Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

segunda-feira, 20 abril 2020 15:36

“Os Gatekeeper do Whatsapp’’

O dia 2 de Abril foi o Dia Internacional de Verificação de Factos. Uma efeméride extremamente relevante para os comunicólogos, principalmente os que se sustentam da profusão do ambiente digital para exercer uma actividade profissional, como eu e tantos outros. Em Moçambique, por exemplo, tal como em outros países onde o ambiente para a propagação da desinformação é altamente próspero, muita pouca reflexão foi produzida nesta data.

 

Com a proliferação dos smartphones e a baratização da internet a crescer num ritmo desproporcional ao da alfabetização cibernética, em Moçambique é quase certa a percepção de que caminhamos para um verdadeiro caos sem precedência que pode ser causado por uma indústria cada vez mais presente da desinformação, que rema contra a maré e contra os esforços do nosso sistema de saúde.

 

Até o Dia da Mentira, que se celebrou um dia antes do Dia de Verificação de Factos, conseguiu ser mais apelativo e mobilizador. Aliás, pelos especialistas de verificação de factos, o dia das mentiras é o único dia, em que a maioria das pessoas realmente verifica os factos que lê ou de que ouve falar.

 

Normalmente, os princípios de alfabetização digital e midiática de muitos de nós ainda são regidos pela nossa ignorância e mediocridade, quando às vezes trocamos as nossas alternativas de webjornalismo por alguns grupos de WhatsApp e de Facebook que acumulam centenas de milhares de membros, onde todos somos gatekeeper, todos somos informados e todos somos informadores, numa proporção igualitária de responsabilidade.

 

A minha atenção com o Dia Internacional de Verificação de Factos dobrou, principalmente quando globalmente traça-se cada vez evidências de que o coronavírus desencadeou duas pandemias paralelas que se reforçam. Biológico: o próprio vírus - e o outro social: desinformação, este último motivado por fins políticos, comerciais ou ideológico.

 

Isso fez-me conectar com a história. Em alguns países, com excepção da China e outros, os primeiros casos foram confirmados socialmente e não clinicamente, através dos domínios especulativos associados a uma forte onda de ansiedade colectiva. Talvez muito antes de existirem os próprios testes nesses países, os seus cidadãos já tinham informações que confirmavam a existência de casos positivos. Assim aconteceu em Zimbabwe, Tanzânia, Nigéria, Ucrânia, Moçambique e mais alguns. A desinformação propalou-se mais rápido que o próprio vírus.

 

E aqui em Moz, tal como na Ucrânia, com a agravante de que a confiança pelo sistema de saúde e pelo governo é baixa, a ansiedade sobre o surto se espalhou tão rapidamente quanto as notícias falsas, obrigando Filimão Suaze a desmentir a Fake News.

 

O exemplo mais gritante e representativo de desinformação deu-se na Ucrânia, em Fevereiro deste ano, onde um e-mail viral, desinformador e letal foi cair nos dashboards dos cidadãos ucranianos já possuídos por medo e muitas notícias falsas, provocando protestos violentos e confrontos com a Polícia. O e-mail falso, que era supostamente do Ministério da Saúde local, revelava que 5 dos 45 ucranianos repatriados da China estavam infectados.

 

Os cidadãos rapidamente se reuniram e começaram a quebrar as janelas dos autocarros que transportavam os repatriados e incendiaram barricadas, bloqueando o hospital de Novi Sanzhary, para onde o Governo planeava colocar em quarentena os evacuados. Na verdade, ninguém dos repatriados estava infectado. Tudo pertencia a indústria da desinformação.

 

Mas, enquanto o transporte se arrastava para o hospital com o apoio do contingente policial, a equipa médica do hospital de Novi Sanzhary fugia das instalações... A quebra-cabeça no Governo Ucraniano estava montada. Então, quem ia cuidar dos repatriados??(...) enfim, foi um capítulo longo, mas que exemplifica melhor o impacto da indústria da desinformação.

