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quarta-feira, 06 abril 2022 08:53

Festival de sura: ou as bebedeiras de não acabar?*

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As últimas bebedeiras de sura que apanhei na vida, remontam dos finais da década de noventa, altura em que eu e o Caido Zubaida, de quem aprendi a amar a música que entretanto já morava dentro de mim desde o útero da minha mãe, vagueávamos pela cidade e pelos bairros suburbanos sem outro propósito que não fosse o cumprimento de uma missão guiada pelas claves. Éramos livres, e não sabíamos que o nosso cheiro dava alegria a muitos, incluindo os cépticos e nem nos importavamos com isso, o que queriamos era viver, e para viver precisavamos de cantar, e na verdade foi isso que passamos a fazer quando as metáforas se decifraram elas mesmas, fazendo-nos compreender que estávamos no nosso caminho. E o nosso caminho estava certo.

 

A sura não era propriamente o nosso catalisador, mas será um elemento importante no sentido de que se tornou a ponte, cuja plataforma vai levar-nos à outras pessoas, das quais buscaremos as forças necessárias para  hastear uma bandeira que nunca mais desceu até hoje, que nos sentimos cada vez mais jovens, apesar dos pulmões apodrecidos pelo fumo. Somos também grãos desta areia vibrante que nos segura os pés para dar equilíbrio a todo o esqueleto que irá oscilar ante a penetração dessa bebida, no interior dos neuróneos.

 

A sura que bebíamos a potes, dava-nos a sensação de segurança, mesmo sabendo da depressão que nos vai criar no dia seguinte. Cantávamos – depois da pinga – sem nos importarmos com as falhas. Se até os músicos de grandes patamares falham, quem somos nós para não falhar! Então deixem-nos cantar sem  as amarras da escala. Deixem que o sangue do nosso coração se esvaia até sobrar a alma que se manterá de pé por todo o sempre, lutando contra as verrumas do diabo.

 

Ainda bem que o nosso objectivo, naquilo tudo que faziamos, não era a sura. O que nos movia era a música e as paródias. Sempre que amanhecesse, queriamos amanhecer também, eu e o Caido Zubaida. Sabiamos que tinhamos em nós a pele de Agostinho Agostinho Neto, que dizia, eu já não espero, sou aquele por quem se espera. Nós também éramos esperados, como se fôssemos o sol que vai dar a luz aos viventes. Mas claro que a nossa percepção podia ser uma ilusão. E se é verdade que era uma ilusão, então éramos felizes vivendo nessa ilusão.

 

Caido Zubaida foi conquistado pelo ritmo muthimba, que nem faz parte dos seus antepassados, e eu entrei no blues, sem saber nada de blues. Se amo a minha mulher, não me perguntes porquê a amo, não sei. O importante é que você se deixe levar pelo belo, e a beleza de tudo aquilo que faziamos, estava na profundeza dos nossos sentimentos. Éramos cães vadios, que passavam a vida na gandaia das músicas, muitas delas do tempo que não nos pertence. Éramos ovacionados, e perguntavamo-nos perante os aplausos: afinal os cães também são aplaudidos?

 

Hoje ainda sou esse cão vadio. O Caido Zubaida, ainda é esse cão vadio.  Por isso continuamos felizes, como sempre fomos.

 

*Realiza-se no dia 9 de Abril na cidade de Inhambane, o 1º Festival de Sura

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