“As manifestações pacíficas, convocadas pela Comissão Política da Renamo, anunciadas pelo seu Presidente Ossufo Momade, lembram-me as manifestações que derrubaram o Regime do Partido Socialista Unitário da Alemanha, na antiga RDA – República Democrática Alemã. Duas coincidências curiosas: o facto de se terem realizado em Outubro e serem pacíficas, segundo anunciou o próprio General Ossufo Momade”.
NB: Na altura destes factos, eu estava na RDA, vivi essa realidade e vi o muro de Berlim a cair.
AB
“Em 9 de Outubro de 1989, cerca de 70 mil pessoas tomaram pacificamente as ruas de Leipzig a favor da democracia. Sem intervenção das forças do regime comunista, um episódio crucial para a queda do muro, um mês depois”. Na altura destes factos, eu estava na RDA, vivi essa realidade e vi o muro de Berlim a cair.
In História por Mara Bierbach 09/10/2019 como protestos pacíficos ajudaram a derrubar o regime da RDA
Tiveram início hoje, 17 de Outubro de 2023, as manifestações pacíficas convocadas pela Renamo, através da sua Comissão Política Nacional e anunciadas em conferência de Imprensa, pelo respectivo Presidente, Ossufo Momade, tendo reiterado que a Renamo não retornará às matas, o que, à partida, tranquiliza muitos moçambicanos e amigos de Moçambique. Na verdade, como ele mesmo disse, “o povo está cansado de guerra”. Neste particular, devo manifestar o meu agrado porque não haverá derramamento de sangue, contudo, é preciso reconhecer que as manifestações, muitas vezes, são mais fortes que as armas. As manifestações têm a particularidade de serem assistidas por todos, os seus organizadores falam das suas causas e, por via disso, ganham mais apoiantes.
As manifestações pacíficas têm o cunho mobilizador e dão oportunidade aos seus organizadores de falarem sobre as suas motivações que, ainda que tenham um pouco de “populismo”, são ouvidas, compreendidas e debatidas por várias pessoas. Podem iniciar com 100 pessoas e, ao fim de 72 horas, aderir muito mais gente e aquilo que poderia parecer um pequeno “grupinho” tornar-se em multidões. Por isso, as autoridades do Estado não devem olhar para essas manifestações com indiferença, mas, mais do que isso, não devem procurar resolver o problema com recurso à força, pois, pode ser perigoso e, de pacífica, passar a ser uma manifestação violenta!
Com esta reflexão, não pretendo dizer que as manifestações são justas ou não, isso não cabe a mim como cidadão, pese embora, a Renamo pode e vai certamente socorrer-se da Constituição da República, que no Artigo 80 diz: “os cidadãos têm o direito de não acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias”, isto porque a Renamo manifesta-se, alegadamente, porque a contagem de votos não foi justa e o anúncio dos resultados não corresponde ao que o povo depositou nas urnas. Ora, este direito de resistirem é constitucional e ninguém lhes pode negar, aliás, a Constituição da República, no seu artigo 35, fala da universalidade e igualdade!
Então, vamos olhar para esse importante artigo da nossa Constituição da República que diz no Artigo nº 35 (Princípio da Universalidade e igualdade) “todos os cidadãos são iguais perante a Lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”, fim da citação. Por outro lado, o artigo nº 51 da mesma Constituição preconiza que “todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião e manifestação, nos termos da Lei”. Estes articulados levam-nos a olhar para as manifestações da Renamo, como mero exercício de direitos e nada mais, espero que mantenha o sentido pacífico das mesmas.
Nas minhas reflexões anteriores, num caso, apelava ao partido Frelimo para que fizesse uma introspecção sobre as razões destes acontecimentos, sobretudo revelados pelos resultados eleitorais que hoje, pouco a pouco, estão a criar uma instabilidade nas zonas urbanas de quase todo o país. Segundo o anúncio do Presidente da Renamo, estas manifestações não estão convocadas para um lugar específico, são para todo o território nacional. Contudo, é inegável que será na capital moçambicana, Maputo, onde se farão sentir mais. Num outro momento, apelei ao Conselho de Estado para que, usando das suas competências, fizesse a persuasão para que as coisas não degenerem em confusão.
Muitos cidadãos olham para o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, como quem deve tomar a iniciativa, mas os órgãos, para além de reunirem por iniciativa do Chefe do Estado, também podem reunir por convocação de seus membros e, neste caso, do Conselho do Estado. O próprio Ossufo Momade é membro do Conselho do Estado e deve fazer uso dessa condição para influenciar a convocação da reunião deste importante órgão, de modo a mediar este conflito pós-eleitoral. As confissões religiosas e a sociedade civil também devem exigir o fim deste mal que parece se instalar em Moçambique. Todos somos chamados a evitar que isto degenere em conflito descontrolado! É preciso que se diga que manifestações pacíficas também derrubam Governos. Estejamos atentos.
Adelino Buque