 

As Fake News também continuam a tirar sono de Tedros Adhanom Ghebreyesus e o seu elenco da OMS. Esta semana, o Secretário-Geral da ONU também se chateou, deixando claro que uma das coisas que torna esse vírus diferente dos anteriores é a penetração das mídias sociais no mundo e na vida das pessoas. São os gatekeepers dos WhatsApps e Facebooks. Juntou-se a eles Kate Starbird, da Universidade de Washington, especialista em "informática de crise" – que liderou um estudo sobre como a informação flui em situações de crise, especialmente nas mídias sociais. Ele acredita que as crises sempre geram níveis de alta incerteza, que por sua vez gera ansiedade. Isso leva as pessoas a procurarem maneiras de resolver a incerteza e reduzir a ansiedade, buscando informações sobre a ameaça.

 

No meu vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=g79nTPWdgvU&t=85s) tento, de forma resumida, abordar sobre como as pessoas desinformadas colocam a si mesmas e a outras pessoas em risco, diminuindo a confiança nos conselhos do governo num momento em que é vital ouvirmos recomendações oficiais sobre como podemos reduzir a propagação do coronavírus.

 

Faço algumas entrevistas a cidadãos, cujas respostas permitem cruzar múltiplas variáveis sobre como conseguem aceder a informações sobre prevenção do coronavírus.

 

Percebeu-se que as vezes é mais fácil o cidadão confiar na informação partilhada pelo seu familiar, através de WhatsApp do que nas informações disseminadas por fontes oficiais. Em caso similar, e verificada a falsidade, o recomendado é não partilhar e nem comentar, mesmo que seja para argumentar que é falso. Os comentários geram engajamento que ajudam a popularizar ainda mais a desinformação.

 

Das sondagens, emerge também a percepção de que ainda precisamos de promover o bom hábito nas pessoas, para que de forma proativa e periódica, consultem os meios digitais lançados pelo Governo para conter a propagação das Fake News. Precisamos da urgente alfabetização digital e mediática, introduzida nas escolas Primária como disciplina, talvez, sei lá. Precisamos, após a actual situação estiver controlada, de criar Incubadoras, Startups e Hub orientadas as TICs através de modelos como crowdfunding e reactivar e equipar os centros e telecentros informáticos e coloca-los em beneficio das comunidades e dos alunos. Talvez seja por isso que estejamos a enfrentar dificuldades sérias de implementar o programa de ensino à distância. Não fizemos nada ainda, nem a própria activação da motivação nos nossos alunos.

 

#NaDúvidaNãoCompartilhe, #FactCheckingDay, #FactCheckIt e #FakeNewsNão

 

Escrevo este diário a partir do centro de confinamento para controle de coronavírus na cidade de Santiago do Chile, onde me encontro confinado desde o dia 9 de abril. A sentença foi de 14 dias de escuridão, sem a luz do dia e sob uma forte vigilância das autoridades locais. Por pouco, caia em depressão.


Dia 1


“Uma saída difícil do Brasil que me levou ao confinamento”


A minha história começa na cidade de São Paulo, onde estava a realizar um intercâmbio internacional de estudos ambientais, que infelizmente foi cancelado. Foram 5 dias de ida ao aeroporto sem poder viajar, na maioria dos dias pelo cancelamento do voo, informação que apenas tinha acesso no local. Entre vários motivos, devia regressar ao Chile por se tratar do meu país de residência e por ter obrigações acadêmicas ainda por cumprir.


No dia 9 de abril, finalmente consegui viajar e para o meu espanto se tratava de um “voo humanitário” de regresso dos nacionais e residentes no Chile. Éramos em média 20 passageiros, e mais tarde fiquei sabendo que alguns tinham testado positivo para Covid-19. Chegado ao aeroporto, fui surpreendido com a informação sobre o confinamento, que deveria permanecer num “hotel” durante 14 dias antes de retornar a minha casa. Segundo explicaram, o facto de ter passado por um país de risco tornava-me, automaticamente, um caso suspeito. Pelo que, deveria ser confinado durante 14 dias (renováveis) num estabelecimento vigiado pelas autoridades governamentais. A minha temperatura foi de 36.7, mas mesmo assim, deveria seguir o protocolo.


