Decorre desde 23 de Agosto passado o que muitos chamam de maior julgamento da história de Moçambique, pela sua natureza, magnitude e extensão. Em termos de natureza, é a primeira vez na nossa existência que temos um caso de julgamento de grande corrupção, no sentido de envolvimento de valores altos, à volta de cinquenta milhões de dólares, mesmo que alguns considerem que ainda falta descobrir o paradeiro dos 700 MUSD que a Krol não conseguiu nem sentir o cheiro do seu destino. Magnitude, dada a quantidade de réus envolvidos: 19, por enquanto; mas há muitos mais! Em termos de extensão, ainda não se sabe ao certo quanto tempo vai durar, mas, em princípio, não vai ser menos de seis meses. Na tentativa de ajudar na compreensão deste facto social, para usar uma expressão sociológica, vamos aqui fazer o levantamento de termos e ou conceitos que estão lá em uso e vamos procurar dar-lhes sentido, de acordo com o linguajar popular, vulgo senso comum. A ordem não vai, ao contrário dos dicionários ou prontuários comuns, obedecer à do abecedário; tentará ser na sequência do entendimento do povão. Não é fechado, o leitor pode acrescentar ou melhorar certo conceito e ou a sua significação.
Dívidas ocultas - Dinheiro roubado ao Estado moçambicano por um grupo de cidadãos, no valor global de 2.2 BUSD, ao abrigo do projecto de protecção da Zona Económica Especial. Não há consenso sobre a designação do fenômeno que ocorreu. Uns chamam de dívidas ocultas, outros, de dívidas não declaradas, outros ainda de dívidas ilícitas, outros ainda mais, de dívidas ilegais. Pelas argumentações de todas as partes, fica claro que se trata de dívidas ilegais, uma vez que foram contraídas à margem da lei. No processo da sua contração, devia ter havido aquiescência da Assembleia da República e do Tribunal Administrativo. Para o cidadão de rua, trata-se de dinheiro roubado ao povo, pura e simplesmente!
Questões prévias - Momento, antes da audiência, em que os advogados de defesa, isto é, dos caloteiros, se unem e fazem de tudo para inviabilizar o julgamento. Levantam questões e questões, até aquelas que muito antes da marcação da data do julgamento tinham já colocado ao juiz, tipo a cobertura jornalística do evento, ou a liberdade condicional de alguns arguidos, alegadamente porque os prazos de prisão preventiva tinham expirado e, outros, sendo membros dos Serviços de Segurança não deviam ser presos… tudo para que o tribunal se renda às suas pretensões. Na boca do povo, o juiz da causa desbaratou todos os malandros! E disse alto e bom tom que eles não estavam ao serviço do Estado, mas a roubarem o Estado.
Abu Dabi - Cidade talismã que o povo sonha em estar e conhecer. Segunda casa dos caloteiros; nos momentos áureos do calote, viviam lá de passaporte. Quase todos eles tinham vistos de residência, mesmo não residindo lá.
Acusação - Segundo o Ministério Público, os arguidos associaram-se para sacarem ilicitamente da órbita do Estado milhões de frangos (ie., de dólares norte-americanos). Na linguagem dos populares, os arguidos roubaram dinheiro do Estado no valor de muitos milhões de dólares.
Acusação verdadeira - Na elaboração de diversos entendidos, especialistas, acadêmicos, analistas e jornalistas, bem como na percepção do povo nos “chapas”, a verdadeira acusação ainda não foi feita. E a verdadeira acusação é: o governo de então violou a constituição ao contrair empréstimos para determinados projectos, em valores que obrigavam que tivesse que ter a anuência da Assembleia da República e o pronunciamento do Tribunal Administrativo. Não o fez e tais projectos são inexistentes e a Procuradoria Geral da República não agiu, nem está a agir. Mas tem a obrigação de o fazer, responsabilizando o executivo de então.
Acusados - Os arguidos, ou réus. Muito pouco se fala de acusados na sessão. Fala-se mais, na rua e nos chapas, de presos e réus.
Alcunhas - Pseudônimos que Jean Boustani atribuiu aos arguidos e outras os arguidos se foram atribuindo uns aos outros, tudo para despistarem eventuais investigações da lei. A lista detalhada pode ser encontrada no relatório da Kroll.
Arguidos - Réus. Esta equivalência não reúne consenso entre os advogados. Uns entendem que devem ser considerados ‘arguidos’ porque ainda não se provou a sua culpabilidade; enquanto a designação ‘réu’ já traz consigo a carga de culpabilidade. Para o povo na rua, são aqueles que roubaram milhões ao Estado e deles se locupletaram.
Arguidos verdadeiros - Na voz do zé povão, os arguidos em julgamento não são os verdadeiros. Os verdadeiros são os que devem explicar onde é que foram os 2.2 biliões de dólares de que não se fala neste julgamento. No corrente, só se fala de 50 milhões. O povo espera ser esclarecido sobre todo o valor e não apenas uma pequena parcela.
Basetsane - Estrela da manhã, mas também da noite. Estrela da manhã… porque serviu de guia aos reis magos; mas também é da noite, porque apareceu à noite, iluminou e depois desapareceu. A Sra. apareceu, guiou e apresentou Boustani e desapareceu!…
BO - Cadeia de máxima segurança de Moçambique. Este é o segundo grande julgamento que acolhe. O primeiro foi há 19 anos, quando foi julgada a quadrilha que assassinou o jornalista Carlos Cardoso.
