África não se deve tornar num "campo de batalha geoestratégico", afirmou esta quinta-feira (25) Moussa Faki Mahamat, Presidente da Comissão da União Africana, na sua sede em Addis Abeba, por ocasião do 60º aniversário da Organização da Unidade Africana e, mais tarde, União Africana.
“Neste jogo de soma zero onde os ganhos dos outros se traduziriam em perdas para África, devemos resistir a todas as formas de instrumentalização dos nossos Estados-membros”, expressou o Presidente da UA. Vários líderes africanos, como o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed, subiram ao pódio para compartilhar os seus pensamentos sobre os problemas actuais que o continente enfrenta. Entre eles, a má governação, corrupção, pobreza, guerra e influências externas sombrias.
“Podemos proclamar que somos livres quando o nosso povo ainda está nas garras da pobreza e os nossos sistemas estão chocados com a corrupção, inépcia e indiferença?"
"...a paz, a segurança, a democracia e o desenvolvimento do nosso continente estão ameaçados em muitos dos nossos países. Neste sentido, devemos convencer os nossos irmãos e irmãs no Sudão a dar prioridade ao diálogo para que a guerra fratricida que se desenrola no país já há semanas possa chegar ao fim", acrescentou Azali Assoumani.
A África, lar da população mais jovem do mundo, metais mais raros e recursos abundantes, também é o continente que sofre as repercussões da crise climática, flagrante falta de unidade e lutas internacionais pelo poder que deveriam ter muito pouca ou nenhuma consequência no continente.
“Penso que tem havido falta de compromisso entre os aliados políticos mandatados para fazer avançar a agenda regional de África. Entre os desafios está a falta de vontade política dos líderes e, em muitos casos, eles constituem a elite política mandatada para defender a direcção da União Africana, tornando assim difícil para a UA agir de acordo com os desafios enfrentados pelo continente. Também existe esse entendimento em África de que a soberania dos membros da União Africana deve ser respeitada, mas vários líderes africanos que são membros da UA são perpetradores dos desafios enfrentados pelo continente”, compartilhou o professor Adeoye Akinola, especialista em assuntos africanos numa entrevista à Voz da América (VOA).
Os líderes africanos celebram o 60º aniversário da instituição sem substância, apelando a outros líderes para fazerem o que não têm feito nos seus próprios países, uma descrição perfeita de porque a UA é uma organização cobarde, razão pela qual África não é um continente forte. Interesses pessoais e egos prevalecem sobre a unidade, enquanto os países africanos discutem a guerra na Ucrânia e seu papel nela, mas nada de substancial é feito para parar com a guerra em curso no Sudão.
Como o Professor Akinola coloca: “devemos elogiar a UA por lançar programas estimulantes, […] mas há também o argumento de que a UA pode não ser capaz de pressionar os seus estados-membros a tornar a sua agenda uma realidade. Por exemplo, se discutirmos a promoção da democracia, devemos notar que a democracia elitista é promovida em África. Como pode haver democracia em África quando há outros africanos que são hostis uns aos outros?”, observa aquele académico africano.
Depois de 60 anos, muito foi feito para mover a organização, mas ainda há muito trabalho a ser feito, principalmente em governação, democracia, direitos humanos, emancipação económica e posicionamento da África numa geopolítica do mundo moderno em rápida mudança.
"A África obteve ganhos, mas modestos. Poderíamos ter feito melhor", disse o professor Patrick Loch Otieno Lumumba, um dos principais especialistas em políticas públicas do Quénia. Em toda a região do Sahel, os golpes voltaram e o extremismo islâmico está a ganhar terreno.
Está se espalhando para as partes do sul do continente, como Cabo Delgado, rico em petróleo e gás, em Moçambique. É o mesmo na África central, onde a República Democrática do Congo está envolvida numa guerra civil interminável na parte leste do país, e mais de uma centena de grupos de milícias estão a tornar o país ingovernável.
Há o enorme impacto das mudanças climáticas no continente, contribuindo para a fome, conflitos e migração.
"Com nove dos 10 países mais vulneráveis do mundo localizados no continente, a África é a região menos resiliente ao clima globalmente. O grave impacto das mudanças climáticas em África ressalta a necessidade urgente de priorizar os esforços para combater os seus efeitos adversos" disse Armand Nzeyimana, director interino do departamento de impacto e resultados do Banco Africano de Desenvolvimento.
Apenas 12 países africanos têm o Dia da África como feriado, nomeadamente, Gana, Mali, Namíbia, Zâmbia, Zimbabwe, Angola, Chade, Comores, Guiné Equatorial, Lesotho, Libéria e Mauritânia. Enquanto isso, o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki, actualmente em Conacri, capital da Guiné, sob os auspícios da Fundação de que é patrono, disse esta quinta-feira que a UA tem instrumentos para lidar com inúmeros problemas no continente, mas o desafio é implementá-lo.
“A estratégia para a unidade africana está nas políticas da UA, o desafio está na implementação. Como africanos, juntos, devemos focar na implementação das políticas que foram elaboradas por nós”, afirmou.
Brian Kagoro, director de justiça e interseccionalidade da Open Society Foundations, citando Willy Mutunga, ex-chefe de justiça do Quénia, encorajou a África a aprender com os outros para tornar-se progressista.
"Não nos vamos engajar nessa visão romântica de que só pode haver uma maneira de aprender. Primeiro devemos criar conhecimento indígena e aprender com a nossa cultura e tradições. Devemos diversificar com quem aprendemos. Não podemos aprender apenas com o Ocidente, precisamos de aprender com todos que têm algo a ensinar.
"Devemos domesticar o que aprendemos. A narrativa é, antes de mais nada, perceber o valor próprio, a auto-confiança e olhar para dentro, de modo que, quando você olha para fora, não o complemente num estado de insignificância e inferioridade", disse ele.
Foi em 25 de Maio de 1963 que 32 chefes de Estados africanos independentes se reuniram em Adis Abeba, Etiópia, juntamente com líderes de movimentos de libertação africanos para traçar um caminho para a independência completa da África do imperialismo, colonialismo e apartheid. O resultado da reunião foi a criação da primeira instituição continental pós-independência da África, a Organização da Unidade Africana (OUA).
A OUA foi formada como uma manifestação da visão pan-africana para uma África unida, livre e no controlo de seu próprio destino e isso foi proclamado solenemente na Carta da OUA que foi adoptada em 25 de Maio de 1963, Dia da África, quando cerca de 60% dos países africanos tinham alcançado a independência.
Não foi a primeira vez que líderes africanos se reuniram com um propósito semelhante. Em Abril de 1958, em Accra, Gana, oito países africanos, que já haviam conquistado a independência, reuniram-se para celebrar a África. Em 1999, a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da OUA decidiu convocar uma sessão extraordinária para acelerar o processo de integração económica e política no continente. Em 9 de Setembro de 1999, os Chefes de Estado e de Governo da OUA emitiram uma Declaração (A Declaração de Sirte) pedindo o estabelecimento de uma União Africana.
Em 2002, durante a Cimeira de Durban, a União Africana (UA) foi lançada oficialmente como sucessora da Organização da Unidade Africana. (África News⁄Carta)