Fiquei assustado, não sabia em que condições passaria os próximos 14 dias, mas a ideia do hotel acalmava-me, pois, imagina um local a (mil) maravilhas - pensamento desmentido pela realidade.


Cheguei ao local, eram 22h, o carro deixou-me na porta do hotel. Já estavam à minha espera e conduziram-me ao quarto. O meu quarto era pintado de branco e tinha janelas com cortinas presas (que não me davam acesso ao exterior). Sobre o hotel, não sei nada de concreto, não conheço a cor, o tipo de infraestrutura e nada, apenas sei que nas manhãs sentia um cheiro de comprimidos - algo que me fazia levantar várias questões.


Dia 2:


“Chorei, quando recebi a minha primeira refeição”


Eram 7h45, quando bateram à porta (sinal de aviso da hora de refeição), abri a porta do quarto e vi uma bandeja jogada no chão, com pedacinho de pão e água quente. Entendi, ja que se trava de pequeno-almoço, mas a história piorou na hora do almoço: quando eram 12h, o sinal da porta voltou a despertar-me, estava lá a minha bandeja, abria-a e o meu corpo não conseguiu segurar as lágrimas, era uma mistura estranha que parecia sopa, feijão, verdura e um mar de água. Naquele momento, entendi que estava numa prisão e não num hotel.


Dia 3:


“As notícias de Moçambique, deixavam-me mais triste”


Acompanhava diariamente as notícias de Moçambique, casos aumentando a cada dia e mais relaxamento das medidas tomadas pelo presidente Nyusi. Fiquei confuso, não entendi como numa altura que o país registava maiores números, se relaxa medidas de grande importância como a lotação nos transportes públicos. Não entendia como doentes de coronavírus continuavam em cuidado domiciliário. Ficava mais confuso quando recebia depoimentos de pessoas em quarentena obrigatória dizendo que nunca foram ligados pelas autoridades de saúde. Perguntava-me, como isso é possível? Eu, mesmo sem apresentar sintomas fui submetido ao confinamento, recebo ligações periódicas para o controlo do meu estado de saúde. 


Dia 4:

“O cheiro de comprimidos que não me deixava em paz”


O cheiro de comprimidos piorava a cada dia, não o suportava e decidi abrir a minha porta para avaliar a sua origem “a história da curiosidade que matou o gato”. Em menos de 1 minuto se aproximou um funcionário e disse “volta ao quarto, abra esta porta apenas quando for para levantar a comida”. Humildemente retornei ao quarto e a sensação de estar preso piorava. Já no quarto, recebi um alerta por telefone“ a saída do quarto pode custar-te uma multa”. A partir deste dia, aprendi a conviver com a minha curiosidade, mas não me saía da cabeça que algo de errado estava acontecer.

 

Dia 5:

 

“A história de cobaia e o medo por ser negro”

 

(Próximo capítulo)

segunda-feira, 20 abril 2020 09:07

Tempos de crise, tempos do padeiro

Por estes dias tenho ido objectivamente à padaria (e não sob pretexto) e acredito que em menos de um mês fui mais vezes à padaria do que em um ano no passado. Falo de um passado recente, pois do mais recuado, fui um assíduo nas idas à padaria. E ontem, enquanto cumpria a única fila para a compra do pão, veio-me à memória os tempos (e de crise) das bichas/filas da padaria, marcadamente nos anos oitenta. Dessas bichas, guardo um e outro episódio do poder do padeiro em tempos de crise.

 

Um dos episódios foi numa padaria próxima de casa. Havia uma bicha (curta) de pão para cooperantes (trabalhadores estrangeiros, grosso modo de raça branca) e uma outra (bem cumprida) para moçambicanos. Nesta fila, uma e outra vez, não me deixavam ficar, alegando que a minha era a outra: a dos cooperantes/brancos. Às zangas de criança lá ia à fila indicada, formada na sua maioria por russos e outro pessoal do leste. O padeiro, na hora da compra do pão, questionava-me: “Desde quando mulato é cooperante/branco?”. E assim - voltar com o pão para a casa - dependia do padeiro do dia: este é quem decidia se eu era cooperante/branco (estrangeiro) ou moçambicano.