Boustani, Jean - Caixa negra. Arquitecto da unidade nacional de todos os caloteiros presos e não presos e nem sequer processados.
Dólares - Moeda norte-americana equiparada a galinhas. Os réus, para se referirem camufladamente aos milhões de dólares que estavam a tratar de embolsar ilicitamente, usavam na documentação a expressão ‘galinhas’; “cinquenta galinhas”…
Fardamento - Cavalo de batalha dos advogados. Pediram insistentemente ao juiz para que os seus constituintes não envergassem a roupa de reclusos nas sessões de julgamento; pedido recusado pelo tribunal.
Facilitador - Teófilo Nhangumele. Grande lobista. Certamente que será debitado a ele a consagração definitiva da profissão de lobista/facilitador na nossa vida social. Nhangumele defendeu com unhas e dentes a sua profissão ou ocupação de facilitador.
Galinhas - Vide dólares.
Juiz Efigénio Baptista - Figura que está a julgar o caso "dívidas ilegais”. Pessoa a quem (i) o mundo inteiro tem em olho para ver até onde vai ou pode ir; (ii) o próprio aparelho de justiça, incluindo e sobretudo a Procuradoria Geral da República, deposita confiança para restaurar a credibilidade, seriedade, honestidade, capacidade e competência há anos perdida; (iii) o povão, àvido de justiça, revoltado, deposita total confiança para a reposição da justiça e para dar uma lição aos políticos; e (iv) a quem os corruptos acham que vai repor a justiça, deixando-os ir em liberdade, a despeito de tanto roubo ao povo. Em pouco tempo, tornou-se uma das figuras mais populares e muito queridas pela população. O futuro de Moçambique e o seu próprio está nas suas mãos.
Ministério Público - Dra. Ana Sheila Marrengula. Para a população em geral, esta é a revelação de uma grande mulher. Muita competência, firmeza, destemida, precisa, incisiva e linguagem fina, apurada - nunca se lhe notou nenhuma gafe linguística. É de grandes mulheres como esta que Moçambique precisa. O futuro pertence-lhe!
Motivação política - Alegação de certos réus mancomunados com os seus advogados para atirar areia aos olhos da populaça. Estratégia para criar confusão nas cabeças das pessoas, desvalorizar o julgamento e transformar o momento em instância de perseguição política, para dar a entender que alguém está a ser politicamente perseguido.
Muito bem - Expressão de fôlego preferida do juiz da causa. Após toda a batalha, pequena ou grande, a expressão que segue é “muito bem”.
Cipriano Sisínio Mutota, também conhecido por Rosário Mutota - O coitado do grupo. O mais injustiçado. Começou a desenhar o projecto de protecção da Zona Económica Especial, mas depois foi afastado. Para seu azar, do grupo dos caloteiros, foi o que menos galinhas recebeu e depois de tanto fazer barulho. Como um azar nunca vem só, o Mutota foi abandonado pela quadrilha na BO, indo ela acomodar-se no hotel de Língamo. Com as poucas galinhas que recebeu, ele foi fazer machamba em Mocuba em local que ninguém conhece, produziu milho, gergelim e soja, cujo dinheiro da venda comeu.
Ndambi - Nome de um fenômeno natural - cheia decorrente de transbordo de um rio, em consequência de chuvas intensas - que o antigo Presidente da República adoptou para o seu primeiro filho. Após o seu interrogatório, ficou conhecido como ‘cinderela mal criada’. Cinderela porque nalguma correspondência com Boustani foi assim tratado; e mal criado na sequência das várias chamadas de atenção feitas pelo juiz no curso do seu interrogatório, em que ele se comportava menos apropriadamente. Vezes sem conta interrompia o juiz, a magistrada do Ministério Público (MP) e ou o assistente do processo, tendo chegado a perguntar à representante do MP se queria um vinho, para além de manter as mãos nos bolsos do seu blusão de 260 euros todo o tempo, até agora.
Não respondo a essa pergunta = Não me ocorre/recordo = Não posso precisar - Expressões dos interrogados/presos para ocultarem informação. Estratégia adoptada pelos reclusos para não confessarem a verdade material ao tribunal e ao público, já que o julgamento está a ser transmitido em directo pelos media.
Vamos, meu caro - Expressão do juiz da causa a puxar pelo escrivão que o senso comum acha que é muito lento. Alguém já sugeriu até que o tribunal adoptasse a técnica já disponível no mercado de conversão automática do texto oral em texto escrito. Há a sensação de que se gasta muito tempo na redacção da acta.
Viagem - Ida (nova entrada na língua). Perguntado o réu se tinha viajado para a Alemanha, respondeu que não tinha viajado para Alemanha, mas tinha ‘ido’ para a Alemanha.
Vinho - Perguntado pela Magistrada do Ministério Público, Dra. Ana Sheila Marrengula, sobre qual era a outra mercadoria que o avião que num dos seus e-mails a Ndambi Guebuza Boustani indicava que tinha embalado vinho e outra mercadoria para a Presidência da República, o arguido respondeu “quer uma garrafa de vinho”?