Disse, alguma vez, um sábio anônimo que todos nós devemos alguma coisa a alguém - não há um único homem que não deva nada a outrem. Não só devemos à terra tornar, como bem disse Alberto Machavele; mas a uma série de outras pessoas e outras coisas… semana passada, narrava eu como duas rubriquinhas apenas mudaram grandemente a minha vida. Na verdade, devemos infinitamente a tudo e a todos: aos nossos pais, aos pais dos nossos pais, ao resto da família, aos nossos professores/educadores, aos colegas de infância, da turma ou da faculdade e aos nossos amigos, e até a anónimos, consoante onde conseguimos chegar!
Depois de contar a história com o José Catorze, ocorreu-me a do Dr. António Bugalho. Aquele mesmo conhecidíssimo médico Antonio Bugalho! A ele também tenho uma grandiosa dívida de gratidão. Eiiii… devemos a tanta gente! Já agora, a todos a quem tenho uma divida de gratidão e se, por alguma razão, não me ocorra, fica aqui o meu profundo reconhecimento! Vamos ao Bugalho.
Não conheci, como tal, o Dr. Antonio Bugalho. A vez em que entrei em contacto com ele, em 1988, foi na sequência de uma grande reportagem que estava a fazer sobre o aborto em Moçambique. Ele era o director da Maternidade do Hospital Central, naturalmente, figura importante na reportagem. Não foi preciso nenhum salamaleco, foi só chegar à Maternidade e logo lá se pôs ele a falar para o jovem repórter do Domingo. Esta reportagem viria a merecer distinção nos defuntos prêmios anuais de jornalismo que a então Organização Nacional de Jornalistas realizava anualmente.
Atendeu-me lindamente, deu-me toda a informação que desejava. Ficou o contacto, mas não propriamente uma pessoa próxima, mas, aberta que não é, numa ou noutra ocasião, um e outro cumprimento. A vida foi correndo e, em 1991, com apenas 27 anos, sou indicado subchefe da redacção do semanário Domingo! O trabalho começou a apertar. Além da minha reportagem da semana e mais duas a três notícias que devia que apresentar semanalmente, já tinha que estar à frente de outros, ver o trabalho deles e do jornal no seu todo; coadjuvar o chefe; realizar quaisquer tarefas que ele indicasse; esboçar editoriais e realizar outras tarefas, como grandes reportagens e grandes entrevistas com altas personalidades, ministros, chefes de estado, grandes artistas, etc. e representá-lo ou ao jornal em cerimônias oficiais.
Como azar não custa, cerca de três anos depois, sou conduzido a chefe! De coadjuvante, passo a titular. Para os escribas de hoje, isto não vai significar muito. Nesse tempo, não usávamos computador - não havia ainda. Era tudo à máquina de escrever. A edição do texto era feita manualmente, à esferográfica, na… lauda! E o autor do texto tinha que reescrever. Depois, o texto ia para a composição, nas oficinas e, a seguir, a paginação… mecânica, não digital. O Corsino, o Macassa e, mais tarde, o Sérgio Dzimba pré-desenhavam as páginas na presença do autor do texto e do fotógrafo e depois levavam à anuência do chefe. Aprovada a prova, seguia para a pré-impressão e só depois de aprovada é que ia à impressão final. A aprovação da arte final raramente acontecia antes das 23 horas; normalmente, era a uma, duas horas da madrugada! Quase todos os domingos começavam nós ainda no jornal a jobar! Só depois de a prova seguir para a máquina, para a impressão, é que íamos entrar na viatura do jornal para nos distribuir pelas nossas casas…
Para piorar, o período que vai de 1990 a 1995 foi dos mais intensos da história do nosso país. Duvido que haja ou venha a haver outro. Nova Constituição da República que marca o efectivo fim do monopartidarismo entra em vigor; a negociação do fim da guerra com a Renamo; a assinatura e implementação do Acordo Geral de Paz de Roma, as Nações Unidas no país (a famosa ONUMOZ); a discussão e preparação das primeiras eleições gerais multipartidárias; a realização das eleições; a retirada de última hora de Afonso Dhlakama das eleições; a lenga-lenga da divulgação dos resultados; a recusa da Renamo dos resultados do escrutínio… e o reinício (melhor início) da convivência social pacífica entre moçambicanos membros declarados de partidos políticos diferentes… tudo isto e mais alguma coisa mais ou menos no mesmo período! Acredito que jornalista algum jamais terá a oportunidade de viver num ambiente desta jaez!
E eis que… a minha máquina deixa de funcionar devido à pressão do trabalho. Eu já não era eu. Aquele homem já virara sezimeia! Mês após mês e… ano após ano, nada!... sono profundo. Mas a saúde, em termos de sentir dor, ou algum problema, estava tudo bem. Mas ainda assim fui aconselhado a procurar conselho de um médico, ou a ir mesmo a hospital!…
Já não me lembro das circunstâncias e como, mas o médico que me deu os conselhos que estão a ser úteis na minha vida toda foi… o Dr. António Bugalho!... fazer ginástica. Ainda lhe perguntei se, no lugar de ginástica, podia ir jogar futebol, já que gosto muito. Anuiu.
Fui correr atrás do esférico e não passaram três meses, a máquina voltou a funcionar!
Estou e estarei eternamente grato pelo conselho que me tirou da condição de sezimeia!
ME Mabunda