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Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Por João Nhampossa*

 

I.                   O Problema

 

Há vários anos que é recorrente o governo de Moçambique, através da sua força policial, limitar ilegalmente o exercício do direito à manifestação pacífica pelos cidadãos ou diferentes grupos sociais, por violação dos seus direitos e interesses legalmente reconhecidos ou contra a má gestão da coisa pública. A manifestação do tipo marcha na via pública é praticamente a mais temida pela Administração Pública.

 

A intervenção da Polícia da República de Moçambique (PRM) para impedir o exercício do direito a manifestação pacífica e livre tem sido caracterizado por deteções arbitrárias, agressão física, baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, para além de argumentos falaciosos de que a manifestação não foi autorizada.

 

Perante esta situação, é curioso e notório a injustificada inércia das instituições de justiça relevantes nesta matéria, o que é problemático, preocupante, na medida em que perpetua a impunidade das autoridades policiais e civis que violam o direito à liberdade de reunião e manifestação e outros direitos humanos neste contexto.

 

II.                 SENTIDO E ALCANCE DO DIREITO À LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO

 

De acordo com o disposto no artigo 51 da Constituição da República de Moçambique (CRM): “Todos os cidadãos têm direito à liberdade de reunião e manifestação nos termos da lei.” O que significa que se trata de um direito fundamental que é directamente aplicável, vincula as entidades públicas e privadas, deve ser garantido pelo Estado e deve ser exercido no quadro da Constituição e das leis, conforme se depreende do n.º 1 do artigo 56 da CRM.

 

No entanto, na interpretação do n.º 2 do artigo 56 da CRM, é fácil perceber que o direito à manifestação pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesse protegidos pela Constituição, como é o caso da salvaguarda da ordem e tranquilidade públicas, da saúde pública e da vida. A manifestação do tipo marcha pode ser limitada em virtude da luta contra a Pandemia da Covid-19, tendo sempre em conta que pelo imperativo constitucional, essa limitação só por ter lugar nos casos expressamente previstos na Constituição. (Vide n.º 3 do artigo 56 da CRM).

 

O exercício do direito à manifestação está regulado na Lei n.º 9/91, de 18 de Julho (Lei das Manifestações) e na Lei n.º 2/2001, de 7 de Julho que altera alguns artigos da Lei das Manifestações.

 

“A manifestação tem por finalidade a expressão pública de uma vontade sobre assuntos políticos e sociais, de interesse público ou outros.” É o que dispõe o n.º 3 do artigo 2 da Lei das Manifestações. Trata-se, pois, de exercício de um direito que serve como um meio de supervisão da Administração Pública ou da actividade do Estado pelo cidadão e é exercida nos processos de planeamento, acompanhamento, monitoramento e avaliação das acções de gestão pública e na execução das políticas e programas públicos, visando o aperfeiçoamento da gestão pública à legalidade e justiça e respeito pelos direitos humanos. A manifestação é, indubitavelmente, pressuposto do princípio constitucional da participação democrática dos cidadãos na vida pública.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 3 da Lei das Manifestações; “Todos os cidadãos podem, pacífica e livremente, exercer o seu direito de reunião e de manifestação sem dependência de qualquer autorização nos termos da lei.” Desta disposição resulta clara e expressamente que a manifestação não carece de qualquer autorização. O que significa que não há necessidade de formular pedido para realização da manifestação à nenhuma autoridade pública ou privada.

 

Todavia, aqueles que pretendem realizar manifestação do tipo marcha, desfile ou cortejo em lugares públicos ou abertos ao público devem informar nesse sentido, avisando ou comunicando, por escrito, essa pretensão com antecedência mínima de quatro dias úteis, as autoridades civis e policiais da área em questão. É o que determina o n.º 1 do artigo 10 da Lei das Manifestações. Cumpridas essas formalidades, que também são questionáveis à luz das garantias constitucionais dos direitos e liberdades fundamentais, as autoridades civis e policiais devem garantir o livre exercício da manifestação pacífica e não procurar artimanhas sem cobertura legal para impedir, a todo o custo, a realização da manifestação. (Vide artigo 8 da Lei das Manifestações).

 

Aliás, qualquer decisão de proibição ou restrição da manifestação compete a autoridade civil da área em causa e não à autoridade policial, para além de que essa proibição deve ser fundamentada e notificada por escrito aos promotores da manifestação, no prazo de dois dias a contar da data da recepção da comunicação pelas autoridades, sob pena de ineficácia da proibição caso não sejam respeitados estes requisitos consagrados no artigo 11 da Lei das Manifestações e sobretudo os critérios de limitação dos direitos e liberdades fundamentais constitucionalmente estabelecidos.

