Causou - e continua a causar - um grande alvoroço nacional e internacional o pronunciamento, em Setembro de 2022, do General Nihia de que “os makhuwas são falsos e sem direcção”. Simplesmente isso, uma frase de umas três palavrinhas - povo, falso e desfocado -, mas com um significado e alcance muito profundos. Profundíssimos.
A acusação foi proferida para camaradas numa reunião distrital do partido em Nampula, mas acabou não sendo exclusivamente para eles. A mensagem universalizou-se. Teve uma repercussão esmagadora, avassaladora, um alcance bastante grande e longo, tamanha é a dimensão numérica dos makhuwas. Um pronunciamento que caiu como uma autêntica bomba atômica: trata-se do maior grupo étnico de Moçambique e com presença significativa na Tanzania, Malawi, Seychelles, Maurícias e Madagáscar; qualquer coisa como cerca de nove milhões de pessoas! Para atingir nove milhões de pessoas, só pode mesmo ser através de uma bomba… atômica! Como aquela lançada em Hiroshima!
Até parecia verdade aquela asserção. Aliás, até pode ser, dependendo do ângulo e clima em que nos encontramos. Para quem, como o General Nihia, está na trincheira em que está, no contexto e ambiente em que se encontra, faz todo o sentido o claim. Em causa está o facto de cinco dos sete municípios de Nampula estarem na gestão da Renamo, designadamente, Angoche, Malema, Ilha de Moçambique, Nacala-Porto e cidade de Nampula; e não na do seu partido, porque os makhuwas não votaram nesse sentido. Portanto, estando parado onde está, na perspectiva político partidária em que está inserido, de facto, é falso - só pode sê-lo, todo aquele que não concorre para a consecução dos supremos objectivos da organização.
Por conseguinte, podemos dizer que a veracidade da proclamação do nosso herói nacional é relativa. Numa perspectiva social, até é infundada. Um ser social prossegue os seus objectivos e os objectivos de uma determinada sociedade são inclassificáveis: são os objectivos daquela sociedade, pura e simplesmente. Não são, nem podem ser, qualificados com seja qual for a terminologia.
Cerca de um ano depois do dispara(t)do(e), numa das rotineiras passagens por algumas das nossas livrarias, fui deparar-me com um livro que me trouxe de volta à memória o “desabafo” do nosso compatriota. “O Povo Macua e a Sua Cultura” é o seu título e o Padre Francisco Lerma Martinez, seu autor. Não hesitei um único segundo. Adquiri-o e pus-me a devorá-lo por estes dias.
“O povo macua … é o mais numeroso dos povos que integram Moçambique e, ao mesmo tempo, um dos menos conhecidos. (...) com o presente estudo, quero contribuir para o conhecimento e estima deste povo, realçando alguns dos seus valores culturais… exprimir o mais fielmente possível a riqueza cultural do povo macua” - escreve o autor na introdução. Um grande convite para a degustação do livro, antecedida por um prefácio assinado por… Brazão Mazula! Professor Mazula que conclui que “apesar de Francisco Lerma ter conduzido a sua investigação antropológica para os objetivos dum “encontro genuíno” do cristianismo com a cultura macau, esta tese é válida para outras áreas de organização da sociedade moçambicana, como as de ciência política, filosofia, direito, psicologia, mesmo economia e para melhor planificação do desenvolvimento.”
Na verdade, o estudo é uma grande viagem antropológica, histórica, filosófica e sociológica e alguma introdução à linguística do e-makhuwa, sedimentada e condimentada numa experiência do autor de 14 anos de vivência e convivência com os makhuwas - “o que vi e ouvi”, como escreve e depois aponta com mais precisão: “Neste meu trabalho, terei uma preocupação constante: partir dos factos e da experiência. Quero transmitir o que vi e observei, o que ouvi e escutei: o povo, a gente, a sua maneira de ser, de viver, de amar os valores culturais que o identificam, valores estes que lhe dão consistência, e que encontramos nas suas manifestações sociais.”
E o Padre Francisco Lerma Martinez conclui que o povo makhuwa é “um povo semelhante aos outros povos da Terra”; os makhuwas “são, antes de tudo, um povo com história, tradições e cultura própria…”
Portanto, não podem ser “falsos”! Nem tão pouco.
ME Mabunda