Os ataques armados que se verificam na província de Cabo Delgado, desde 05 de Outubro de 2017, colocam aquela província “sob risco da «armadilha do conflito», segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil que se dedica à defesa da transparência, integridade e boa governação.
Segundo o CIP, designa-se “armadilha do conflito” ao círculo vicioso entre conflitos e desempenho económico, em que os conflitos atrasam o crescimento económico e o desenvolvimento, aumentando, por sua vez, a probabilidade da ocorrência de mais conflitos.
Na explicação do CIP, o fenómeno pode ocorrer em Cabo Delgado pelo facto de as populações locais verem “frustradas” as suas “elevadas expectativas” de melhoria de condições de vida, a curto prazo, como resultado dos investimentos de grande envergadura que se prevê que ocorram na província.
“Com a chegada dos mega-projectos a esta província, a população local alimentou um elevado nível de expectativas relativamente à possibilidade de melhoria das condições de vida e, não se sentindo beneficiárias destes projectos, verifica-se insatisfação que, conjugada às precárias condições de vida, torna-os alvos fáceis de recrutar pelos insurgentes, principalmente os jovens”, considera a análise publicada pelo CIP, no passado domingo, no Boletim sobre Anticorrupção, Integridade e Transparência.
Lembre-se que a província de Cabo Delgado possui reservas de gás natural estimadas em 170 trilhões de pés cúbicos, segundo dados do Instituto Nacional de Petróleo, tornando-se, desta forma, uma das maiores reservas de gás natural do mundo. A Total, líder da Área 1, prevê iniciar com a sua produção em 2025, num investimento avaliado em 23 biliões de USD. Com o início da produção, o Estado moçambicano prevê arrecadar receitas fiscais de cerca de 2.1 biliões de USD.
Entretanto, segundo o CIP, a província de Cabo Delgado perdeu cerca de 2 biliões de Mts em receitas fiscais nos primeiros dois anos dos ataques armados, devido à redução da produção e/ou paralisação das actividades nos sectores produtivos que contribuem para a arrecadação de receitas e para o crescimento da economia local, nomeadamente agricultura, pesca, turismo e o comércio em geral.
Para o CIP, o descontentamento generalizado que se verifica naquele ponto do país, conjugado às precárias condições de vida, torna a população “alvo fácil” a recrutar pelo grupo “terrorista”, sob promessas de rendimento ou remuneração.
“Com o conflito, aumenta a pobreza através da destruição e consequente atraso no desenvolvimento e, com a pobreza, a população é mais propensa a aderir ao conflito. A população, ao aderir aos grupos armados, deixa de contribuir para o desenvolvimento local e contribui para a destruição, prolongando o círculo vicioso pobreza-conflito”, defende a organização.
De acordo com a análise, as acções do Governo não têm sido eficazes para garantir a segurança da população e os seus bens e o acesso aos serviços básicos. “Por outro lado, a província regista mais da metade de casos confirmados da Covid-19 em Moçambique e, segundo a população local, há falhas na comunicação por parte do Governo e as comunidades continuam a não observar as medidas de prevenção contra esta doença, particularmente nos distritos afectados pelos ataques. Combinados estes factores cimentam a percepção por parte da população local de abandono pelo Governo”, sublinha fonte.
Para a organização, a recém-criada Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) deve criar incentivos para a melhoria do ambiente de negócios na província, para atrair mais investimentos e catapultar os já existentes, abrindo possibilidade para a geração de mais emprego e geração de renda para a população local.
“O Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFP), em coordenação com a ADIN, deve criar programas de formação e assistência à procura e enquadramento ao emprego, particularmente para os jovens; as Forças de Defesa e Segurança (FDS) devem engendrar estratégias e esforços eficazes para garantir a segurança e a limitação das mortes e perdas do capital físico (uma das formas pode ser aumentando o efectivo nos diferentes distritos da província); o envolvimento de todas as forças vivas da sociedade a nível nacional, com vista a ver esta situação colmatada. E ainda, a necessidade de intervenção da SADC para reunir esforços e desenhar estratégias para fazer face a estes ataques, sob o risco e a possibilidade deste conflito se alastrar a outros países da região”, recomenda a fonte. (Carta)