 

As normas do direito internacional sobre os direitos humanos de que o Estado moçambicano é parte, cujos princípios orientadores inspiraram a elaboração da CRM, também protegem os direitos e liberdades fundamentais, incluindo o direito à liberdade de reunião e de manifestação, de restrições ou limitações arbitrárias como se pode aferir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos, da Carta Africana sobre os Valores e Princípios da Função, Administração Pública, etc. Aliás, determina o artigo 43 da CRM que: “Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos.”

 

III.             CHAMAMENTO DAS INSTITUIÇÕES CHAVE PARA AGIR

 

Considerando que há anos que é deveras difícil os cidadãos exercerem livre e pacificamente a liberdade de reunião e de manifestação, sobretudo, na vertente de marcha na via pública, devido a brutalidade policial, a denegação das autoridades civis para o exercício das liberdades em causa, com a consequente violação de direitos humanos, da legalidade e da justiça urge a intervenção e pronunciamento público de determinados actores chave nesta matéria, quais sejam:

 

a.      MINISTÉRIO PÚBLICO como garante da legalidade e enquanto titular da acção penal, tem a obrigação de investigar os factos supra descritos de modo a apurar a existência ou não de ilícitos de natureza criminal por parte dos agentes da PRM e também repor a legalidade violada por parte das autoridades civis que denegam a realização da manifestação infundadamente.

 

b.      O PROVEDOR DE JUSTIÇA na qualidade de órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública;

 

c.       COMISSÃO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS que tem o mandato de promover, proteger e monitorar os direitos humanos no país, bem como consolidar a Cultura de Paz;

 

d.      ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA na qualidade do mais alto órgão legislativo na República de Moçambique e autor da Lei das Manifestações para proceder a interpretação autêntica das normas sobre o exercício do direito à liberdade de reunião e manifestação com vista a dissipar as dúvidas e problemas de interpretação que permitem espaço para abuso de poder e violação dos direitos humanos, no contexto do exercício destas liberdades.

 

*Advogado e Defensor dos Direitos Humanos /Human Rights Lawyer

Nos dias 8 e 9 de Abril correram informações com registo fotográfico e de vídeo sobre a violação do direito do ambiente por via da destruição de dunas primárias na Praia de Chongoene por uma determinada empresa chinesa, denominada DINGSHENG MINERALS.

 

No dia 09 de Abril corrente, o Conselho dos Serviços de Representação do Estado, por via do SERVIÇO PROVINCIAL DE INFRA-ESTRUTURAS emitiu uma notificação sobre o assunto epigrafado direcionada à DINGSHENG MINERALS, a ordenar a imediata e incondicional interrupção das obras em curso no local, até a regularização de todo o processo nos termos legalmente estabelecidos. No entanto, não se percebe até que ponto é possível regularizar-se algo ilegal.

 

Aliás, na sua notificação, a SERVIÇO PROVINCIAL DE INFRA-ESTRUTURAS deixou claro que a DINGSHENG MINERALS não possui qualquer licença ou autorização legal para as obras em questão, que consistem na abertura de uma via de acesso (estrada) para a Praia de Chongoene, o que é grave e preocupante.

 

Ora, curiosamente, sob o lema “Por um Judiciário Protector do Meio Ambiente”, teve lugar, a tradicional abertura solene do ano Judicial, referente ao ano de 2021.

 

A protecção do meio ambiente foi o símbolo escolhido pelo judiciário como uma questão prioritária a salvaguardar e essa escolha não foi ao acaso, mas resultado da tomada de consciência da degradação ambiental, sobretudo pela acção humana, num contexto de arbitrariedades, corrupção e impunidade.

 

Na sequência, a Procuradora-Geral da República (PGR) referiu no discurso, entre outros aspectos, o seguinte:

 

  • Com o lema desta efeméride queremos assumir o nosso comprometimento do reforço das acções tendentes a prevenir e combater energicamente as agressões ao meio ambiente, que são, em última análise, agressões à humanidade.”;
  • “… devemos olhar para o papel do judiciário na protecção do meio ambiente, não apenas na perspectiva da preservação de espécies de fauna e flora, da exploração de recursos naturais, ou da protecção contra as diversas formas de poluição, mas também da protecção primária dos direitos fundamentais dos cidadãos.”

 

  • “São crimes muitas vezes cometidos por grupos organizados, com recurso a esquemas de corrupção e falsificações, constituindo verdadeiros cartéis do crime organizado.”

