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Maputo -

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terça-feira, 26 novembro 2019 07:16

A última dança

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O seu sistema de posicionamento cerebral (SPC) levava-lhe invariavelmente para o mesmo local, todos os dias e ali ficava estabelecendo um acérrimo contacto com a montra que hospedava diverso material de vestuário.

 

Cumpria rigorosamente dez minutos matinais numa fixação perene sem nenhuma distração, nada o desarmava, transeuntes espiavam-no pelo canto do olho temendo despertar qualquer animosidade que morasse naquela mente.

 

Quando terminava a sua missão partia e vagueava pelas ruelas da zona alta da cidade de Maputo, sempre andrajoso e com a sua cabeleira curta completamente despenteada.

 

O seu rosto taciturno deixava transparecer uma introspeção mordaz, não se lhe adivinhava as acções, amiúde recorria a alguns locais onde recolhia algo para comer depois dirigia-se para o local onde repousava, um velho barracão abandonado que partilhava com outros sem abrigo.

 

Já pelo final do dia, passava horas lendo jornais com auxílio da luz emprestada pelo candeeiro que entrava pela janela escancarada.  

 

Distanciava-se suficientemente de outros moradores do barracão e enclausurava-se, num silêncio que deixava os outros prenhes de um certo nervosismo pela atitude antipática deste.

 

Ninguém o conhecia ou reconhecia a origem ou identidade do homenzinho meio tísico e com a barba mista povoando seu queixo.

 

Especulações a respeito do homem surgiam por toda urbe, uns diziam que era um viúvo frustrado, outros que ele fora ministro, os julgamentos populares aumentavam a curiosidade a respeito do homem.

 

Um dia o homenzinho desmarcou-se da sua posição e avançou em direcção a loja, quando atingiu o umbral foi impedido pelo segurança, ele olhou com desdém para o seu obstáculo e efectuou dois passos na rectaguarda, parou, levou a mão directa para o bolso do seu calção roto e sujo; o guarda retirou a arma que trazia a tiracolo e a empunhou.

 

Este acto conferiu um momento de alvoroço na loja e nas imediações, os transeuntes que estavam perto dali pararam e advogaram o indefeso, mas mesmo assim o segurança manteve-se irredutível.

 

O homenzinho sereno mostrou o dinheiro que acabava de sacar do bolso, mas mesmo ante este gesto desarmado o guarda continuou irredutível. Assim ele optou desistir de visitar a loja arrumou seu dinheiro, recolheu a sua vontade e rumou para outro destino.

 

As incursões a sua loja predilecta já durava um mês, ninguém desvendava porque o fazia, mas depois desta tentativa frustrada de aceder muitos depreenderam que o homenzinho deveria querer adquirir alguma vestimenta para si, pois andava completamente esfarrapado.

 

No dia seguinte o homenzinho não se fez presente no seu posto, certo desalento assaltou os peões que se haviam habituado com a comparência dele.

 

A montra tinha o vidro quebrado e o segurança não sabia explicar o que havia sucedido, a polícia e o gerente da loja faziam o balanço dos prejuízos, para além do vidro espatifado desaparecera um vestido azul e o respectivo manequim.

 

Quando o indivíduo apareceu perante os demais moradores do barracão ninguém o reconheceu estava todo asseado, cabelo penteado, barba feita, trajava uma camisa de seda castanha e umas calças jeans, estava descalço. Quando percebeu que todos o viam, desapareceu para reaparecer instantes depois acompanhado de uma mulher com vestido azul, ele cantava animado e os dois evoluíam num passo de dança

 

- Fico feliz por te reencontrar querida Josefa. – disse por fim Albano todo sorridente.

 

Os outros sem abrigo animados aplaudiam eufóricos.

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