 

O outro episódio prende-se com um detalhe: algumas das beldades que circulavam com o saco de pão – já recheado – não eram vistas na padaria. Mais tarde, percebi a razão do fenómeno quando um dos padeiros arrendou uma dependência (anexo) próxima da padaria, respondendo, deduzo, a duas exigências: uma de trabalho e outra de ordem feminina. A de trabalho, por conta dos turnos, sobretudo o nocturno. A feminina, era justificada pelo entra e sai de beldades de tirar o fôlego a qualquer outro profissional e até de áreas tidas de prestígio. Sobre isto, já diz um amigo próximo: “Em tempos de crise o padeiro é uma profissão de poder e prestígio e até superior às tradicionais ”.

 

Voltando à fila de pão de ontem: na hora do meu atendimento o padeiro demorou um pouco mais do que o habitual e foi atendendo outros clientes. Por coincidência foram duas beldades da terra e um senhor de raça branca que me pareceu estrangeiro. E pouco antes que eu recorresse à alguma forma de protesto, o padeiro pediu-me imensas desculpas, pois ainda aguardava por dinheiro trocado. Por algum tempo, temi que ele não me fosse vender o pão. Em tempos da pandemia COVID-19, e da crise acoplada, tudo pode voltar (a acontecer) e o poder do padeiro, não seria, de certeza, uma excepção.   

segunda-feira, 20 abril 2020 07:39

Aulas de devolver gatunos aos legítimos donos

Vocês vizinhos surumáticos aqui ao lado, estão a ver como se faz quando se encontra gatuno de dono?! Estão a ver como se trata gatuno de dono?! Se o gatuno não é seu, devolve! - esse é o princípio. Nem val'apena interrogar, gastar tempo e papel, devolve só! 
 
Num mundo competitivo como este, onde cada país tenta organizar a sua seleção olímpica de bandidos, ninguém se deve dar ao luxo de encontrar um gatuno alheio e teimar em ficar com ele. Num mundo em que temos consciência do trabalhão que é constituir uma equipa patriótica de larápios, devíamos é respeitar a cooperação de devolver cada gajo à sua origem. Não devíamos stressar os outros para reaver os seus legítimos gatunos. 
 
Estamos a dar aulas de devolver gatunos alheios. A malta até nem pergunta o nome, nem a nacionalidade, nem a especialidade do gatuno. O sotaque do gatuno já é suficiente para ligarmos aos donos para sabermos se têm uma peça em falta. A malta não precisa de julgar bandido de ninguém. Não nos interessa a história de bandidos alheios, nem quem são os seus comparsas. Essa conversa só interessa ao dono. 
 
Cunhados, isso é vez-vez. Ninguém deve stressar ninguém! Amanhã serão vocês! Gatuno é como criança, é difícil controlar. Quando você pensa que o tabuleiro está todo controlado, de repente ouve dizer que foi encontrada uma peça a caminho de Dubai. 
 
Está aí... já devolvemos o Fuminho sem maka. Devolvemos o homem sem pompa nem circunstância. Sem alvoroço. Não precisamos de imprensa. Não precisamos de humilhar o homem. Tratamo-lo com muita cordialidade e diplomacia. Até máscara de Corona compramos para ele. Assim, estamos de bem com os nossos irmãos brasileiros. Esperamos que perdoem aqueles nossos gatunos que mamaram dinheiro do Aeroporto de Nacala. É o espírito de cooperação mútua.
 
Não são vocês, nossos cunhados invejosos, que "wadelaram" nosso gatuno sem motivo! Um gajo que nem vos fez mal! Nem vos roubou! Só estava a passar! Arranjaram umas procuradoras e umas juízas que "djugudjaram" o homem até render! Depois chamaram vossos bradas americanos que dormem na porta da cela do coitado com avião pronto a voar! Mas é assim mesmo?! 
 
