa. O mundo viu e aplaudiu. Até hoje, as congratulações brotam de todos os quatro cantos do mundo. Parabéns a Moçambique e aos moçambicanos, parece que, finalmente, encontraram a paz! Olá Paz!
Só que, com muito espanto e lamentação, há moçambicanos que entendem que alguém ganhou a guerra contra outrem. Definitivamente, estou com dúvidas se vamos conseguir manter a paz que almejamos, ou auguramos, como gosta de dizer ultimamente o chefe do Estado. Se tivesse havido um vencedor, ter-se-ia imposto: um vencedor não é apresentado, impõe-se!
Estamos todos tão empolgados e emocionados que até nos esquecemos de certas aporias. Esquecemo-nos que aquela arma que Ossufo Momade entregou a Filipe Nyusi, que demonstrou não ser expert na matéria, não foi parar onde estava, nas matas de Gorongosa, por si só: ela não tem pernas, não anda, não se compra a si próprio, não dispara sozinha, ela não mata sozinha. Esquecemos que é uma mente humana que dela se serve/serviu: que a foi comprar onde a comprou, levou-a para onde a levou, fê-la disparar onde e quando bem lhe apeteceu; e fê-la tirar a vida a quem entendeu, ou destruiu os bens que entendeu destruir. Em palavras mais precisas, dela se serviu para a consecução de um determinado propósito!
Mais importante ainda, esquecemo-nos de que a luta não se faz somente de material bélico nas mãos. Mahatma Ghandi fez escola no mundo. ANC fez escola no mundo. Marchas, manifestações, absentismo, greves, paralisações… são também modalidades de luta. Portanto, o facto de a Renamo ter entregue as últimas armas não pode ser tido e entendido como, ipsis verbis, que ela abdicou de lutar pelos objectivos por que se tem batido desde… 1977! Que ficou reduzido a zero! Nada.
A par de jubilarmos, interessa agora decifrar o propósito que levou a que aquela arma fosse adquirida onde foi adquirida, trazida e usada para matar compatriotas. Uma oportunidade soberba de, com muita solenidade, seriedade e sinceridade, esmiuçarmos as razões que nos leva(ra)m a diferenças que conduziram a matanças, destruições e retrocessos no nosso desenvolvimento.
Todos os discursos apontaram para a necessidade de reconciliação e reunificação da família moçambicana. Há que traduzir estes conceitos em acções concretas. Falaram da necessidade de inclusão, de democracia genuína, de liberdades de facto, de boa governação, séria; pois, é chegado agora o momento de se decifrar o conteúdo de inclusão e implementar no concreto. Se não formos capazes de tudo isto e persistirmos na exclusão ou rejeição ao outro, a cercearmos as liberdades, a trapacearmos a democracia que escolhemos, continuarmos a praticar nepotismos, a patrocinar a corrupção, não terá valido nada todo o esforço despendido para chegarmos à paz. Voltaremos à estaca zero, àqueles ou outros bang-bangs!
E convém dizer uma coisa: nós não chegamos à paz! Chegamos, sim, a entendimentos sobre a paz. Como alguém disse e bem, a paz não é algo consumado, tangível; é, sim, um processo, um estado que precisa de muito cuidado e rigor na observância, conservação e manutenção das suas premissas. Como um jardim. A paz advirá dos actos que doravante formos a praticar. O que conseguimos é um momento em que dizemos: “ok, vamos recomeçar”! Tudo dependerá do que todos os moçambicanos forem a fazer daqui em diante, sobretudo aqueles que dirigem, decidem e orientam.
Olá Paz!
ME Mabunda