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segunda-feira, 03 abril 2023 13:11

Senhor Calisto Cossa, venderam uma rua na Matola-Gare…

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Dez famílias estão, neste momento, senhor presidente, sem rua para chegar às suas casas, porque o que era rua vendeu-se. O que era rua será coroado por um enorme muro nos próximos dias, senhor presidente. São dez famílias que terão de criar pontes imaginárias para chegar aos seus quintais, porque um grupinho da zona decidiu vender o que era rua. Claro que este não é o primeiro caso que acompanho na Matola-Gare, há muitas ruas que são vendidas e terrenos que são disputados por mais de cinco pessoas. E hoje são dez famílias que foram arrancadas uma rua.

 

Já escrevi, diversas vezes, sobre as negociatas de terrenos que acontecem na Matola-Gare, mas ninguém me ouve. Hoje falo de dez famílias, incluindo a minha, que foram arrancadas uma rua. Aquilo que era rua, com postes de electricidade, com um enorme corredor para autocarros, com um tubo geral de água será vedado nos próximos dias.

 

Isso acontece na Matola-Gare num terreno que foi arrancado a uma velhinha e vendido, debaixo dos seus gritos, à uma família que hoje pretende fechar uma rua. A velhinha, meu Deus, todos os dias põe-se debaixo da sua angústia e lamentava, tal como essas dez famílias, o seu terreno vendido. O grupo vendeu o terreno e hoje são essas dez famílias que estão concentradas nos seus quintais como água de chuva, pois não têm nem um pedaço de terreno para lhes servir de entrada.

 

O grupo tentou falar com a dona do mundo que comprou a rua e o terreno. E ela, porque tem dinheiro, porque tem amigos no município, disse apenas que ia doar um beco, um palmo de centímetros, para servir de entrada a essas dez famílias, senhor presidente. Um beco só para encostarmos o corpo e chegarmos às nossas residências, um beco que nos cederemos e passaremos, um a um, como formigas seguindo para um buraco.

 

Senhor presidente, falo de dez famílias e muitas que estão a surgir que dependem dessa rua. A velha, que era dona do terreno, todos os dias chora pelo seu terreno arrancado e hoje chora pela rua, porque sabe que já não tem onde encostar os seus passos e chorar pelo terreno que um dia foi seu.

 

Os terrenos são vendidos como tomates na Matola-Gare, mas ninguém se importa em deixar-nos uma rua. De tempos em tempos, somos obrigados a abrir novas ruas, novas entradas, mas dessa vez não temos nada a abrir, pois estamos sem mãos e estamos sem catanas suficientes para lutar pela rua que foi vendida. Viramos bichos que não precisam de ruas, senhor presidente.

 

Uma rua larga, uma rua que servia de corredor para nos evacuar às nossas residências deixará de existir nos próximos dias, senhor presidente. Dez famílias viverão isoladas numa ilha sem saída como bichos da Idade da Pedra. E como essas famílias sairão ao mundo nos próximos dias? Como essas famílias irão carregar os seus passos para dentro de casa?

 

Claro que eles fazem isso, porque essas dez famílias são um entulho de pobres. Há meses venderam a rua de um dos maiorais do bairro, mas tudo acabou mal: o maioral usou a força, que me dava muito jeito tê-la, mandou varrer a rua e tudo voltou à normalidade. O bairro todo aplaudiu. E hoje somos nós, dez famílias, que passaremos por isso tudo, porque não temos a força de varrer tudo como o maioral. Nos próximos dias, haverá um muro coroando a rua que nos servia de entrada, haverá uma porta impedindo-nos de entrar em nossas casas.

 

Depois de nós, as dez famílias, de certeza mais ruas serão contrabandeadas em toda a Matola-Gare. Temos, todos os dias, de dormir com um terço, na mesinha da cabeceira, para orarmos pelas nossas ruas. Todos os dias temos de pedir a Deus para cuidar das nossas famílias e das nossas ruas. Terá Deus, coragem e força suficientes para fazer tudo isso? Senhor presidente, são dez famílias e pedimos de volta a nossa rua e não um esconso em forma de beco qual entrada dos currais.

 

E estamos nesse silêncio, senhor presidente, porque os donos do bairro ditam as regras e calam os nossos barulhos com “nós somos donos disto tudo”. E as dez famílias, sem donos, como ficarão sem entrada? Senhor presidente, são dez famílias que nos próximos dias viverão isoladas como doentes de lepra por falta de uma rua. Escreverei até que tenhamos a rua de volta, mais dez ou vinte cartas, senhor presidente.

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