Estive em Maputo na semana passada por força das circunstâncias. Faleceu a minha sobrinha, a Thchinha, mulher de batalhas sem fim. Nela repousava a esperança e a fé de que a cacimba baixaria e a seu devido tempo o sol brilharia em todo o universo. As armas que a sustentavam era a poesia, da qual retirava e repetia sem se cansar esse verso, “a vida é um eterno recomeço”. É por isso que desprezava as quedas. Ria-se com gozo dos espetos que a perseguiam querendo derruba-la. Ela dizia: É verdade que não tenho nenhum feixe de flechas nas minhas mãos, mas trago um ramo de oliva no coração.
Thchinha tinha o impulso da partida, que até podia levá-la ao desconhecido, e ela jamais teve medo do oculto. Se tivesse o tal pavor não teria voado para outras terras, onde tinha a certeza de vencer e depois voltar para casa com o troféu da vitória a fim de nos cobrir a todos e fazer-nos acreditar que a vida é bela.
Voou confiando na arte que fazia em cumprimento de uma missão, e quem confia na arte não vacila. “David venceu com poesia espalhada em Salmos”, dizia em silêncio a Tchinha, e nós não percebiamos a dimensão das suas palavras. Alcançou a liberdade tendo como estandarte a arte, imitando David que decepou a cabeça de Golias.
Então telefonei aos meus amigos em Maputo, dando-lhes a conhecer a partida definitiva da minha querida sobrinha, na verdade uma grande mulher na flôr da idade vivendo entre a luta e a esperança. Muitos desses meus amigos foram, mais do que assistir às cerimónias fúnebres, recordar-nos o valor da amizade. E aquele silêncio todo que vai pairar à volta da Thchinha, será o testemunho da paz. Tchinha partiu em paz, superando toda a dor que lhe dilacerava o corpo em dias longos que em compensação, depois de todo o sofrimento, metamorfosearam-se em luz.
Choramos por dentro esta largada como a de um barco que recolhe as amarras para nunca mais voltar, mas não são lágrimas da morte, Thchinha não vai morrer. Em terra firme foi abalroada pelas ondas que se esbatiam no casco, e agora, com as velas enfunadas, está aí, acenando-nos no último adeus.
Thchinha, minha querida sobrinha, não nos resta mais nada neste momento de flores que nunca te oferecemos, senão agradecer todo o amor que nos deste. Ficaremos com as tuas lembranças para sempre.
Obrigado, amor. Deus te acolha!