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terça-feira, 03 outubro 2023 10:07

Mambone

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Ainda fui a tempo, no início da carreira jornalística, anos oitenta até finais dos anos noventa, de ouvir histórias de tirar o cabelo, de electrizar um ser humano normal. Foram muitas e de diversa índole e que, de alguma forma, habitam no meu imaginário - alicerçadas, com efeito, em muito semelhante ao que vinha ouvindo desde a infância lá nas terras interiores de Chibuto. Uma rezava que um ministro visitou um certo distrito no âmbito das suas atribuições governamentais. O administrador mandou organizar uma recepção à altura do responsável que ia receber, como de praxe: uns grupos culturais locais. De facto, mal os carros da comitiva pararam e o chefe saiu da viatura, os grupos culturais puseram-se a fazer com mais intensidade o melhor do que sabem: batucadas, cantadas e dançadas, bastante bem harmonizadas. Um dos grupos tinha cobras que condimentavam a sua coreografia. Cobras vivas. E eis que o maestro se abeira do chefe, pega numa das cobras que tinha no seu próprio colo e enrola-a no do chefe. O chefe foi “homem”, não colapsou. Mas confessou, mais tarde, que esteve fora de si naquele e nos subsequentes momentos, tremendo foi o susto que apanhou, apesar de a cobra não ter feito muitos movimentos. Percebendo que o chefe estava bastante assustado, o administrador tratou de orientar ao maestro para tirar a cobra do corpo do chefe. Doravante, o ministro passou a andar menos pelos distritos e confessaria que aquela cena vive com ele no seu imaginário!

 

Histórias destas existem às milhentas, quer tendo como personagens principais administradores e ou governadores, quer directores nacionais. O querido leitor certamente que terá muitas mais ainda… - e pode acrescentá-las na versão do Facebook deste artigo.

 

Ouvíamos, igualmente, de administradores distritais que só iam dormir nos palácios passado bom tempo após a nomeação, seis meses ou ano, ano e meio. Não me perguntem ‘depois de, eles próprios, terem feito o quê exactamente’. O que se conta são mil e uma coisas: ou que durante a noite ouviam sons estranhos, ou gente conversando, multidão barulhando, por vezes cantando, ou andando, marchando; ou ainda cavalos ou burros galopando à volta da casa; para além de frequentes visitas nocturnas de animais selvagens, incluindo cobras, mas, dia seguinte, não se via uma única pegada de nada. Por tudo isto, não ocupavam de imediato os palácios, viviam nas casas de hóspedes por um período indeterminado... Mas também existem histórias daqueles responsáveis que não vão directamente ocupar os gabinetes dos predecessores, trabalhando a partir de outras salas; ou que mandam mudar todo o mobiliário na sala do antecessor...

 

Estas histórias (ou estórias) não surpreendem assim tanto para muitos de nós que crescemos a ouvir coisas e coisas do gênero. Por exemplo, crescemos a ouvir que para se ser rico, ter-se êxito na vida, em todas as áreas, era/é preciso “khendlar” (ir a um curandeiro ser tratado para tal). Na nossa filosofia bantu, aparentemente o sucesso não decorre de procedimentos metodológicos rigorosos, científicos, racionais, eficientes; mas, sim, de ter sido tratado por um grande curandeiro. Na nossa tradição, a ciência, ela sozinha, não leva ao sucesso, mas um excelente curandeiro sim. Muitos, até hoje, ainda acreditam nesta abordagem. Mesmo com o avanço da educação, da ciência e da tecnologia, há os que continuam amarrados a este pensar.

 

E, geralmente, dizia-se  que os melhores curandeiros são os de longe e que os locais são aqueles “santos da casa”, que não fazem milagres! Foi assim que fomos ouvindo de locais bem distantes como os que tinham os melhores curandeiros, os mais, mais. Sítios como Panda Mudjekene, Funhalouro, Chigubo, Mabote, Mussapa, Inhassoro e …Govuro!, estão entre os locais com os melhores curandeiros. Dizendo simplesmente Govuro, pode passar despercebido a muitos; mas dizer… Mambone, já toda a gente fica em sentido! Mambone figura no top, fala-se dos maiores curandeiros da terra… com o seu famoso Nengue wa nsuna (pé de mosquito), que faz todos os milagres que o paciente quer - ser rico, ser saudável, conseguir não sei mais o que... E mais: a força/fama que Mambone tem, o medo que se tem são tais que só mencionar que… “já esteve em Mambone”… confere outras valências, consideração ou tratamento.

 

Sobre Govuro, aliás, Mambone, fala-se de curandeiros para cuja casa não precisa de guia, basta se decidir por ele, apanhar autocarro e descer na paragem certa, alguma coisa vai-lhe guiar até lá! E terminado o tratamento só sai estando o curandeiro satisfeito! Fala-se de outros em cuja casa só entra mediante certos rituais e que paga o tratamento com “catorzinhas”, tendo ele já uma quantidade incontável de “mulheres”; ou de uns outros que, gostando da paciente (mulher que pretende o tratamento), torna-a esposa, no lugar de a tratar e deixá-la ir para a sua vida! Fala-se de tudo mais alguma coisa…

 

Foi assim que conhecer Mambone ficou uma obsessão. Não para ir ao tratamento, khendlar, mas para ir compreender um pouco mais a dimensão humana, a abordagem da vida que torna as pessoas ricas sem trabalho árduo, mas através de magia. Nunca consegui oportunidade. Contudo, há dias, fui dar a Mambone - a famosa Mambone - e, depois, a Nova Mambone! Bem gostaria de ter ido a casa de uns tantos desses curandeiros famosos, conversar com eles, entrevistá-los, reportar o ambiente diário que os rodeia, entender a lógica, a vida deles e registar em obra. Mas… fica a consolação de ter conhecido Mambone, o famoso Mambone. Um dia… talvez!

 

Mambone que, afinal, em termos de geografia natural, física, é uma terra, com tudo o que uma terra normal compreende, pesem as suas especificidades, famas, complexidades, particularidades e riquezas em, entre outras coisas… curandeiros destros, exímios e famosos!

 

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