Há umas semanas, visitei o Salomão Moiane na sua propriedade em Taninga, a seu convite. O pretexto foi o canhu. Foi um meio dia inteiro de “papo e canhu”, das 11 da manhã até 19:30. Um dos momentos foi a passagem em revista do encontro profissional (mas não só) entre nós.
O nosso cruzamento dá-se no semanário Domingo, no distante ano de 1988! Entramos mais ou menos na mesma altura. Ambos vindos do… jornal Notícias! Ele entrara no Notícias vindo da AIM, onde trabalhou longos anos. Já era jornalista sênior e eu principiante.
Em 1988, o Domingo conheceu uma profunda “revolução”. Durante muitos anos, tinha um quadro editorial muito magro: Atanásio Dimas (Deus o tenha), como chefe; Augusto de Jesus, Albano Naroromele (Deus o tenha), Lourenço Jossias e Almiro Santos, como efectivos. O resto eram colaboradores. Basicamente, o jornal vivia de colaborações. Nesse ano, vê o seu quadro editorial reforçado, um pouco ampliado. Passou a contar mais com o Salomão Moiane, o Orlando Muchanga, Moisés Mabunda, pouco depois, com o Bento Baloi e… a equipa ficou bem forte!
E ali passou a haver uma grande competição profissional. Boa competição. Cada um procurava trazer a sua melhor reportagem. E isso era estimulado por um prêmio que a empresa tinha instituído: a melhor reportagem do mês era premiada monetariamente. Competimos, reportagem por reportagem; argumento por argumento. Aquilo era profissionalismo. Só tocava a viola quem tivesse unhas. E nisto trouxemos histórias e histórias do Moçambique real. O jornal teve mais vida.
Mas o “dream team” não duraria muito… o Dimas iria para a Presidência como adido, o Naroromele iria estudar a tempo inteiro, o Augusto de Jesus iria para o Zimbabwe. E dois, três anos depois, o próprio Moiane e o Lourenço Jossias deixariam o semanário. Foram uns cerca de quatro anitos intensíssimos… também porque o país estava a fermentar com a busca do fim da guerra dos 16 anos. Nalgum momento, neste período, o semanário Domingo chegou a ser um dos melhores jornais do país.
Mas ali cimentou-se também uma relação de alguma familiaridade, empatia e simpatia, de tal sorte que podemos cada um de nós estarmos onde estivermos, sempre procuramos saber um do outro. Ficou a irmandade entre nós - Salomão Moiane incluído!
Mas este texto nem é sobre o semanário Domingo, ou sobre o Salomão Moiane! É sobre o José Catorze!… Só os jornalistas mais antigos saberão quem é/foi este jornalista, grande cronista! Nos últimos tempos, 1987, 88, 89… por aí, assinava uma rubrica com o título”veredas”, onde passavam algumas das melhores crónicas que este país possui. Certa vez, viajou para na altura União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e ficou lá três meses. As crónicas que produziu foram o melhor material que me ajudou a compreender a perestroika e glasnot!
Vou parar no Domingo graças a José Catorze, que era, então, o director-geral das Sociedade Notícias! Cheguei à Redacção do Notícias vindo da Escola de Jornalismo, em Março de 1988. Mas minha vontade era ir para o semanário. Não levei dois meses sem meter a carta a Mário Ferro (Deus o tenha) para me deixar subir para onde eu queria (a Redacção do Domingo está num andar acima da do Notícias). E o Ferro, então director-adjunto e chefe de Redacção, não estava a deixar-me ir, queria-me obviamente nos seus efectivos.
Um desses dias, cerrei os punhos e fui bater à porta do José Catorze. Mal tinha falado com ele antes. Expliquei-lhe o que se passava. Sem protocolo nenhum, mandou a secretária procurar a carta do Moisés Mabunda. Tendo-a encontrado, trouxe-a e o Catorze despachou-a ali mesmo favoravelmente. E fui dar ao Domingo. Escusado será dizer que o chefe da Redacção não gostou nada do assunto, mandou-me chamar e deu-me uma palestra de nunca acabar! Segundo ele, eu não iria evoluir num semanário, precisava de estar onde escrevesse todos os dias…
Ainda que concordasse com o argumento dele, no fundo eu estava a agradecer fervorosamente ao José Catorze.
Mas a minha gratidão para com o Catorze não se fica por me ter autorizado a transferir-me do Notícias para o Domingo em 1988. Já no semanário, em 1989, surge em mim a vontade e determinação de continuar com os estudos na Universidade Eduardo Mondlane. Eis que meto a carta ao então meu chefe. E a resposta nunca mais vinha… vendo o prazo de inscrições na UEM quase a esfumar-se, cerro de novo os punhos e vou bater à porta do… José Catorze! Meu chefe dizia que o director-geral ainda não tinha despachado, então fui confrontar o búfalo pelos chifres!
Afinal, a carta ainda não tinha chegado. O Catorze, ali mesmo, diante de mim e da secretária que acabava de lhe jurar a pés juntos que não havia tal carta, pegou no telefone interno, ligou para o meu chefe e instruiu-lhe que mandasse o documento naquele mesmo instante… uma vez mais, despachou-o nos meus olhos. Favoravelmente!
Estou eternamente grato a JOSÉ CATORZE. Primeiro, por me ter autorizado a ir para o jornal dos meus sonhos - e creio que não decepcionei nem a ele, nem a mim mesmo, nem à sociedade em geral. Segundo, por me ter autorizado a continuar com os estudos! Não tivesse ele me autorizado, não sei que caminho teria seguido minha vida.
Esteja onde estiver o José Catorze - depois que cessou de director-geral da Sociedade Notícias, nunca mais ouvi dele -, aqui fica o meu tributo a este homem que tomou decisões que tiveram grandioso impacto na minha vida!
ME Mabunda