Txifuliane está entre a muldidão, com o filho aconchegado, acompanhando tudo aquilo que apenas vem confirmar o que já sabia, ou que já tinha ouvido falar. Mathxinguiribwa dança no colo da mãe ao som da timbila de Juliasse Makowo, dança e ensaia com o pequeno braço esquerdo o batimento do escudo de pele no chão, e o chão era o peito da mãe que tremia cada vez que a criança enveredasse por esse gesto. Ela voltou a ficar alucinada, desta vez viu a sua avó aproximando-se, vestida de branco passeando no ar na sua direcção dizendo, Txifuliane sai daí, sai daí depressa, minha neta, procura uma varanda para te abrigares, entra no restaurante do Mathikiti e peça alguma coisa para comeres com o teu filho, sei que acabas de comer, mas vai comer outra vez, peça algo ligeiro só para não correrem contigo de lá, compra um chocolate para Matxinguiribwa e mantenham-se serenos.
Txifuliane vê Juliasse Makowo sacudindo o abraço do governador, cuspindo depois para o chão, não a saliva, mas um jato de sangue que lhe molhou os pés, pegou na sua timbilia e nas baquestas para se retirar e dirigir-se aos camarotes, onde devia esperar para de novo voltar e apresentar o maior quilate do seu show que ainda faltava, como se aquele primeiro número não fosse nada, parecia um mamute. Relampejou tremendamente por sobre o miradouro, e um raio caíu atingindo Juliasse Makowo, que morreu imediatamente, sem que no entanto tivesse caído, morreu de pé, e quando os seus companheiros tentaram levantar o corpo não conseguiram, começou a chover em catadupas, afastando as pessoas que enchiam por completo o lugar da festa, os membros da banda de Juliasse Makowo abandonaram o cadáver com medo dos relâmpagos que se sucediam, e do graniso que fustigava o espaço onde já tinha começado a grande celebração dos chopi, chovia em toda a vila, mas o graniso só caía no miradouro, martelando em particular a cabeça de Juliasse Makowo que continuava estranhamente de pé. Há grandes correrias das pessoas que buscam abrigo, as tendas esticadas aqui e alí não suportam as fortes bâtegas da chuva que chove à cântaros, elas cedem perante as torrentes, em pouco tempo a vila de Quissico ficou um rio, e os carros que estavam ali estacionados transformaram-se em barcos flutuando à deriva, sendo todos levados ribanceira abaixo, até à zona das Lagoas, onde se viam enormes fogueiras desafiando a chuva que caía cada vez com maior intensidade, sem o menor sinal de que aquela hecatombe podia desvanecer nos próximos momentos. As pessoas subiram para os tectos das casas, e paradoxalmente, no tecto das casas eles não molhavam, ficavam ali a assistir ao dilúvio, que vinha para destruir o histórico vilarejo, aquilo que são as ruas metamorfoseou-se, no seu lugar nasceram braços de um rio que rasgava Quissico à meio, várias mulheres foram vistas a nadar, nuas, umas de costas, outras de bruços, outras de livre, deixando ver abundantes trazeiros que atiçavam a cobiça dos homens pendurados nos tectos bebendo aguardente de massala, ninguém sabe explicar como é que aquela bebida foi-lhes parar às mãos, mas todos eles bebiam sem se molhar com a chuva que vinha do céu em liberdade, petiscavam carne de porco assada na brasa e temperada com n´tona, todos eles pareciam alegres, riam-se às gargalhadas, divertindo-se com o espectáculo das mulheres que nadavam nuas pelos braços do rio que rasgava Quissico, mas tudo aquilo durou pouco tempo, porque logo a seguir todos estavam nos seus anteriores lugares, a chuva tinha parado, os carros voltaram aos sítios onde estavam estacionados e Juliasse Makokowo retirava-se tranquilamente, petulante, para os camarotes.
Txifuliane tremeu depois de voltar novamente à lucidez, sem saber o que fazer. O filho, em silêncio, para o arrepio da mãe, mexia a cabecinha em resposta às músicas que vinham das orquestras que passaram a desfilar num espectáculo retumbante, cada grupo tocava algo diferente, algo mais aliciante do que aquilo que se ouviu anteriormente, aqueles que bebiam tinham que atravessar a estrada várias vezes para comprar as bebidas do outro lado e ninguém conseguia manter-se nas barracas porque não queriam perder um evento único, que trouxe equipas de televisão de várias partes do mundo, quatro helicópeteros sobrevoavam silenciosamente o espaço, com antenas pendidas para captar o show em todos os ângulos. O miradouro está compactado, acolhe milhares de assistentes que deliram, cada vez há mais gente subindo às palmeiras, levando consigo garrafas ou latas de bebida, que é consumida para aclarar as mentes e deixar que o ritmo penetre livremente nas profundezas da alma, os timbileiros estão em êxtase, desfraldam gritos de guerra que são repetidos pela plateia ávida.
- Excerto do livro (Mathxinguiribwa) de Alexandre Chaúque