Vizinhos, aprendam connosco a devolver gatunos dos outros tipo não viram nada. Tenham solidariedade banditesca! Respeitem a diplomacia! Se o gatuno não vos pertence, não se metam! A vida dá voltas. Não se sabe o amanhã. O futuro é uma incógnita.
 
- Co'licença!
quinta-feira, 16 abril 2020 09:19

Hotel Inhambane

A minha exaltação a este lugar é movida pela esplanda. Todo o sentido da cidade parece desaguar alí, a partir de onde, com o termómetro instalado por sobre o tampo da minha mente,  meço a temperatura dos transeutes. Poucos. Houve tempos que na verdade este espaço era isso mesmo, o centro de uma vida urbana única, caracterizada pelo silêncio. De dentro do bar vinha o cheiro agradável do café, e impregnava-nos  os sentimentos. Embebedava-nos o espírito, espevitava-nos a poesia latente em cada um de nós, de tal forma que, depois de saciarmos a alma, saíamos com a saudade de voltarmos lá outra vez.

 

O próprio bar, a moda antiga, é o outro lado de um tempo que jamais voltará. As cadeiras giratórias perfiladas no balcão, elas,  por si só, convidam-nos ao gozo de sentarmos, e por via desse contacto não resistiremos ao apetite provocado pela garrafeira, ou pelo profundo aroma do café. Mas o que estou aqui a descrever pode ser um devaneio, pois a realidade é uma ferida viva.

 

Passei desinteressadamente pela esplanada do Hotel Inhambane na última sexta-feira, ao final da tarde, como forma de dar azo a minha liberdade. Vinha a pé, descendo pela “25 de Setembro”, depois de desfrutar do pôr-do-sol, sentado num dos bancos da marginal. Era um espectáculo esplêndido a que acabava de assistir, com o astro-rei a esconder-se lentamente por detrás das plameiras que estão para lá da Maxixe. E eu a ver aquilo tudo como dádiva de Deus. Um privilégio de poucos. É como se estivesse no paraíso em si, onde as canções embevecem-nos a todo o momento. E aqui as canções são interpretadas pelo silêncio.

 

Na esplanada não está ninguém. O bar está fechado, mesmo para aqueles que querem beber café. Há um êxodo na cidade, e se calhar sou o único andante por aqui, como um louco ao fim da tarde, parafraseando Marcelo Panguana. Seja como for, independentemente do Covid-19, o bar e a esplanada do Hotel Inhambane, já haviam degenerado. O actual gestor colocou colunas de som cá fora, como se estivéssemos no “senta baixo”,  quando o que pretendemos ao demandar este acolhimento, é o sossego, o silêncio. A música somos nós. São as nossas palavras. Ou o tilintar das pedras de gelo nos copos de whisky. É isso que buscamos na esplanada do Hotel Inhambane.

 

É o único lugar que ainda nos pode receber na proporção das etapas antigas da nossa existência.  Da nossa história que vai sendo vituperada. Também, paradoxalmente, é o espaço menos frequentado. É como a Praça da Liberdade em Singapura, as pessoas não vão lá, com medo da “secreta”. A esplanada do Hotel Inhambane idem em aspas,  é assim, ou quase assim, como a Praça da Liberdade em Singapura. A juventude daqui prefere as barracas, onde a postura urbana é pontapeada. Desta forma eles sentem-se livres.

quinta-feira, 16 abril 2020 09:16

O fenomenal corte do Salema

Boa noite, ouvintes da emissão nacional. Bom, não se pode dizer que foi uma grande partida, nem que foi um jogo impróprio para cardíacos. Ouvintes, verdade seja dita, foi um jogo muito desequilibrado, onde os Charlatões tentaram, durante todo o jogo, queimar tempo fazendo jogo sujo, sem nenhum argumento técnico nem táctico. Enquanto isso, os Indignados entraram para a partida com lição muito bem estudada, e fizeram um jogo bastante táctico, mas também, com uma vantagem técnica individual de dar água na boca.

