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segunda-feira, 25 novembro 2024 09:41

Tensão pós-eleitoral: diálogo dos surdos e mudos

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O Presidente Filipe Nyusi chamou os quatro candidatos presidenciais das eleições de Outubro passado para uma reunião que apelidou de “diálogo”, na sequência da presente crise eleitoral. A Presidência da República não divulgou quaisquer Termos de Referência. “Carta da Semana” apurou que o evento não foi debatido ao nível do Governo nem nos círculos mais restritos da Comissão Política do Partido Frelimo. Ou seja, trata-se de uma encenação a solo de Filipe Nyusi, cada vez mais isolado externa e internamente.

 

Texto: Marcelo Mosse

 

O “diálogo” vai acontecer na próxima terça-feira. Na véspera, apenas o candidato Venâncio Mondlane (que já se declarou vencedor das presidenciais sem nunca ter apresentado a “prova dos editais”) exacerbou o alcance da putativa reunião, apresentando seus Termos de Referência e vendendo a percepção de que ele é o principal visado pela convocação nyussista. 

 

O líder da Renamo, Ossufo Momade, pareceu indiferente à convocação. Por sua vez, Lutero Simango, candidato pelo MDM, disse que compareceria ao diálogo, mas ele pretende que o mesmo seja uma discussão sobre as “causas” da crise eleitoral. 

 

Como se vê, à partida, o “diálogo”, sem qualquer consulta prévia entre as partes integrantes, vai resultar num aborto. Nyusi está numa "saia justa". Na quarta-feira, a SADC recusou apoiar a Frelimo e Daniel Chapo, num encontro em que estiveram presentes apenas cinco presidentes, nomeadamente do Zimbabwe, Botswana, República Democrática do Congo, Madagáscar e Moçambique e apenas funcionários de nível inferior da África do Sul e de outros membros da SADC.

 

Isso ficou óbvio no comunicado final da Cimeira: "A Cimeira elogiou as Repúblicas de Moçambique, Botswana e Maurícias pelo sucesso na realização de eleições pacíficas e felicitou os líderes recém-eleitos, nomeadamente o Presidente Duma Gideon Boko, da República do Botswana, e o Honorável Doutor Navin Ramgoolam, o primeiro-ministro das Maurícias". Não houve nenhuma menção a Chapo. 

 

Posteriormente, o comunicado dizia ter "recebido uma actualização de Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique, sobre a situação política e de segurança pós-eleitoral no país e reafirmou o seu compromisso inabalável em trabalhar com a República de Moçambique na garantia da paz".

 

Mais uma vez, nenhum apoio a Moçambique na situação “política pós-eleitoral”, isso depois de um dia antes, terça-feira, Nyusi ter mostrado sua abertura para o tal “diálogo”. Com agenda desconhecida, há quem adivinhe que o diálogo nyussista poderá envolver dois tipos de discussão, nomeadamente:

 

  1. i) a discussão sobre a verdade eleitoral: sendo que o Conselho Constitucional ainda não divulgou o seu relatório de validação e proclamação dos resultados eleitorais, dando seguimento ao veredicto amplamente contestado da CNE, é esperado que Nyusi tente confrontar Venâncio Mondlane, desafiando-o a apresentar a base da sua auto-proclamação como vencedor. Nos seus Termos de Referência, VM7 exige a “reposição da verdade e justiça eleitorais”, mas é óbvio que essa só poderia ser uma empreitada do Conselho Constitucional (CC) e não do “diálogo nyussista”. E sobre a verdade eleitoral, Simango pretende sobre o desempenho errático dos órgãos eleitorais uma sugestão que remete para um consenso quase generalizado: a urgência da reforma do pacote eleitoral.
  1. ii) a discussão sobre um Governo de Unidade Nacional (GUN): mais uma vez, uma perspectiva colocada de mansinho em cima da mesa por VM7, designadamente quando ele propõe um extenso "check list" de medidas e reformas políticas e legais – para lá das reivindicações eleitorais – que só fariam sentido em sede de programa de governo, logo, de um GUN. A expectativa de VM7 quanto à participação num Governo de Unidade é tal na listagem das suas medidas (como a de 3 milhões de casas em cinco anos) que ele se esqueceu de fazer contas básicas, optando por uma narrativa populista sem sustentação orçamental. Seja como for, não nos parece razoável que neste diálogo se possa discutir um tal GUN, pela simples razão de que Nyusi não é o interlocutor válido para esse fim; ele está de saída e deve deixar a quem fica o privilégio da discussão do futuro imediato deste país. Quem vai decidir sobre GUN, coligação pós-eleitoral ou inclusão programática é quem for proclamado Presidente da República.

 

De modo que, na análise da “Carta da Semana”, não esperamos que este diálogo nyussista traga grandes avanços. Será, mais uma vez, um diálogo de surdos (e mudos), tal como se caracterizou o consulado de Nyusi. Seu fenótipo é avesso ao diálogo, tal como demonstrou ao longo de 10 anos – e não é agora que ele vai fazer justamente o contrário.

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