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quarta-feira, 05 junho 2019 14:10

Hermenegildo Gamito sai sem glória donde nunca deveria ter entrado

 “Quero vos garantir que saio sem drama e nem trauma”. Com estas palavras, Hermenegildo Gamito anunciou a renúncia ao cargo de Juiz Presidente do Conselho Constitucional (CC). A comunicação foi feita na manhã desta quarta-feira, depois de, ontem (04 de Junho), ele ter apresentado formalmente ao Presidente da República, Filipe Nyusi, o desejo de deixar de conduzir os destinos do órgão que administra a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional.

 

Explicou aos jornalistas que pesaram, para a decisão de deixar o CC, por um lado “questões de foro pessoal”, que não revelou, e, por outro, o facto de a 24 de Setembro próximo completar 75 anos de idade. Ele quer ir à reforma, disse. Hermenegildo Gamito, que chegou ao CC pela mão do ex-presidente Armando Guebuza, contou que a decisão de deixar o CC não é de hoje. Em Fevereiro, ele havia informado o Presidente Filipe Nyusi.

 

Sua decisão de renunciar à chefia do CC chega dias depois do colectivo de juízes conselheiros do órgão ter declarado a nulidade dos actos inerentes aos empréstimos contraídos pela Ematum, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais. A decisão, entretanto, do agrado da generalidade da opinião pública, configurou uma gravosa exacerbação das competências do CC, ao imiscuir-se no julgamento de matérias da alçada do Tribunal Administrativo.

 

Hermenegildo Gamito dirigia os destinos do Conselho Constitucional desde 2011, altura em que substituiu, no cargo, o também demissionário Luís Mondlane. Tinha sido reconduzido ao cargo, em Maio de 2016, por Filipe Nyusi.

 

Sua passagem pelo CC vai ser recordada como tendo marcado o início da falência moral do órgão. Em Outubro passado, sob a batuta de Gamito, usando um tacanho juridiquês e fazendo tábua rasa a questões fulcrais de mérito, o CC afastou a AJUDEM de Samora Machel Júnior da corrida eleitoral na autarquia de Maputo, mostrando uma apetência para seguir a cartilha do regime da Frelimo.

 

Gamito foi uma escolha pessoal de Armando Guebuza. Formado em Direito em Lisboa, na sua carreira esteve mais ligada à gestão de empresas e à política (como deputado na AR pela Frelimo), com uma curta passagem como juiz-desembargador de 1978 a 1981. Duas das empresas de que foi principal gestor, a Mabor e a Maquinag, abriram falência. O CC não era propriamente uma empresa. Um dos principais “assets” (do CC) era uma reputação conquistada, sob a liderança de Rui Baltazar, por via da qualidade dos seus julgamentos. Com Gamito, esse bem, que não é palpável mas se torna fundamental para que a sociedade confie nas instituições democráticas de Moçambique, foi se esvaindo.

 

No recente disputadíssimo processo eleitoral, a sociedade esperava uma actuação do CC ao nível do seu estatuto de instituição suprema de defesa da Constituição. Mas o CC mostrou-se, no entanto, na contramão. Ainda em Outubro, quando libertou o acórdão sobre um requerimento da Renamo relacionado à exclusão pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) do Eng. Venâncio Mondlane da corrida eleitoral em Maputo, o CC esforçou-se para não analisar matérias fundamentais importantes sob o ponto de vista jurídico (contencioso eleitoral e direito constitucional) e sob o ponto de vista político (direito de renúncia, cessação de mandato ope legis, ratio legis da renúncia como causa da incapacidade eleitoral passiva/inelegibilidade, etc). Essa omissão era um alerta vermelho.

 

E quando chumbou o recurso da AJUDEM, o CC voltou a se destacar pela negativa, fazendo tábua rasa das irregularidades e ilegalidades praticadas pela CNE em prejuízo do grupo apoiante de Samora Júnior. O CC ignorou o facto de que as cartas dos “desistentes” da relação nominal da AJUDEM não podiam ser tidas, sob o ponto de vista legal, como “declarações de desistência”. O CC fez vista grossa aos requisitos formais das declarações de desistência.

 

 O CC subscreveu outra irregularidade da CNE, nomeadamente aquela em que o órgão eleitoral concedia um prazo de 10 dias aos alegados “desistentes” da AJUDEM para eles oficializarem essa “desistência”. Essa decisão da CNE não teve qualquer base legal. Ou seja, o CC devia ter considerado a deliberação da CNE como ilegal, mantendo a lista da AJUDEM na corrida eleitoral em Maputo. Ao tomar o caminho que tomou, o CC abriu fendas gigantescas na armadura da sua reputação. E continuou por esse diapasão, dando início ao seu processo de falência moral, passando para si próprio um atestado de incompetência jurídica. E isso tudo com Hermenegildo Gamito à cabeça. Hoje, no dia em que ele renuncia, para alívio das correntes honestas da sociedade, é bom que estas coisas sejam recordadas. E que fique registado. Para a História! Gamito sai sem glória donde nunca deveria ter entrado. (Marcelo Mosse e Ilódio Bata)

 

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