 

De resto, o resumo deste jogo está nos últimos três minutos, quando o Tomás levanta a bola e faz um cruzamento acrobático para o meio campo do adversário, chamando de escandalosa a jogada dos Charlatões de quererem levar para si cerca de quatro milhões de meticais de integração social... para piorar, num momento crítico como este. Esta jogada do Tomás foi aplaudida pelos adeptos dos Indignados que lotaram o estádio. 

 

Não demorou que o Muchanga fizesse uma entrada faltosa contra o Tomás, que já se tinha livrado da bola. O Muchanga, no seu estilo característico, entrou com tudo contra o Tomás, sob pretexto de que o Tomás não entendia nada de reintegração social dos deputados. O Muchanga dá uma cotovelada ao Tomás e tira a bola do seu meio-campo com argumentos de que o dinheiro de reintegração social do deputado provém do desconto de 13 por cento do salário dos deputados e que no Malawi os deputados têm vivendas e carros novinhos-em-folha pagos pelo povo. 

 

O Maitololo - o trinco dos Indignados, inexperiente que é - tentou amortecer a bola no peito, mas não conseguiu dominar num frente-a-frente com o Galiza - dos Charlatões - que fez um corte lateral com os seus "NOVE PONTOS NOS II’s PARA DESMENTIR A FARSA EM TORNO DOS TAIS 4 MILHÕES PARA “REINTEGRAÇÃO!”. 

 

Já no último minuto da partida, Galiza corre folgadamente pelo corredor central, em direção a baliza contrária, fintando todos os adversários com os seus "nove pontos nos ii's". Depois de muitas fintas e dribles mafiados, Galiza entra na grande área adversaria com os mesmos argumentos do seu colega de equipa, António Muchanga, segundo os quais reintegração é desconto de 13 por cento do salário do deputado durante 5 anos. 

 

Sozinho com o guarda-redes, Galiza perde tempo com papo de que Moçambique "é dos que pior remunera os deputados na região austral de África, em África no geral e no mundo inteiro!" e "há gente que, nas organizações da Sociedade Civil, em empresas públicas, fundações, Institutos públicos ou universidades, recebe 2, 3, 4, 10 vezes mais em relação a um parlamentar deste país e tem 'ma regalias' de bradar os céus!". Como diria o Henrique Ali, Galiza perdeu tempo, e com tempo, perdeu a bola! 

 

Enquanto o Galiza se preparava para o remate que tiraria os Charlatões do zero à zero, surge o Salema num corte fenomenal, sem falta, limpinho, limpinho. Salema desmontou todos os "nove pontos nos ii's" do Galiza com um simples "número 2 do artigo 45 do Estatuto do Deputado, aprovado pela lei número 31/2014, de 30 de Dezembro". Pelos vistos, nem o Muchanga nem o Galiza sabiam desse documento que eles próprios aprovaram.

 

Depois do grande corte sobre o Galiza, o Salema - jogador experiente e táctica e tecnicamente competente -, fez o remate da vitória a partir da sua grande área (à moda Roberto Carlos). Foi um remate de baliza à baliza. Tanto o Muchanga quanto o Galiza, ficaram estáticos ao apanharem a ventania da bola em direção ao grande golo da partida, e quiçá, o melhor da história deste campeonato. 

 

De resto, a grande fotografia deste jogo é simplesmente o corte e o chapéu artístico do Ericino de Salema sobre o Galiza Júnior, e o estrondoso tiro já no último minuto de compensação. Afinal de contas, os Charlatões estavam a mentir: "o pagamento do subsídio de reintegração não pressupõe quaisquer contribuições". 

 

Contudo, é importante referir que, apesar da vitória  dos Indignados nesta partida, assim como noutras, os Charlatões vão levar a taça dos 4 milhões de meticais para casa. Foi sempre assim. Esse é o preço da nossa democracia. Esta democracia é cara, diz a FIFA.

 

- Co'licença!