 

  • “O Ministério Público, enquanto um instrumento legal do Estado colectividade, ao qual incumbe garantir a observância da legalidade e exercer a acção penal, não vai vacilar na missão de, em conjunto com o seu órgão auxiliar, o Serviço Nacional de Investigação Criminal, investigar e instruir os processos-crime que culminem na submissão dos prevaricadores, sejam quais forem, à justiça penal.”

 

A questão da destruição de dunas primárias na praia de Chongoene pela DINGSHENG MINERALS faz lembrar os compromissos assumidos aquando da abertura do ano judicial de 2021. Onde está a PGR e o Governo de Moçambique perante tamanha arbitrariedade e violação do meio ambiente? Como foi possível chegar a essa situação?

 

De lembrar que ainda na mesma abertura do ano judicial, Sua Excelência Carlos Agostinho do Rosário, Primeiro-Ministro, em Representação de Sua Excelência Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique, referiu no seu discurso que: “O Estado moçambicano, através do Governo e outros órgãos, está comprometido em ir de encontro com a sua obrigação de garantir o equilíbrio ecológico e a protecção do meio ambiente visando o bem-estar colectivo.”

 

A sociedade está indignada com este facto da destruição de dunas primárias na Praia de Chongoene pela DINGSHENG MINERALS e precisa compreender os contornos deste caso, bem como as acções concretas em prática para a efectiva e almejada salvaguarda do meio ambiente ora em destruição.

 

DA MATÉRIA DE DIREITO:

 

O ambiental é um direito fundamental que está consagrado no artigo 90 da Constituição da República de Moçambique nos seguintes termos:

 

  1.          “Todo o cidadão tem o direito de viver num ambiente equilibrado e o dever de o defender.”
  2.          “O Estado e as autarquias locais, com a colaboração das associações de defesa do ambiente, adotam políticas de defesa do ambiente e velam pela utilização racional de todos os recursos naturais.”

 

Os factos acima relatados violam, não só a Constituição da República, mas também a Lei do Ambiente que estabelece as regras de gestão ambiental e de prevenção de danos ambientais que não foram observados pela DINGSHENG MINERALS. O Regulamento de Avaliação do Impacto Ambiental e o Regulamento de Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro também foram postos em causa pelos actos desta empresa chinesa.

 

Moçambique assumiu compromissos internacionais sobre a protecção do ambiente como é o caso da Convenção Africana para a Conservação da Natureza, bem como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Este último é um compromisso mundial que compreende 17 Objectivos que cobrem as dimensões económica, social e ambiental, mas que neste caso estão a ser desrespeitados.

 

Os Ministérios da Terra e Ambiente (MTA) e o Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas são relevantes para a questão da protecção do meio ambiente e devem activamente intervir para o esclarecimento do presente caso.

 

Na estrutura funcional do MTA existe a AGÊNCIA NACIONAL PARA O CONTROLO DA QUALIDADE AMBIENTA- AQUA que, ponto de vista legal, é responsável pelo monitoramento ambiental e pela realização de auditorias ambientais, conforme dispõe o artigo 5 do Decreto n.º 2/2016 de 10 de Fevereiro que cria, pelo que tem algo a fazer e dizer neste caso.

 

Mais ainda, nos termos do artigo 235 da Constituição da República, “ao Ministério Público compete representar o Estado junto dos tribunais e defender os interesses que a lei determina, controlar a legalidade, os prazos das detenções, dirigir a instrução preparatória dos processos-crime, exercer a acção penal e assegurar a defesa jurídica dos menores, ausentes e incapazes.” É, pois, nestes termos que deve o Ministério Público intervir em defesa das comunidades e do meio ambiente como garante da legalidade das acções ou activiadades das empresas, defendendo assim os interesses que a lei determina.

 

Importa notar que algumas das actividades da empresa chinesa em questão podem constituir matéria criminal, de tal modo que é dever do Ministério Público investigar e exercer a devida acção penal.

 

DO PEDIDO:

 

O lema da abertura do ano judicial de 2021 “Por um Judiciário Protector do Meio Ambiente” e as leis de protecçõa do ambiente em vigor em Moçambique não devem constituir uma letra morta ou uma mera vontade sem acção. Por isso, se requer-se à PGR e aos relevantes gestores públicos sobre o ambiente como é o caso do Ministério da Terra e Ambiente para, dentro das competências que lhes são conferidos por lei, intervir neste caso com vista a: Investigar seriamente e em tempo útil os actos de destruição da duna da Praia de Chongoene e tomar as medidas necessárias para a responsabilização dos infractores e efectiva protecção do ambiente em causa.

 

João Nhampossa